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TRAÇADO HISTÓRICO DO PROBLEMA HABITACIONAL DO BRASIL

INTRODUÇÃO 27 ESTRUTURA DO TRABALHO

1. O PROBLEMA HABITACIONAL BRASILEIRO E A CONSTRUÇÃO EM MASSA

1.1. TRAÇADO HISTÓRICO DO PROBLEMA HABITACIONAL DO BRASIL

O objetivo deste Capítulo é traçar um panorama breve sobre a formação do problema habitacional encontrado hoje no país e, mais detalhadamente, no Estado São Paulo, estado brasileiro com o maior déficit habitacional.

O problema habitacional do Brasil não é recente. Ele tem suas origens ainda no final do século XIX em função das mudanças políticas e sociais que aconteceram no país, tais como o fim da escravidão, a proclamação da República e a intensa imigração europeia, atraída pela Industrialização que se iniciava.

O fim tardio da escravidão pela Lei Áurea (Lei Imperial nº 3353) em 13 de maio de 1888, libertou cerca de 723.0007 escravos para o mercado de trabalho brasileiro. É fato que a população escrava no Brasil estava em decréscimo em função do fim do tráfico de escravos em 1850 e da alta taxa de mortalidade infantil nessa população (vale lembrar que a população escrava chegou em 1864 a 1.715.000 pessoas8). Mesmo com a libertação, essa população continuou marginalizada, carente de recursos e sem apoio do poder público.

Com a diminuição do número de escravos, os fazendeiros passaram a pressionar o governo pedindo medidas que facilitassem a entrada de trabalhadores imigrantes, como uma maneira de compensar o trabalho escravo.

Segundo dados do IBGE9 apenas em 1891 chegaram ao Brasil 215.239 imigrantes, em sua maioria europeus. Estima-se que cerca de um milhão de italianos vieram para o Brasil entre 1884 e 1903. Esses imigrantes, geralmente camponeses, vinham para o Brasil com o sonho de se tornarem proprietários de terras e de prosperar financeiramente. Em São Paulo a massa imigrante acabou trabalhando em plantações de terceiros, principalmente em lavouras cafeeiras. Entretanto parte dessa população migrou para as cidades que se desenvolviam em torno de economias agrárias.

Esses fatores ocasionaram um aumento significativo no número de habitantes nas cidades em especial o Rio de Janeiro, São Paulo e Recife.

7 Número total para o território nacional em 1887:723.419 escravos. Em São Paulo, na mesma data, encontra-

seum número de 107.329. Dados do IBGE disponível em : http://brasil500anos.ibge.gov.br/estatisticas-do- povoamento/>. Acesso em 11/05/13

8 Ibidem. 9 Ibidem.

Em São Paulo, por exemplo, ocorreu significativo aumento da população na passagem do século XIX para o século XX. Segundo o Censo de 189010 a cidade possuía 65.000 habitantes e passou para 240.000 em 1900 e 579.033 em 192011.

Esse contingente populacional deslocou-se atrás de trabalho para as cidades que estavam se desenvolvendo e que não possuíam, evidentemente, infraestrutura para receber esses novos moradores. Um dos aspectos que se destaca dessa situação é a carência de habitações nas áreas mais urbanizadas das cidades, conforme citação abaixo:

No século XIX, com a constituição da república, o aumento da população das cidades trouxe como um dos problemas a moradia para a massa pobre trabalhadora, que, numa concepção higienista, era afastada das áreas centrais, não integrando os projetos de reforma urbana. (FERNANDES; SILVEIRA, 2010, p. 03).

O inquilinato era, por consequência, a forma mais corriqueira de moradia para a maioria da população trabalhadora, sendo que para cada faixa salarial existia um tipo de imóvel que se adequava à possibilidade de pagamento do trabalhador. Essa solução era vantajosa não apenas para atender às necessidades habitacionais, mas também como garantia de lucros dos investimentos, visto que a construção barata era uma premissa do mercado rentista.

Cortiços, cômodos insalubres e moradias operárias foram as habitações mais difundidas na cidade de São Paulo para a classe pobre trabalhadora, que dependia unicamente da incipiente iniciativa privada para a construção de moradias.

