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por fim, o trabalho de Chauvin (2005), intitulado O Alienista: a teoria dos contrastes em Machado de Assis, é resultado final de sua dissertação de mestrado,

UM PASSEIO COM MACHADO DE ASSIS E SEUS INTÉRPRETES

E, por fim, o trabalho de Chauvin (2005), intitulado O Alienista: a teoria dos contrastes em Machado de Assis, é resultado final de sua dissertação de mestrado,

apresentada ao Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da Universidade de São Paulo, no ano de 2002. Entre os estudos sobre o conto em questão, o de Chauvin (2005) destaca-se dentre os demais por duas razões: primeira, pela quantidade de diversos artigos e ensaios de outros estudiosos recuperados por ele e que versam sobre o conto, apontando outras possibilidades de estudos; segunda, refere-se a sua opção metodológica, caracterizada pela preocupação de evidenciar a relação que há entre O Alienista e alguns romances do próprio Machado de Assis – Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba, Dom Casmurro e Esaú e Jacó –, assim como há também uma aproximação profícua entre o conto, em questão, com a literatura estrangeira – O Elogio da Loucura, de Roterdam; Dom Quixote De La Mancha, de Cervantes; O Livre Arbítrio, de Schopenhauer; a Bíblia e o Alcorão. De fato, ao desenvolver a sua dissertação, Chauvin (2005) cumpre com o seu objetivo: compreender como Machado de Assis organiza uma teoria dos contrastes, a partir da relação que há entre O Alienista com os seus outros contos, crônicas, romances e também com a literatura estrangeira.

Assim, no campo da teoria literária, o trabalho de Chauvin (2005) procura dialogar com outros estudos que também discute O Alienista. O seu trabalho está dividido em sete capítulos, mas o próprio autor adverte que só os cincos primeiros e o último tratam da questão central. Entretanto, a sua proposta mantém pouca relação com a nossa própria leitura de O Alienista. Ele parte da teoria literária para compreender os aspectos formais desse conto – personagens, narrador, ação, tempo e espaço – mas sem perder de vista o contexto histórico, ainda que este último seja tratado como uma instância secundária. Logo, o primeiro capítulo de sua pesquisa demonstra que Machado de Assis procura se inspirar, por exemplo, no Dom

Quixote De La Mancha e no Elogio da Loucura para caracterizar a loucura de Bacamarte, assim como em outros personagens no mesmo conto, mas também aplicáveis para Memórias Póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba. Diante do caminho optado por Machado de Assis em organizar uma unidade, no que toca aos aspectos comuns que há nos seus personagens de contos e romances, Chauvin (2005) interpreta a loucura como um pretexto para o escritor satirizar a valorização que a sociedade atribui ao Positivismo e a psiquiatria em “uso”, no Segundo Reinado.

Porém, ainda que Chauvin (2005) faça colocações aceitáveis, a sua leitura, nesse primeiro momento, não deixa claro porque e como a loucura dos personagens de O Alienista, a começar por Bacamarte, funciona como uma crítica ao Positivismo. Nesse sentido, podemos perceber que na literatura, um produto cultural de um autor que faz parte de uma sociedade, quando interpretada com maior ênfase dada à teoria literária, ao invés de estabelecer a sua articulação de maneira minuciosa com a história, pode implicar em certas limitações. Então, apesar de não ter um campo de atuação exclusivo como a teoria literária, a história lhe dá apoio teórico necessário para entender o significado que tem uma produção literária para o seu autor, a partir do tempo do narrador e do que está sendo narrado. Isso justifica a nossa intenção de considerarmos, quando estudamos O Alienista, um necessário diálogo entre a história e a teoria literária, mas a partir de quatro momentos que se relacionam – obra, autor, leitor e contexto; ao invés de priorizar apenas os dois primeiros. De certa maneira, Chauvin (2005) procura superar essa limitação, ao recuperar a leitura de outros intérpretes de O Alienista, ainda que o contexto histórico de Machado de Assis seja discutido por ele como um aspecto secundário. Não é por acaso que, ao longo de todo o seu estudo, Chauvin (2005) dedica boa parte das 250 notas de rodapé em explicar, brevemente, características da biografia do próprio Machado de Assis e de seu contexto histórico.

No segundo capítulo, Chauvin (2005) procura discutir os motivos que induzem Machado de Assis a escrever O Alienista. Trata-se apenas de identificar um conjunto de significados que se encerra no próprio campo da linguagem dos contos e romances de Machado de Assis, ao assumir o papel de organizar uma relação dialética entre as suas personagens. Por isso, no terceiro e quarto capítulo, a relação de significados opostos entre os personagens de O Alienista – por exemplo: sábio versus vulgo, razão versus loucura e médico versus Itaguaí – é entendida, por Chauvin (2005), como uma assimetria. Mas, é Bacamarte, considerado, nessa perspectiva, o personagem principal e que coloca em evidência a preocupação de Machado de Assis em organizar esse jogo de oposições. Com essa leitura, Chauvin (2005) justifica porque Bacamarte reorganiza a sua teoria sobre a loucura.

