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Trabalho docente universitário e subjetividade de professores

2 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE NO ENSINO SUPERIOR

2.2 Trabalho docente universitário e subjetividade de professores

Convém reiterar a relevância da compreensão dessas transformações do processo produtivo contemporâneo em uma perspectiva dialética e suas articulações com a subjetividade de professores. A subjetividade é a singularidade humana. Refere-se a movimentos das dimensões objetivas e subjetivas do cotidiano de seu trabalho, individual e coletivo. Pesquisar a relação entre a subjetividade do professor e o exercício da profissão implica refletir sobre os níveis e as formas de sociabilidade que o capitalismo impõe e, ao mesmo tempo, produz e é dialeticamente por eles produzido.

Os processos produtivos flexíveis na organização do trabalho docente trouxe consequências para as relações trabalhistas. Destacam-se o crescimento do desemprego e de formas precárias ou flexíveis de emprego, a intensificação das horas de trabalho, a formação continuada e outras. Para vivenciar esse ambiente de trabalho nessa fase de reestruturação produtiva com problemas e desafios que permeiam a atividade profissional, o professor vai buscando assumir um novo perfil para obter condições melhores quanto a competências para o exercício profissional. Considera-se que a experiência do trabalho é um meio de se apropriar de si, de se transformar e de expandir a subjetividade.

O contexto de trabalho das IES privadas supõe atuar em um mercado amplamente competitivo e exigente por qualificação do trabalhador, com capacidade de adaptação e com multiplicidade de saberes para suprir demandas variadas de produção capitalista. Tal fato vem exigir não apenas competências técnicas especializadas para enfrentar questões fundamentais da universidade como instituição social, mas também uma prática social que implica as ideias de formação, reflexão e crítica que se aproximam de uma organização mercantilizada e produtiva. Nessa direção, Zabalza (2004, p. 37) reconhece que a profissionalização da docência universitária não pode estar dissociada do processo de formação e das condições objetivas de trabalho:

Esta avalanche de cobranças e exigências vindas de todas as frentes em direção à formação merece uma atenção cuidadosa para que seu significado original não acabe se diluindo em um conjunto de proposições vazias ou, pior ainda, alheias ao verdadeiro significado da formação, e é esse justamente o risco que corremos na universidade. As contribuições da pedagogia para a universidade, assim como em outros níveis de ensino, ganha características próprias, é campo em desenvolvimento que irá contribuir para gerar novas aprendizagens, para enfrentar a crise, para reconquistar a legitimidade e uma nova institucionalidade para a universidade. Através da apropriação dos estudos pedagógicos estes professores poderão respaldar esta sociedade e não caírem no risco de promoverem novas exclusões.

Essa dimensão do trabalho como atividade humana evoca a condição da complexidade do trabalho docente, que é carregado de significados construídos e reconfigurados ao longo da vida dos professores e em constantes inter-relações. A subjetividade torna-se crucial no processo de trabalho, pois cria condições internas para enfrentar as transformações nas condições do trabalho e em um ambiente árido e competitivo; impede o sentimento de desproteção e vulnerabilidade dos trabalhadores. Assim, o professor vive seu trabalho como um valor real.

Investigar a trajetória docente e a subjetividade do professor evidencia que cada profissional da docência constrói uma trajetória singular no desenvolvimento e na formação de seu perfil. O exercício do trabalho docente é um processo marcado por êxitos, dificuldades e sofrimentos; mas inclui o sentimento de paixão pelo que se faz de orgulho de pertença a uma categoria e classe social, sentimento de aceitação social da profissão no âmbito em que é realizada e nas dimensões psicossociais que são construídas. A organização do trabalho impõe um modo de fazer que retrata a um modo de pensar e agir guiado pela vontade da instituição. Um modo que capacite os professores a enfrentar desafios pessoais e profissionais.

Tem-se, assim, como meta o repensar na profissão docente para uma educação de qualidade e necessária aos tempos de hoje; assim como se tem uma íntima conexão com a subjetividade do professor. Com efeito, como sugere Gonzalez Rey (2002, p. 213) em sua concepção de subjetividade,

[...] uma das características singulares do homem é poder colocar-se fora do presente e projetar-se no futuro, ou então no passado. [...] Essa aptidão em olhar para frente e para trás faz parte da capacidade humana para ter consciência de si mesmo e relaciona-se com sua capacidade de atribuir significados às experiências que vive.

Pode-se dizer que é a subjetividade que permeia o modo do sujeito viver no mundo e no trabalho em geral, afetando, no caso do professor, sua atuação profissional. A relação entre educação universitária, mundo do trabalho e subjetividade pode estabelecer a função de ora desconstruir concepções e práticas que reorganizam as estruturas e geram sofrimento, pressão, vulnerabilidades, individualismo e competitividade, ora construir concepções inerentes a uma atuação profissional de transformar as relações sociais vigentes na sociedade e nos processos educativos a fim de obter mais qualidade e ambiente de trabalho com mais saúde psicossocial.

No entanto, a dificuldade encontrada pelo processo educacional é perceber que os professores são indivíduos com subjetividade pessoal e profissional em uma unidade dialética e complexa; de tal modo que exige um perfil de polivalência e multiqualificação combinado

com uma estrutura organizacional mais produtiva e tecnológica, que, ao menos no discurso, defende a qualidade de vida, a participação, a realização no trabalho e a autonomia. Na prática, porém, alude ao trabalho docente alienado, automatizado, que muitas vezes nega a subjetividade do professor e exige, do trabalhador, a adoção de maneiras de ser ditadas pela lógica empresarial de configuração do poder nos espaços de trabalho e na subordinação da força de trabalho.

Toda essa organização do trabalho exerce efeitos sobre o trabalhador. Efeitos que se expressam, em especial, na subjetividade. E uma compreensão da relação dialética entre organização do trabalho docente e subjetividade de professores universitários pode ser derivada dos relatos orais dos participantes da pesquisa subjacente a este estudo. As falas permitem uma análise das trajetórias profissionais focada no processo produtivo do trabalho e considerando a subjetividade como protagonista do processo de enfrentamento dos dilemas vividos no cotidiano da profissão. É o que veremos a seguir.

3 TRAJETÓRIAS, VIVÊNCIAS E SUBJETIVIDADE DE PROFESSORES