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1 INTRODUÇÃO

2.5 O CONHECIMENTO E OS ESTRANHAMENTOS

2.5.1 Tradução: concepções e definições

O termo ler remete a múltiplos sentidos. Da mesma forma, traduzir remete a diferentes concepções nas quais crenças também se encontram refletidas (ALVES, MAGALHÃES & PAGANO, 2000):

a) a tradução é uma arte reservada a uns poucos que podem exercê-la graças a um dom especial;

b) a tradução é uma atividade prática que requer apenas um conhecimento da língua e um bom dicionário;

c) o tradutor deve ser falante, bilíngüe ou ter morado num país onde se fala a língua estrangeira do par lingüístico com que trabalha;

d) só se pode traduzir da língua estrangeira para a língua materna, uma vez que só se domina esta última;

e) traduttore, traditori.

A primeira crença aparece quando se avalia uma tradução que se destaca pela sua qualidade, ou ainda quando se quer condenar uma tradução mal-sucedida. Deixa implícita a idéia de que se nasce tradutor, ou de que para ser tradutor há que se ter tal dom. Apesar de não corroborar tais afirmações, as pesquisas mostram que tradutores competentes e reconhecidos possuem uma carreira que envolve experiência e qualificação (Alves, Magalhães & Pagano 2000). A segunda crença sobre a tradução, uma das mais divulgadas, tem contribuído para o estatuto da tradução como atividade menor, de pouco prestígio e reconhecimento no mercado de trabalho e nas instituições que requerem tais serviços - universidades, agências governamentais e embaixadas.

De acordo com Alves, Magalhães & Pagano (2000), pesquisas confirmam histórias de casos e fatos envolvendo insucessos na tradução, uma vez que tal prática requer estratégias de diversas naturezas – algumas adquiridas por meio da experiência e outras aperfeiçoadas pela formação profissional. Isso corresponde ao que teóricos e pesquisadores chamam de “competência tradutória”, definida como todos aqueles conhecimentos, habilidades e estratégias que o tradutor bem sucedido possui e que conduzem a um exercício adequado da tarefa tradutória (CAMPBELL, 1998). Essa competência envolve habilidades chamadas “inferiores”, como conhecimento do léxico, da morfologia e da sintaxe das línguas envolvidas. Envolve também o domínio de “habilidades superiores” relativas a níveis maiores de complexidade – conhecimento de aspectos textuais, de coesão e de coerência, reconhecimento de macro-estrutura textual e de coligações lexicais, além do domínio de registros e de gêneros discursivos e da sua inserção no contexto no qual o texto traduzido será incorporado. As pesquisas também corroboram a terceira crença. No entanto, da mesma forma, mostram que o bilingüismo, ou vivência do tradutor está acompanhado de uma formação que permita o seu bom desempenho como tradutor. A quarta crença é bastante difundida entre os profissionais e aprendizes de tradução. Alves, Magalhães & Pagano (2000) ressaltam que o fato da pessoa ser falante nativa de uma língua não a habilita automaticamente a traduzir para essa língua, lembrando também, que a tradução requer uma formação e uma qualificação que assegure um bom desempenho. Observam, ainda os autores que existem os chamados aspectos psicológicos da atividade tradutória, ainda pouco explorados, mas cada vez mais presentes em depoimentos de tradutores. Referem-se à questão da empatia com uma determinada língua ou cultura e preferências com base em aspectos biográficos ou sociológicos da vida do tradutor.

A quinta crença, antiga, famosa e legitimada por todas as épocas e culturas, ainda domina conversas e comentários sobre a tradução. Também é responsável, segundo Alves et al (2000) pelo descrédito que a profissão recebe em alguns círculos, pois continua sendo confirmada por trabalhos improvisados ou realizados por pessoas não qualificadas. A problematização dessa crença tem recebido maior suporte com a consolidação da disciplina Estudos da Tradução a partir dos anos 80. As teorias

redefinindo a natureza e o objetivo da tradução contribuíram para o enfraquecimento da idéia de “traição” a qual pressupunha que se traduz num vácuo temporal e cultural; no qual, uma idéia formulada numa língua, pode ser automaticamente transposta para outra. O processo reproduziria como uma operação matemática de equivalências entre palavras, contudo com a mediação de um dicionário. Teorias desenvolvidas a partir dos anos 50, assim como novas teorias com base em pesquisas acadêmicas discentes, revelam a complexidade do processo tradutório que envolve aspectos da produção e recepção de textos. Alves et al (2000) enfatizam a necessidade de desmitificar as crenças citadas e demonstrar que é possível se traduzir, adequada e apropriadamete, de, e para uma língua estrangeira, a partir de uma formação especializada do tradutor, de seu exercício consciente da profissão e de sua contínua qualificação.