No entanto, fica a impressão de que Machado de Assis escreve os seus contos e romances para depurar um estilo próprio, mas sem assumir a preocupação de ser aceito, como escritor, pela corte. Nessas condições, não é suficiente compreender a relação que há entre o estilo de escrita de um autor pela comparação de suas obras com a literatura estrangeira, uma vez que também é importante relacioná-las com o contexto histórico. Dessa maneira, ao avaliarmos criticamente o trabalho de Chauvin (2005), é coerente fazermos as seguintes perguntas: por que Machado de Assis procura pensar a loucura, a partir de seus personagens, nas suas diferentes obras? Por que, ao organizar a sua teoria dos contrastes, esse mesmo escritor busca parodiar a literatura estrangeira? De fato, essas duas questões colocam em evidência algumas das possíveis lacunas existentes no trabalho de Chauvin. Ao retomarmos a análise do terceiro capítulo, quando se trata de compreender o significado cultural dos personagens confinados na Casa Verde, a partir do próprio ponto de vista de Machado de Assis, Chauvin (2005) limita-se em caracterizá-los, não estabelecendo uma possível relação de seus costumes e valores da corte, durante o final do século XIX. Até porque a teoria dos contrastes só assume destaque entre os habitantes de Itaguaí com a chegada de Bacamarte na vila, uma alegoria que representa a chegada de uma novidade: a ciência que se relaciona com o Corão e a Bíblia para explicar, pelo dogma, o limite entre a razão e a loucura.

Continuando essa análise dos capítulos cinco, seis e sete do trabalho de Chauvin (2005), percebemos a sua pouca preocupação em relacionar as loucuras e ocupações dos habitantes de Itaguaí com o próprio contexto histórico do Segundo Reinado. O motivo para isso está no fato dele procurar semelhanças entre elementos no tempo da trama narrada com a Bíblia e com O Alcorão, e também com o tempo do narrador, preocupado em satirizar certos aspectos culturais do período da Colônia e do Primeiro Império, no que diz respeito à História do Brasil. De fato, Chauvin (2005), em uma das passagens de sua interpretação, afirma que os personagens de O Alienista desempenham ocupações variadas e que fazem lembrar as atividades dos doze apóstolos, conforme está registrado na Bíblia. Trata-se de demonstrar que as profissões e habilidades dos habitantes de Itaguaí assumem o papel de servir aos interesses do “Deus Bacamarte”, quando este organiza e reorganiza as suas teorias absolutistas sobre a loucura, assim como as ocupações dos doze apóstolos estão subordinadas às necessidades do Senhor. Essa leitura do conto parece ter sentido lógico, uma vez que Machado de Assis era leitor da Bíblia, e daí a possibilidade dele ter parodiado certas experiências dos judeus, ao organizar a trama de O Alienista. Inclusive, o primeiro nome do médico é Simão, como um dos apóstolos de Cristo. Também Machado de Assis inclui o Corão, o livro sagrado dos árabes, lido por Bacamarte, para parodiar a tentativa dessa personagem de conciliar ciência e

religião, como solução para melhor ser aceito diante da autoridade de um outro personagem, o padre Lopes. Logo, ao invés de Bacamarte substituir o conhecimento religioso pelo científico, ele prefere incorporar o dogma do pensamento religioso aos seus interesses científicos, como fez Averroís, filósofo e médico árabe, ao conceder maior importância à medicina teórica como caminho necessário para se realizar uma prática com princípios verdadeiros.

Nessas condições, por trás dos estereótipos e das ocupações dos habitantes de Itaguaí está a voz do narrador, Machado de Assis, que critica o dogma da ciência e da religião e a tirania dos bons costumes. Entretanto, Chauvin (2005) não discute o que é ser um escritor mulato e autodidata para o próprio Machado de Assis, para certos intelectuais da corte, a partir do conhecimento científico que governava projetos de uma identidade nacional, concomitantemente estabelecendo direitos e deveres para os seus demais habitantes, mas sem perder de vista a dualidade de vida que disso resulta.

Assim, feitas às considerações acima, é possível resumi-las em cinco questões:

a) os trabalhos discutidos aqui atribuem maior importância ao médico Simão Bacamarte, deixando para segundo plano os demais personagens. Por isso, buscamos inverter as posições, a partir do método de esconder e revelar, organizado por Machado de Assis, sob a influência do conto de Poe, conforme sugere o estudo de Roncari (1999). Nessas condições, consideramos que as teorias científicas acerca de razão e da loucura de Bacamarte só assumem um significado histórico importante quando este interage com os habitantes de Itaguaí;

b) a maioria dos trabalhos interpreta a loucura das personagens, inclusive a de Bacamarte, como um sintoma patológico. No entanto, procuramos interpretar a loucura dos personagens do conto, O Alienista, como metáforas, governadas pelo imprinting cultural, e que se traduzem em certos costumes e valores de Londres e de Paris, apreciados sem limites pela corte, como marcos da civilização e do progresso, durante o Segundo Reinado, e que são investigados e ironizados por Machado de Assis;

c) não conhecemos ainda um trabalho que discuta o processo criativo de Machado de Assis, quando se trata de compreender O Alienista, a partir de sua relação com o contexto histórico do autor e deste, por sua vez, com os seus pares, sobretudo a partir da influência exercida pela influência do engajamento político e da literatura de Hugo;

d) nenhum dos trabalhos por nós identificados consegue esclarecer, com detalhes, a relação que há entre o Positivismo e o Darwinismo Social, a partir da própria linguagem literária de O Alienista, e como essas duas correntes teóricas ameaçam a inclusão social de Machado de Assis no contexto político de suas relações públicas, no Segundo Reinado.

e) e, por fim, os trabalhos aqui aludidos discutem o ceticismo de O Alienista apenas como um aspecto da narrativa de Machado de Assis. Logo, procuramos compreender o ceticismo como uma fundamentação da sua narrativa, quando investigamos o significado histórico desse conto.

CAPÍTULO II

O RIO DE JANEIRO DE MACHADO DE ASSIS: UM PALCO DE LUTA PELA