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Na sala de ensaio Luka e Atrizg aguardam a chegada de Zarrilli. A sala possui todas as paredes pretas, duas janelas laterais e o piso em assoalho de madeira encerada – uma autêntica sala preta de teatro. Enquanto esperam, eles conversam sentados no chão, centro

da sala.

Luka: É a primeira vez que ele vem ao Brasil. Temos que aproveitar ao máximo sua visita, afinal ele escolheu começar sua jornada em terras tupiniquins justamente pelo Norte do país, aqui em Belém do Pará onde praticamos o sistema de treinamento psicofísico que ele, ao lado de A.C. Scott sistematizou desde o final da década de 1970.

Atrizg: Será que ele curte uma “galinha caipira”?

LUKA: (torcendo o nariz) Eu preocupado com a troca de conhecimento que a visita dele vai proporcionar pro GITA e tu preocupada com a barriga!

Atrizg: Duvido que ele resista à galinha caipira da Dona Léia. Ah, aquele caldo cor de laranja, MA-RA-VI-LHO-SO que só a vovó sabe fazer... temperadinho com cheiro verde, chicória, cebola e favaca. A melhor receita de Fundo de Pote50 e quiçá do planeta.

Luka: Para com tua mania de grandeza e te concentra no que realmente interessa.

Atrizg: E desde quando comida é assunto que não interessa? Esqueceu que o treinamento se chama psico-FÍSICO? Logo, é preciso cuidar do FÍSICO. “Saco vazio não para em pé”, meu filho. E, pelo que sei, o norte-americano não é nenhum sadhu asceta que vive a jejuar e se alimentar de energia e luz.

Luka: Tá bom, só não exagera. É importante aproveitarmos pra tirar nossas dúvidas sobre direção, atuação e treinamento. Como ele pensa e trabalha essas instâncias nos processos criativos que desenvolve.

Atrizg: Então, tu cuidas do PSICO, e eu do FÍSICO. (risadas) Luka: (súbito) E OUTRA COISA...

Atrizg: (interrompendo num susto) O que é já?

Luka: Vê se controla o linguajar. Nada de palavrões. Por favor.

Atrizg: Relaxa. Depois da “jornada das pontes”51 aprendi a ter um pouco mais de paciência. O

treinamento tem me transformado, pra melhor eu acho.

Luka: Ok. Vamos tentar deixá-lo à vontade pra que a conversa role com naturalidade, descontração... mas sem perder a oportunidade de aprofundar nossos conhecimentos e tirar nossas dúvidas.

ATRIZG: Podíamos convidá-lo pra tomar açaí... LUKA: (interrompendo) Eles chegaram.

Surge na porta Phillip Zarrilli que vem acompanhado de C. Sã. Entre os interlocutores, somente C. Sã domina a língua inglesa e a portuguesa e, por isso, se responsabiliza pela intermediação dos diálogos traduzindo do inglês para o português e vice e versa. Pelo árduo

trabalho, ele quase não se posiciona nos debates. Com intermediação de C. Sã eles se cumprimentam afetuosamente. Conversam informalidades sobre o voo que trouxe Zarrilli

até o Brasil. Em seguida, Luka e Atrizg mostram a sala de ensaio onde treinam três vezes por semana. Após estas informalidades de apresentação, dirigem-se para o centro da sala e

sentam-se ao chão. Luka toma a palavra para iniciar oficialmente os diálogos. Luka: Gostaria de começar saudando sua visita ao Brasil. É um prazer recebê-lo em nossa sala de treinamento, localizada num pedacinho do Norte do país.

Zarrilli: Agradeço o carinho e a hospitalidade de vocês. [É um prazer compartilhar alguns pensamentos sobre a formação de atores envolvidos num processo psico-físico por meio dessa roda de conversa sobre o treinamento e as pesquisas que estão acontecendo no GITA e em ouros lugares do Brasil.].xli

Atrizg: Já conseguiu provar alguma coisa da culinária paraense? Nós temos uma variedade de pratos regionais – pato no tucupi, maniçoba, tacacá, caruru, vatapá, caldeirada de peixe, tapiocas... –, todos riquíssimos em calorias e que são capazes de dar força e energia pra aguentar qualquer treinamento físico e psicofísico. (risos)

Zarrilli: Você é bem engraçada. Espero ter oportunidade de provar algum desses pratos, sem dúvida. Mas até agora só me aventurei no sorvete de bacuri e achei uma delícia. Treinar atuantes realmente abre o apetite. (risos) E já que começamos a falar de treinamento, penso que esse pode ser o tema inicial da nossa conversa.

