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2.2 TRABALHO COMO CATEGORIAL CENTRAL

2.2.1 Trabalho sem adoecimento: uma equação possível? Um olhar

Anteriormente, já discutimos que o trabalho é inerente à natureza humana. Contudo, vê-se necessário uma maior reflexão sobre o mesmo e sobre seus impactos na saúde dos trabalhadores. Ele não é algo contemporâneo, algo criado com a consolidação do capitalismo em nossas sociedades. Porém, a partir da consolidação deste modo de produção, o trabalho enquanto atividade ganhou um novo significado, já que o produto de nossas atividades laborais não pertence mais àqueles que desenvolvem estas atividades, ou seja, os trabalhadores. Foi no

capitalismo que sociedade experimentou outra condição, a de disputa e fragmentação entre classes.

Nossa época – a época da burguesia – caracteriza-se, contudo, por ter simplificado os antagonismos de classe. Toda a sociedade se divide, cada vez mais, em dois grandes campos inimigos, em duas grandes classes diretamente opostas: a burguesia e o proletariado. (MARX; ENGELS, 2008, pg.9).

O trabalho e em especial, a compra e venda da força de trabalho, se tornaram moedas importantes para a manutenção da sobrevivência tanto dos que a vendem, quanto dos que a compram, uma vez que são partir delas, que a exploração dos proprietários dos meios de produção se materializa. Os trabalhadores que só contam com esta venda para manter-se com poder de acessar e garantir os mínimos para sua vida, isto é, o consumo tão importante para o sistema capitalista, veem-se obrigados a submeter-se aos caprichos e desejos de seus empregadores. É no sistema capitalista que a luta de classes assume frente às relações humanas, separando os que possuem os modos de produção e os que o mantêm vivo. A humanidade adquire fragmentação em sua constituição de espécie.

A burguesia não pode existir sem revolucionar constantemente os instrumentos de produção, portanto as relações de produção, e, por conseguinte todas as relações sociais. [...] A transformação contínua da produção, o abalo incessante de todo o sistema social, a insegurança e o movimento permanente distinguem a época burguesa de todas as demais. (MARX; ENGELS, 2008, pg. 13).

O trabalho enquanto categoria central da vida humana, segundo o entendimento marxiano, depois de todas as transformações sofridas por este longo período de sistema capitalista e pelas novas exigências do mundo do trabalho (este também, em constante transformação), revelaram o “papel” ocupado pelos trabalhadores frente aos capitalistas e suas atividades laborativas, isto é, o proletariado assumiu o lugar de mercadoria. Esta atividade que deveria ser um espaço de criação, de sublimação dos seres humanos, perde estes sentidos, pois agora ela é substituída pela necessidade burguesa em manter-se consumindo para a garantia exclusiva de sua sobrevivência, ou seja:

Com o desenvolvimento da burguesia, isto é, do capital, desenvolve-se também o proletariado, a classe dos trabalhadores modernos, que só sobrevivem se encontram trabalho, e só encontram trabalho se este incrementa o capital. Esses trabalhadores, que são forçados a se vender diariamente, constituem uma mercadoria como qualquer outra, por isso

exposta a todas as vicissitudes da concorrência, a todas as turbulências do mercado. (MARX; ENGELS, 2008, pg. 19).

Compreendendo essa configuração que o trabalho assumiu em tempos de capitalismo, tanto para o modo de produção como também, para os trabalhadores, é possível perceber a concorrência que ele estabelece também atinge a classe proletária em seu âmago. Os trabalhadores enxergam-se como concorrentes, uma vez que para a manutenção e ampliação do capitalismo é imprescindível que exista uma massa sobrante. A classe acaba disputando entre si e assim, ocorre à exploração da força de trabalho em sua total amplitude. Os trabalhadores lutam pela sua sobrevivência individual (e dos seus), fragilizando sua identidade de classe:

A condição essencial e a dominação da classe burguesa é a concentração da riqueza nas mãos de particulares, a formação e a multiplicação do capital; a condições de existência do capital é o trabalho assalariado. Este se baseia na concorrência entre os trabalhadores. (MARX; ENGLS, 2008, pg. 29).

Esta luta solitária, individual, que fragmenta a classe trabalhadora em nome da sua sobrevivência, aliena, gera e leva ao adoecimento. “Assim, por meio de sua atividade, o trabalhador se apropria apenas do suficiente para recriar sua existência” (MARX e ENGELS, 2008, pg. 33), uma vez que, os frutos da atividade realizada pelo proletariado não a pertence, os ganhos não ficam com eles. A classe que vive da venda de sua força de trabalho necessita trabalhar mais e mais, de maneiras cada vez mais precárias, sejam referentes às de condições de trabalho, sejam de vínculos trabalhistas para “recriar sua existência” e o adoecimento a partir da exploração, torna-se o resultado obtido:

Será que o trabalho assalariado, o trabalho do proletário, cria propriedade para ele? De modo algum. Cria capital, quer dizer, propriedade que explora o trabalho assalariado e que só pode se multiplicar se criar mais trabalho assalariado que possa ser novamente explorado. A propriedade, em sua forma atual, move-se no antagonismo entre capital e trabalho. (MARX; ENGELS, 2008, pg. 32).

