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É na divisão entre o capitalista e o produtor artesanal, que surge o embrião do processo de uma produção mais elaborada, uma produção em bases industriais. E é aí que essa produção é em definitivo subordinada ao capital e o capital transforma a massa do crescente trabalho assalariado em lucro. No aprimoramento do circuito de sua circulação, o capital vai cada vez mais sendo acumulado e necessitando, da mesma forma, cada vez mais de métodos novos e sofisticados para que esta acumulação continue a aumentar e ampliar.

O surgimento da fábrica é o ápice do processo de geração, acumulação e valorização do capital industrial, pois ela permite o florescimento de novas técnicas que aceleram ainda mais o processo de acumulação e permitem a afirmação do capitalismo como o novo arranjo societário predominante. Ou, em outras palavras:

“A subordinação da produção ao capital e o aparecimento dessa relação de classe entre capitalista e produtor devem, portanto, ser encarados como o divisor crucial entre o antigo modo de produção e o novo [capitalismo]...” (Dobb, 1963: 148).

Destaca-se que o comércio e a produção são um só no que tange a valorização do capital em si. Conforme fora dito na primeira seção, é na circulação comercial, ou mais especificamente na venda, que o capital-mercadoria transforma-se em capital-dinheiro.

Com também já fora mencionado, o comércio de mercadorias existia antes mesmo do surgimento do dinheiro. Portanto, o capital comercial não é uma forma subordinada do capital industrial. Muito ao contrário: é o capital comercial – no circuito de circulação – que transforma a produção em dinheiro. O que se pretende demonstrar na passagem do capital mercantil para o industrial é a maneira como o próprio capital mercantil evolui para um tipo de produção e comercialização mais sofisticadas e não uma subordinação simples do capital mercantil ao produtivo: “...nada pode ser mais absurdo do que considerar o capital comercial, seja na forma de capital de comércio de mercadorias, seja na forma de comércio de dinheiro, como uma espécie particular do capital industrial...” (Marx, 1867d:

243).

As fábricas e os novos métodos que elas utilizam começam cada vez mais a poupar mão-de-obra e a incrementar o contingente de trabalhadores desempregados. Na visão de Marx, este contingente funciona como um “exército de reserva de trabalhadores”, que tem a funcionalidade de puxar os salários para baixo e, assim, aumentar os excedentes para o capital industrial. Mas o desenvolvimento das novas técnicas, poupadoras de mão-de-obra, tem outras características que são marcantes para o processo de acumulação e reprodução ampliada de capital.

O Capital a juros

A primeira é que o desenvolvimento das novas técnicas implicou uma acumulação de capital prévio razoavelmente elevada, pois, conforme mais técnicas eram incorporadas ao processo produtivo, ou mais capital prévio tinha de ser acumulado ou o capitalista industrial tinha de tomar dinheiro emprestado na forma de capital a juros. Assim, o desenvolvimento das novas técnicas era feito por novos investimentos que ampliavam a produção e geravam mais acumulação, o que necessitava de volumosos aportes de capital-dinheiro, que na maioria das vezes o capitalista industrial não tinha. A acumulação ocorria nos ativos reais das fábricas – via novos equipamentos e instalações – mas, também, em ativos monetários, pois os novos equipamentos eram comprados com capital-dinheiro emprestado por prestamistas. Portanto, se inicia um processo de concentração de capital em forma de ativos financeiros que serve para aumentar a riqueza do capitalista, de um lado, e para permitir o investimento em ativos reais, de outro. Inicia-se o alastramento de uma

“poupança financeira”, que é expressa pelo capital a juros. Ou seja, a popança monetária, impulsiona a acumulação na forma de ativos reais ou, dito de outra forma: “...suporei como fez ele [Marx] que a poupança capitalista implica ‘ipso facto’ o aumento correspondente de capital real...” (Schumpeter, 1951, p.40). Salienta-se que, para Marx, a poupança é capital, mas agora é capital não somente mais em ativos físicos e reais; é sim, capital monetário.

Uma outra característica é o efeito contraditório que o progresso técnico gera no processo de acumulação. Dado que para Marx a acumulação é feita mediante o excedente gerado pela mais-valia, a introdução de novas técnicas poupadoras de mão-de-obra e tempo de trabalho aumenta o processo de acumulação, via aumento da valia – não da mais-valia gerada pela elevação da quantidade de trabalho vivo, mas sim, da mais-mais-valia de trabalho mecânico realizado pelas máquinas. Mas, de outro lado, o avanço do processo de acumulação necessitaria cada vez mais da utilização do exército de reserva de mão-de-obra, o que o levaria ao seu esgotamento. Isso implicaria na elevação dos salários e na diminuição da mais-valia. Tavares assim analisa a questão:

“Por um lado, o próprio processo de acumulação e reprodução ampliada do capital esgotaria a reserva de mão-de-obra e seria necessário introduzir progresso técnico ‘poupador de

mão-de-obra’ para restabelecer a superacumulação relativa e conter a subida dos salários.” (Tavares, 1974: 23).

Já por outro turno, “...subindo a produtividade da força de trabalho por cima de seu custo de reprodução, o progresso técnico gera mais-valia...” (Tavares, 1978: 23). O certo é que, mesmo sendo contraditório, o progresso técnico aumenta a acumulação de capital industrial, o que permite o desenvolvimento de uma poupança monetária que fará novos investimentos e gerará mais desenvolvimento tecnológico e acúmulo de capital.

O capital, agora capital industrial, amplifica ainda mais o circuito de sua circulação com a introdução do progresso técnico. Esse permite a produção e a comercialização em grande escala de bens de capital e bens de consumo, o que introduz um duplo departamento, sendo que, o primeiro tipo de bem produzido esta ligado ao consumo capitalista para o investimento e o segundo ao consumo assalariado para a subsistência. O circuito de circulação do capital, agora se torna mais amplo e geral, e ganha a seguinte forma:

“...uma parte do capital, que sempre muda de forma, que constantemente se reproduz, existe como capital-mercadoria que se converte em dinheiro; outra parte como capital-dinheiro que se converte em produtivo; uma terceira, como capital-produtivo que se torna capital-mercadoria. A existência contínua dessas três formas se acha condicionada precisamente pelo ciclo do capital total, passando por essas três fases...” (Marx, 1867, II: 93-4, apud Garlipp, 2001a: 26-7)

E continua:

“...a expressão ‘mais geral’ do circuito capitalista encontra-se, justamente, na unidade dessas três formas, pois que as mesmas integram o processo de circulação do capital, pondo a nu a natureza do modo de produção, no sentido de que acompanham a evolução do sistema capitalista em qualquer uma das suas fases ...” (Garlipp, 2001a: 26-7).