Luka: Que ótima ideia. Estamos ansiosos pra te ouvir.

Zarrilli: [Minha carreira como ator, diretor, professor e autor tem sido dedicada a um processo em constante evolução de reexaminar como praticamos e refletimos sobre a atuação

contemporânea no estúdio e no “palco”, no Oriente e no Ocidente. No início da minha carreira (1976), tive o privilégio de viajar para Kerala, na Índia, por 12 meses, nos quais fiquei imerso na formação de dança/drama kathakali em Kerala Kalamandalam, e depois na de kalarippayattu no CVN kalari em Thiruvanandapuram, Kerala. Mais tarde pude treinar tai chi ch uan, (estilo Wu) com A.C. Scott o praticante/estudioso visionário que foi um dos primeiros indivíduos a utilizar o tai chi na formação de atores, e fundador do Programa de Teatro Experimental Asiático (Asian- Experimental Theatre Program) na Universidade de Wisconsin-Madison, Estados Unidos. Mais adiante pude “imergir-me” no treinamento de yoga em Kerala.].xlii

Atrizg: Caramba. São quarenta e dois anos de carreira. Foi assim, então, que organizou o treinamento que praticamos hoje, aqui no grupo?

Zarrilli: Sim. E como pode perceber foi um processo longo desenvolvido a partir de muita prática. [Todas essas experiências foram capazes de mudar a minha vida e exigiram que reconsiderasse como eu pensava, ensinava e praticava a atuação e dirigia os atuantes.].xliii

Atrizg: É muito tempo trabalhando com a mesma coisa. Já pensou em fazer um filme da sua vida contando todas essas experiências?

Luka: Boa parte dessas experiências está em suas publicações, Atrizg. Infelizmente ainda não foram traduzidas para a língua portuguesa.

Zarrilli: É verdade. Por isso este diálogo que estamos começando é importantíssimo para que eu possa estender minhas ideias até o público brasileiro. Durante esta Semana GITA, vou tentar abordar reflexões que podem ser conferidas em dois livros: Psychophysical Acting: an intercultural approach after Stanislavski (2009) e no livro que assino como co-autor intitulado Acting: psychophysical phenomenon and process (2013).

C. Sã: Em português a tradução possível para os livros, respectivamente, seria: “Atuação psicofísica: uma abordagem intercultural pós Stanislavski”; e “Atuação como fenômeno e processo psicofísico”.

Atrizg: Caramba. Fiquei confusa só de ouvir o nome dos livros. Que sorte a gente tem de te receber aqui pra explicar isso ao vivo.

Zarrilli: Também me sinto honrado com a oportunidade. [Em minha carreira, tive a sorte de dirigir e/ou ensinar artistas contemporâneos de várias culturas, incluindo atores de toda a Ásia e em vários contextos institucionais e profissionais (...). Uma dessas pessoas que trabalhou

assiduamente comigo por muitos anos em Exeter foi Cesário, que trouxe meus processos de exploração para o trabalho dele como atuante e professor no Brasil.].xliv

C. Sã: Aproveito para reiterar as palavras do Luka a respeito da sua vinda ao Brasil, Phillip. Nós sabemos que você é um homem cheio de compromissos, mas que sempre retorna meus contatos por e-mail, com muito carinho e atenção. Eu aprendi muito quando fui seu aluno em Exeter e tento, humildemente fazer uma coisa que você sempre nos incentivou a fazer: repassar o conhecimento para as pessoas; não guardar o tesouro debaixo do colchão. O GITA é um pouco disso, o meu modo de deixar o conhecimento vivo com esses parceiros que encontrei aqui no Norte do Brasil.

Zarrilli: Então, como forma de reconhecer a contribuição que o Cesário tem dado às pesquisas com o treinamento psicofísico eu trouxe um singelo presente. Revirando meus arquivos pessoais encontrei esse registro e gostaria de presenteá-lo com esta fotografia.

Figura 5 – Comemoração de formatura de Cesário Augusto, em Exeter.

Fonte: Arquivo pessoal de Cesário Augusto .

Registro no Jardim da casa dos professores Dorinda Hulton e Peter Hulton;

Alguns que aparecem na imagem são: Phillip Zarrilli do lado direito de Cesário Augusto (o único de bigode e cavanhaque), Margaret Freeman (de turbante), Paul Allan (de blazer branco) e Ha-Young Hwang (de camiseta

vermelha, sorrindo).