A relação estabelecida com o capitalista/empregador não é de nenhuma cumplicidade. A exploração exercida pelos proprietários do modo de produção é vista por vezes como um estímulo ao crescimento individual, ou seja, o chamado “subir na vida”, superar a concorrência, ser o melhor. O trabalhador se vê ao extremo de suas capacidades físicas, mentais e espirituais e com isso, adoece. Adoecer em nossa sociedade, ainda mais se este estiver relacionado ao trabalho,

pode estigmatizar o sujeito perante a sua comunidade. Este pode ser visto como fraco, preguiçoso, inútil, como alguém que não está preparado para lidar com as exigências do mundo moderno, o que confirma na reflexão a seguir:

O trabalhador, em relação ao patrão, não se encontra de modo nenhum na situação de vendedor livre... o capitalista é sempre livre para empregar o trabalho e o operário vê-se obrigado a vendê-lo. O valor do trabalho fica completamente destituído se não for vendido a todo instante. O trabalho não pode ser acumulado nem poupado, ao contrário das autênticas mercadorias. [XIV] O trabalho é vida e se a vida não for todos os dias permutada por alimento de pressa sofre danos e morre. (MARX, 1964, pg. 116).

Esta extrema exigência sobre o trabalho que adoece os trabalhadores é espraiada para a totalidade da vida da classe trabalhadora, pois, “o sistema econômico atual, reduz ao mesmo tempo o preço e a remuneração do trabalho, aperfeiçoa o trabalhador e degrada o homem” (MARX, 1964, pg. 116). O sujeito não se reconhece como trabalhador em seu período de adoecimento, pois a sociedade não o permite adoecer sem que isto o transforme em coitado e/ou malandro. Adoecer nesta sociedade não é algo digno. O trabalho e a saúde/doença já não pertencem aos trabalhadores:

Em primeiro lugar, o trabalho é exterior ao trabalhador, quer dizer, não pertence à sua natureza; portanto, ele não se afirma no trabalho, mas nega-se a si mesmo, não se sente bem, mais infeliz, não desenvolve livremente as energias físicas e mentais, mas esgota-se fisicamente e arruína o espirito. Por conseguinte, o trabalhador só se sente em si fora do trabalho, enquanto no trabalho se sente fora de si. Assim, o seu trabalho não é voluntario, mas imposto, é trabalho forçado. Não constitui a satisfação de uma necessidade, mas apenas um meio de satisfazer outras necessidades. (MARX, 1964, pg. 162).

Por vezes, afastar-se do trabalho por motivo de doença não é uma decisão fácil a ser tomada pelos sujeitos adoecidos, pois a instabilidade nas relações de trabalho, a fragilidade das leis trabalhistas e o acúmulo de mão-de-obra excedente não “permitem” ao trabalhador adoecido uma “segurança” de retorno após o período de afastamento. Com isso, trabalhar pode ser um sacrifício necessário, visto que é dele que na sociedade capitalista garantimos nossa subsistência, de maneira mínima e consumista. O trabalho como está constituído hoje, nos remete à nossa origem primitiva de sobrevivência.

Chega-se à conclusão de que o homem (o trabalhador) só sente livremente ativo nas suas funções animais – comer, beber e procriar,

quando muito na habitação, no adorno, etc. – enquanto nas funções humanas se vê reduzido a animal. O elemento animal torna-se humano e o humano animal. (MARX, 1964, 162).

Também há processos de adoecimento estabelecidos pelas relações entre os próprios trabalhadores que em um processo de alienação, seja do trabalho, seja de sua condição de classe ou outro, se “digladiam” em nome de normas e regras criadas pelos detentores dos meios de produção para vulnerabilizar as relações da classe e perpetuar seu lucro. O assédio moral é um importante exemplo para se analisar esta questão visto que, este, que já pode ser percebido em muitas instituições, sejam estas privadas ou públicas. Os sujeitos que dele vivenciam, afastam-se ainda mais do significado ontológico que o trabalho deveria ter em suas vidas – segundo a concepção marxiana –, devido ao sofrimento que adoece. O trabalho fica exterior a si, torna-se algo estranho para si. O trabalhador sente-se fragilizado, incapacitado frente a esta luta contra seus superiores, pois, como não é algo que adoece (a priori) o físico, não é fácil de identificar.

O seu caráter estranho ressalta claramente do fato de se fugir do trabalho como da peste, logo que não existe nenhuma compulsão física ou de qualquer outro tipo. O trabalho externo, o trabalho em que o homem se aliena, é um trabalho de sacrifício de si mesmo, de mortificação. Finalmente, a exterioridade do trabalho para o trabalhador transparece no fato de que não lhe pertence, de que no trabalho ele não pertence a si mesmo, mas a outro. [...] Pertence a outro e é a perda de si. (MARX, 1964, pg. 162).

E de que forma o Estado e as empresas (a partir de pressões realizadas por segmentos da classe trabalhadora mobilizada – seja em sindicatos ou em outras Instituições –) se organizaram para lidar com as questões dos trabalhadores que adoecem por motivos relacionados ao trabalho? Através da implementação de políticas e setores responsáveis por trabalhar com as demandas referentes à saúde do trabalhador. A seguir, será discutido de que maneira se configurou esta implementação.

2.3 SAÚDE DO TRABALHADOR: UMA CONDIÇÃO DE DIREITO OU UM