A concentração de pobreza, a ausência de saneamento básico, o desemprego, a fome, os altos índices de criminalidade, as epidemias, a insalubridade e o congestionamento habitacional nos cortiços eram vistos de forma bem diversa pelas diferentes classes sociais, como mostram tanto os jornais de trabalhadores quanto os documentos oficiais. Estes últimos se referiam aos cortiços e casas de cômodo como degradantes e imorais, e ameaças à ordem pública. (MARICATO, 1997, p. 27).

No fim do século XIX, nesse cenário de imóveis paupérrimos é que acontecem as primeiras epidemias de febre amarela e cólera que obrigam o poder público a tomar algumas ações, originando-se, por exemplo, os Códigos de Posturas de São Paulo (1886) e do Rio de Janeiro (1889) proibindo então a construção de cortiços.

10 Dados do Censo de 1890 disponibilizado no site: smdu.prefeitura.sp.gov.br/histórico_demografico/ acesso em

11/05/13.

11 Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em

No começo do século XX o panorama não se alterou. O mercado imobiliário, não só para a classe popular, mas também para a classe média e alta era regido, intensamente, pelos interesses privados, como pode ser observado no contrato de construção para casas de aluguel na Figura 1.

O governo, em todas as suas esferas (municipal, estadual e federal) não participava de nenhuma maneira da cadeia produtiva de habitações, e o Estado liberal, vigente até 1930, não aceitava assumir o papel de construtor de casas para a população pobre.

Destacam-se apenas algumas ações realizadas por agentes privados, como indústrias e fábricas, que criaram vilas e até mesmo algumas pequenas cidades operárias para abrigar seus funcionários. Obviamente não era possível resolver o problema de todos, mas muitos funcionários (aqueles mais importantes para a produção) conseguiam moradia por um preço mais baixo do que o mercado. As vilas operárias eram construídas junto às fábricas, mantendo seus funcionários mais próximos, evitando assim atrasos e desgastes físicos, e consequentemente, aumentando a produtividade dos operários. Ademais, para o investidor, no caso o empresário dono da fábrica, as vilas operárias eram um ótimo investimento, pois o pagamento do aluguel era descontado direto na folha de pagamento.

Existiam também vilas operárias particulares, construídas por investidores que tinham como objetivo a renda do aluguel das casas, como lembra BONDUKI (1998, p. 41): “Baseada na casa uni familiar, a vila operária era o modelo de habitação econômica e higiênica, o ideal a ser atingido”.

Dessa forma, a única solução encontrada pela classe de novos trabalhadores que se formou eram habitações precárias, sem infraestrutura de transporte, sem condições mínimas de salubridade e distantes da oferta de trabalho.

Figura 1 - Contrato de construção para casas de aluguel firmado entre Pio Pacini e Mauro Perrucci. Acervo da autora.

No Rio de Janeiro, então Distrito Federal, isso se tornava um problema cada vez maior. É nessa cidade que aparecem as primeiras ocupações nos morros e que posteriormente ficariam conhecidas como favelas.

Como ressaltado por Nabil Bonduki, a geografia de São Paulo, carente de morros, fez com que a população pobre trabalhadora buscasse outras opções para a moradia. “Surgem, assim, inúmeras soluções habitacionais, a maior parte das quais buscando economizar terrenos e materiais através da geminação e da inexistência de recuos frontais e laterais, cada qual destinado a uma capacidade de pagamento do aluguel [...].” (BONDUKI, 1994, p. 713).

Conforme resumido por Noal e Janczura:

No Brasil, a crise da habitação, surge no final do século XIX e início do século XX, sendo consequência do crescimento da população urbana, ocasionado principalmente por três motivos, a saber: abolição da escravidão, crise da lavoura cafeeira e pelo processo de industrialização. Com isso, uma enorme quantidade de trabalhadores, vindos principalmente desses setores, são atraídos para as grandes cidades como Rio de Janeiro e São Paulo que mais adiante se transformam em grandes centros industriais. Somado a tudo isso, nesta época temos, ainda, uma política de atração de migrantes europeus que, teoricamente, por já possuírem experiência em indústrias europeias poderiam contribuir para o desenvolvimento da industrialização no país. (NOAL;JANCZURA, 2011, p. 160).

1.2. POLÍTICAS HABITACIONAIS NO BRASIL – INÍCIO DO ENFRENTAMENTO