C. Sã: Ah, que surpresa boa. Relembrar essa turma e esse momento que vivemos juntos. Foi muito especial pra minha formação acadêmica e pra minha vida.

Luka: É por isso que digo que é um privilégio termos Cesário aqui com a gente. Ele é o grande responsável por nosso aprendizado prático no treinamento psicofísico. Ele é o nosso mestre. Tudo o que conhecemos a seu respeito, Zarrilli, foi por meio do empenho e da fé que ele sempre

depositou no treinamento que aprendeu contigo. Se o GITA se mantém vivo por mais de uma década, treinando e produzindo teatro em nossa cidade, devemos isso ao Cesário.

C. Sã: O Luka é exagerado nos elogios. Agora vou pedir para me concentrar na minha função de tradutor, pra garantir o diálogo entre vocês.

Zarrilli: [É animador perceber que, no Brasil, há um grupo dedicado de artistas/praticantes que continuam a explorar os processos psicofísicos pré-performativos como uma base para a representação/performance e para o desenvolvimento de um ator “completo”. Como aqueles que trabalharam ou treinaram comigo sabem, meu próprio processo é sem fim. A atuação deve ser sempre uma “interrogação” para os atuantes, como os praticantes de artes marciais que precisam estar “ligados”... prontos para o que virá... sem nunca SABER o que virá, até que o momento da ação chegue e ela apareça no corpo-mente no instante de agir.].xlv

Atrizg: O Luka vive dizendo isso pra mim quando estamos no processo de criação das montagens. Adora dizer que não tem respostas para as questões que surgem no meio da criação, que sou eu quem deve usar a minha sensibilidade e intuição para definir o que pretendo dizer por meio do teatro, com minhas ações...

Luka: (aliviado) Que bom que agora já sabes que não se trata de mera retórica. (riso)

Zarrilli: O teatro, como eu acredito, é realmente fascinante exatamente por esse grau de imprevisibilidade diretamente ligado à capacidade do atuante de estar pronto para a ação, sempre. É nisso que as artes marciais e meditativas têm muito a contribuir com o teatro. Por isso gostaria de começar falando das tradições de origem das práticas que compõem o treinamento que desenvolvi ao lado de Scott.

Atrizg: Estais te referindo ao yoga, kalarippayattu e t’ai thi chi ch’ uan?

ZARRILLI: Exatamente. Acho importante contextualizar a origem delas, pois estamos falando de práticas interculturais, isto é, práticas que implicam uma percepção diferente da arte e do mundo. [Dentro de cada cultura asiática específica, os modos de prática corporificada – artes marciais, técnicas de meditação, práticas médicas tradicionais, como massagem e artes cênicas – foram criados no tecido da vida e do pensamento cotidiano e estavam, portanto, em constante interação uns com os outros. As artes marciais chinesas e indianas eram práticas de aldeia. As crianças aprendiam desde cedo. Os artistas marciais locais eram aqueles que também praticavam massagem, terapias físicas e (especialmente na China) fitoterapia. O intercâmbio entre as práticas corporificadas tradicionais também é testemunhado no fato de que muitas das artes performativas

asiáticas tradicionais mais conhecidas foram diretamente influenciadas por artes marciais nativas. As artes marciais chinesas têm informado os estilos de movimento e combate de palco distinto para a Ópera de Pequim. Kalarippayattu foi o precursor imediato da dança-drama kathakali de Kerala. As artes marciais japonesas influenciaram diretamente o noh e o kabuki.].xlvi

Atrizg: Isso significa que estamos em extrema desvantagem, pois começamos a treinar quando já somos adultos e com uma visão de mundo completamente diferente dos orientais.

Zarrilli: Ter consciência disso já é um passo importante, pois ajuda a lidar com as expectativas que se depositam nestas práticas quando realizadas num outro contexto cultural. Afinal, [um conjunto comum de princípios, suposições e paradigmas do corpo, da mente, de seu relacionamento e da emoção informam os diversos modos de prática corporificada, próprios de cada cultura. As práticas corporificadas não estavam separadas do desenvolvimento do pensamento filosófico; em vez disso, práticas como a yoga e a meditação budista contribuíram para o desenvolvimento de sistemas de pensamento religioso-filosóficos em constante mudança, à medida que viajavam do sul para o sudeste da Ásia, China, Coréia e Japão.].xlvii

Atrizg: Não conheço muito da religião e da filosofia oriental.