No sentido mais amplo, a tradução pode compreender diferentes tipos de processos. Traduz-se ao "vazarmos em palavras um conteúdo que em nosso pensamento existia apenas em estado de nebulosa" (Ronai, 1981), o que segundo o autor, consiste num fenômeno constante em todos os momentos conscientes da vida. Ao fazê-lo, pratica-se a tradução intralingual, que de acordo com o autor, apresenta as suas próprias dificuldades e insatisfação quanto ao resultado. Na concepção do autor, traduz-se também, quando se tenta descobrir as intenções verdadeiras de nosso interlocutor, o qual, em obediência a convenções sociais, utiliza fórmulas para expressar o seu pensamento. Para tanto, vale-se da sua experiência de vida, da experiência acumulada no dia-a-dia e pratica a tradução intralíngüística. Essa tradução ocorre quando se recebe como resposta a uma pretensão ou solicitação, numa repartição qualquer, a frase “tão brasileira” "Está difícil", a qual se interpreta como uma negação (RONAI, 1981). Pode-se ainda procurar interpretar o significado de uma expressão fisionômica, um gesto, um ato simbólico, ainda que desacompanhado de palavras. Em conseqüência disso, a pessoa pode se ofender ao estender a mão a outra pessoa, e esta não apertar a mão estendida, mas pode se sentir bem – vinda ao lhe oferecerem uma cadeira ou um cafezinho. Neste caso, realiza-se a tradução

por seus equivalentes na língua B. Essa é a concepção que a maioria das pessoas faz do que seja "tradução" (RONAI, 1981).

Tais considerações a respeito de algumas formas de tradução visam acenar para algumas peculiaridades de um campo complexo e vasto demais para ser examinado em sua totalidade no escopo deste trabalho. De acordo com o senso comum, a tradução consiste na reformulação de uma mensagem num idioma diferente daquele em que foi concebida, ou seja, a tradução interlingual, que tem como variantes, entre outras, a tradução literária, científica, técnica, comercial, cinematográfica. No entanto, de acordo com Ronai (1981), pensar em tradução como atividade puramente mecânica, ou seja; que um indivíduo conhecedor de duas línguas vá substituindo, uma a uma, as palavras de uma língua para os seus equivalentes na outra, é um equívoco. A simples menção à equivalência já implica em operação mental, uma vez que pressupõe operações de busca, seleção e inferência.

A maioria dos dicionários se limita a definir “tradução” como o ato de "passar para outra língua" - do lat. traductione, ato de conduzir além, de transferir' , ato ou efeito de traduzir, processo de converter uma linguagem em outra. Existem definições mais abrangentes, mas que ainda assim não dão conta da complexidade e especificidades do processo – (a) o resultado de uma translação, especialmente uma versão traduzida de um trabalho literário; (b) na retórica, como a transferência de significado de uma palavra ou frase; metáfora e ainda como sinônimo de interpretação, descrição explanação, transferência. Da mesma forma, definem “traduzir” como o ato de mudar de um lugar, posição, ou condição para outra; transferir; mudar de uma língua para outra; mudar de um meio ou forma para outro; dizer com palavras diferentes; interpretar (Webster's New Twentieth Century Dictionary of the English

Language). A etimologia explicita mais diretamente a ação do sujeito no processo. Em

latim, traducere consiste em levar alguém pela mão para o outro lado, para outro lugar. O sujeito dessa ação é o tradutor, e o objeto direto, o autor do texto original (língua A) a quem o tradutor introduz num ambiente novo (língua B) (RONAI, 1981). Mas como será entendida essa imagem, uma vez que é ao leitor que o tradutor leva pela mão para outro meio língüístico? De qualquer modo, a tradução deve corresponder a diversas exigências decorrentes de aspectos lingüísticos e culturais, entre outros.

Portanto, a tarefa do tradutor é tentar cuidadosamente manter a essência e garantir a inteligibilidade das idéias que constituem a mensagem no novo contexto (a do país de origem dos leitores).

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