Luka: Religiões e filosofias, talvez seja o mais apropriado a dizer, Atrizg. Nossa tendência ocidental a classificar as coisas categoricamente, muitas vezes, confunde o nosso entendimento para o modo de perceber as práticas corporificadas que se estabeleceram nessas regiões do Oriente. Zarrilli: Eu diria que dada a diversidade de práticas, somente com bastante reserva podemos falar de “teatros orientais”, pois quando falamos do Kathakali, Noh, Kabuki, Bunraku, Ópera de Pequim, danças de Bali, enfim... estamos falando de práticas muito diferentes histórica e geograficamente. Generalizar, nesses casos, não ajuda em quase nada. Mas vamos começar falando das três práticas que organizei num treinamento sistemático para o atuante – yoga, kalarippayattu e t’ai chi ch’ uan. Isso já nos ajudará a entender: [as perspectivas asiáticas sobre o corpo, a mente, a emoção e o relacionamento entre eles e pode nos ajudar a conceituar melhor a abordagem psicofísica da atuação contemporânea].xlviii

Atrizg: Estou empolgada para ouvir e tentar fazer a relação com o que fazemos aqui. Luka e C. Sã sempre dizem que é necessário considerar o lugar de onde viemos, respeitar nossa origem. Então, vou ter o privilégio de te ouvir falar a origem do teu treinamento psicofísico.

Zarrilli: A primeira consideração geral a ser feita é perceber que [os exercícios psicofísicos começam com o corpo e se movem para dentro, em direção a reinos sutis da experiência e do

sentimento, e para fora, para encontrar o ambiente. Eles são uma forma de busca (empírica) bem

como (meta)física. Esta busca não é realizada por parte do nosso cérebro que executa o

pensamento proposicional e analítico, mas pelo corpo-mente juntos, como eles se tornam um, dentro e através da prática diária. Como os exercícios iniciais são estruturas repetitivas nas quais, como observa Grotowski, “todo elemento tem seu lugar lógico, tecnicamente necessário”52, elas

são um meio de “trabalhar consigo mesmo” no sentido psicofísico. A lógica de cada estrutura é revelada em/e através da prática guiada.].xlix

Atrizg: Isso me lembra “o trabalho do ator sobre si mesmo”, do Stanislavski.

Zarrilli: Exatamente. O mestre russo foi o primeiro a usar o termo “psicofísico” voltado ao trabalho do atuante e também se viu influenciado indiretamente – por meio de livros – com a prática do yoga indiano.

Atrizg: Eu lembro disso quando o Luka me levou para fazer a “jornada das pontes”.

LUKA: E eu lembro bem do quanto ficaste reclamando quase o tempo inteiro, sem conseguir escutar a si mesma nem a ninguém. Então, vê se agora escuta com atenção.

Atrizg solta seus costumeiros resmungos acompanhados de caretas involuntárias, mostrando-se contrariada e quase constrangida. Zarrilli observa curioso o desempenho histriônico da jovem e cai na gargalhada. O clima se descontrai com Luka explicando que a

Atrizg vive fazendo “caras e bocas” todas as vezes que se vê contrariada ou confrontada com seu jeito impaciente de ser. Em seguida Zarrilli retoma a palavra.

Zarrilli: [O termo específico "yoga" é derivado da raiz sânscrita, yuj, que significa “unir ou juntar ou apertar... ficar pronto, preparar, arrumar, encaixar...”53. Yoga engloba qualquer técnica

ascética, meditacional ou psicofisica que consegue uma ligação, unindo ou reunindo o corpo- mente. Uma grande variedade de vertentes do yoga se desenvolveram historicamente no Sul da Ásia, incluindo o karma yoga ou a lei da causalidade universal; maya yoga ou um processo de libertação da ilusão cósmica; nirvana yoga ou um processo de crescer além da ilusão para alcançar a re-paração com a realidade absoluta; e hatha yoga ou técnicas específicas de prática psicofisica. A hatha yoga clássica inclui repetição de exercícios de controle da respiração, formas/posturas (asanas), combinadas com restrições/limitações na dieta e no comportamento. Essas práticas são entendidas como ações que se estabelecem tanto no corpo físico (sthula sarira)

52 NB: (Grotowski, 1995: 130).

como no corpo sutil (suksma sarira), mais frequentemente identificado com o yoga Kundalini- Tântrico. Problematicamente, o uso popular e a compreensão do termo “yoga” no Ocidente, hoje geralmente associa suas práticas exclusivamente com uma ou mais das muitas formas de hatha yoga, muitas vezes praticado para o relaxamento em meio a nossa vida cosmopolita apressada e estressante.].l

Atrizg: Depois que comecei a praticar o hatha yoga aqui no treinamento do GITA, pude perceber o quanto realmente a minha vida é corrida e estressante. Mas sempre achei que os orientais não tivessem esse tipo de problema.

Zarrilli: Cuidado com as generalizações. Elas podem ser fruto de esteriótipos culturais. Atrizg: (sem graça) É verdade, desculpa.

Zarrilli: [No momento da composição dos Upanishads (cerca de 600-300 aC), métodos específicos para experienciar estados de consciência e controle não comuns do self estavam bem desenvolvidos. O uso mais antigo do termo específico "yoga" está no Katha Upanisad, onde o termo significa “o controle constante dos sentidos, que, juntamente com a cessação da atividade mental, leva ao estado supremo”54. Desse modo, desde os primeiros estágios de seu

desenvolvimento, o yoga deu-se como um caminho prático para a transformação da consciência (e, portanto, do self) e da libertação espiritual (moksa) através da renúncia pela retirada do mundo e dos ciclos de renascimento.].li

Atrizg: Ué!!! Se o yoga nos leva a controlar os sentidos, se presta a cessar a atividade mental e nos leva a renunciar o mundo, como é que esta prática pode ajudar atuantes de teatro, uma arte que é definida, desde os gregos, como a arte da ação?

Zarrilli: Boa pergunta, Atrizg. Se olharmos um pouquinho para o contexto histórico da Índia poderemos entender. Isto porquê [a filosofia do yoga e suas práticas também sempre foram informadas e/ou adaptadas diretamente por não-renunciantes, isto é, aqueles que mantêm os dois pés firmemente no mundo espaço-temporal. Tradicionalmente, isso incluía as castas marciais da Índia (ksatriyas) que serviam como governantes e/ou artistas marciais e guerreiros a serviço de governantes e uma grande variedade de artistas – atores, dançarinos, músicos, pintores e escultores. Governantes, artistas marciais e artistas plásticos e performáticos tiveram que viver e agir bastante, dentro e sobre o mundo e/ou sua ordem social. Governantes e ksatriyas eram obrigados a governar, manter a ordem cósmica espelhada no microcosmo dos reinos mundanos e

ser capazes de usar habilidades marciais bem-desenvolvidas para manter a ordem. Artistas e performers esperavam trazer prazer e alegria estética tanto para os diversos deuses do panteão hindu quanto para aqueles que estavam servindo e divertido.].lii

Luka: Sempre lembro também, Atrizg, que o que fazemos na sala de trabalho é um treinamento com hatha yoga voltado para a preparação do atuante. Quando comecei a treinar no GITA aprendi com o C. Sã que não somos yoguis. Hoje, depois de doze anos treinando, nem sequer me considero um professor de hatha yoga. Sou um professor de teatro que utiliza uma prática psicofísica asiática. Zarrilli: Muito bem colocado Luka. [Em contraste com o praticante de yoga clássico como renunciante que se retira da vida cotidiana, para os artistas performáticos e artistas marciais, as práticas do yoga não conduzem à renúncia e/ou ao desengajamento da vida cotidiana. Pelo contrário, como o praticante se envolve em práticas psicofísicas baseadas na yoga, o ego se mantém quieto e as emoções calmas. É melhor ser capaz de agir dentro do seu respectivo domínio sociocultural enquanto ainda se está no mundo. O artista marcial ou performático que pratica técnicas psicofísicas baseadas em yoga faz isso para transcender as limitações pessoais, para agir melhor no mundo e não para se retirar dele.].liii

Atrizg: É o que o Luka insiste bastante durante os processos criativos. Mesmo trabalhando com textos clássicos da dramaturgia universal ele me pede para estabelecer uma leitura crítica do texto, considerando o meu contexto sóciocultural.

Luka: E faço isso acreditando que a prática do hatha yoga é um excelente aliado para fazer o atuante se perceber no mundo. Entrando em contato consigo mesmo, se permitindo uma escuta sensível do seu estado psicofísico, acredito que o atuante já opera com os fatores imprescindíveis para a criação: reconhecer-se no mundo; reconhecer-se como agente de transformação de si