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18 Traduções de “The Raven” em domínio público

18.6 Tradução: Manoel de Soiza e Azevedo (1913)

(Primeira versão)

Numa noite de insônia, enfraquecido e cansado, eu buscava aprofundar

de um velho e estranho livro o vão sentido, quase a fronte de sono a se inclinar.

Eis que súbito escuto um som de leve, como se alguém batesse, breve, breve, bem de vagar à porta de meu quarto.

“É alguém que bate à porta de meu quarto. Talvez um visitante, nada mais.

Sim, nada mais”.

Era uma noite fria da Dezembro; da lareira, entre as cinzas, o clarão mortiço e tênue (vívido me lembro) refletia-se a espaços pelo chão. Com que ardor ansiava pelo dia! Embalde um lenitivo na leitura

buscava achar. Em vão, vem vão pedia conforto à dor de haver perdido a pura e radiosa mulher, minha Leonora, que os anjos ainda chamam de Lenora, que na terra esse nome, entre os mortais, Não terá mais.

Se o reposteiro às vezes balouçava num roçagar de púrpura macia, que fantástico horror me dominava, e que vaga tristeza me invadia! Falei, para abafar do coração a precípite e doida pulsação:

“É alguém pedindo entrada à minha porta; alguém se atrasou batendo à porta.

Eis o que e com certeza. Nada mais; Sim, nada mais”.

Isto minh’alma um pouco reconforta e disse logo sem mais hesitar:

“ uem quer que é que bata à minha porta, senhor… senhora… queira desculpar, pois eu estava quase adormecido e pareceu-me até não ter ouvido bater, roçar de leve encontro à porta” Assim dizendo, fui abrir a porta: Trevas havia, trevas, nada mais; Só, nada mais.

No recesso das trevas mergulhando o olhar, cheio de assombro, apavorado, entre a dúvida e o horror, hirto, sonhando fiquei sonho de alguém jamais sonhado Muda e imóvel a noite, escura e morta; e nenhum som a imensa treva corta. Murmuro a medo o nome de Lenora,

num sussurro responde o eco — Lenora.

Apenas, nada mais. Só, nada mais.

Voltando ao quarto, a alma perturbada, ouço bater mais forte outra pancada. “Alguma cousa, murmurei, que oscila pelo lado de fora da janela,

a veneziana solta da tramela…

Para aquietar de todo a alma intranquila, eu preciso sondar este mistério.

Calma! Vamos sondar este mistério. Do vento é o sopro apenas, nada mais; sim, nada mais”.

Abro a janela. Negrejante vulto

num surto entra no quarto de repente; de asas batendo o ar ouço um tumulto; era um corvo decrépito, imponente. Como um senhor ou dama sobranceira sobre um busto de Palas se empoleira, bem em cima da porta de meu quarto; pousa num busto à porta de meu quarto; Toma lugar, se acalma. Nada mais, só, nada mais.

a imaginação sombria me incitava; rio do ar severo de decoro;

rio do grave aprumo que tomava.

E disse: — “Embora a poupa depenada

tenhas, não és de certo algum poltrão. Ave rude e espectral, como és chamada, qual teu nome no reino de Plutão? Peregrino que vens da eterna noite, Teu nome na região da eterna noite?”

Grasna o corvo fantástico: — Jamais!

Eu pasmei que a ave estúpida tivesse tão bem minha palavra compreendido, posto a sua resposta não dissesse cousa alguma de acerto e com sentido. Mas deve-se convir que a ninguém dado fora um pássaro ver empoleirado

num busto, de seu quarto sobre a porta. Nem consta que existisse, entre animais,

esse nome — Jamais.

Mudo e firme, quedou-se sobre o busto, nada mais disse o corvo solitário,

nem se moveu, como se houvesse a custo dito tudo do seu vocabulário.

Até que eu murmurei: — “Como passavam

outros amigos que me abandonaram, como esperanças que se vão voando, assim este amanhã irá voando”.

Responde o corvo lúgubre: — Jamais!

Jamais, jamais!

Esta pronta resposta admirou-me, vendo tão a propósito e discreta “Talvez, eu refleti, com este nome todo o seu repertório se completa. Aprendeu-o de um dono desgraçado, a quem sem tréguas perseguiu o fado cujo canto só tinha este estribilho, salmeando da esperança os funerais: Jamais, jamais!”

um pensamento misterioso e torvo, rolei uma poltrona bem em face

ao busto, em frente à porta, em frente ao corvo. E recostei-me, pensativo e mudo,

na macia almofada de veludo. Visões, sonhos revi na fantasia,

pensando o que é que o corvo quereria, rude e espectral fantasma do passado, o que o corvo agourento do passado

quereria dizer com seu — Jamais!

Jamais, jamais!

Em vagas conjeturas me perdendo, sentado e mudo, o negro corvo olhava; e o olhar do corvo, em fogo aceso, ardendo, o coração no peito me queimava.

Nisto eu pensava, a gosto descansando, nos coxins de veludo repousando,

no veludo violeta em que batia, em que o clarão da lâmpada batia, em que Ela não repousará jamais, ai! nunca mais.

Pareceu-me sentir o ar mais denso e dos anjos ouvir roçar o passo, como se vissem derramando incenso de invisível turíbulo no espaço.

“O esquecimento, eu disse, ó desgraçado, Deus enfim pelos anjos te há mandado. Acalma esta saudade de Lenora.

Esquece, esquece a perda de Lenora!

O corvo crocitando diz: — Jamais!

Jamais, jamais!

“Profeta, ente de agouro, ave ou demônio, se pelo Tentador foste mandado,

ou se trouxe-te a asa do aquitônio a este país deserto e enfeitiçado,

a esta casa onde o horror mora e se esconde, sem rebuço me diz, anda, responde:

Haverá, haverá o esquecimento, o bálsamo haverá do esquecimento?”

Jamais, jamais!

“Profeta, mensageiro da desgraça, ave ou demônio da superstição, diz, pelo céu, pela divina graça, diz à minh’alma prenhe de aflição,

responde, diz: — No paraíso, ainda,

poderei estreitar a santa e linda, radiosa mulher que foi Leonora,

que os anjos ainda chamam de Leonora?”

O corvo rouquejando diz: — Jamais!

Jamais, jamais!

Vai-te, gritei, ave ou demônio! Uivando, leve-te o vento à noite de Plutão;

e que tuas mentiras atestando não fique uma só pena pelo chão. Vai-te, demônio; vai-te num momento. Deixa inviolado o meu isolamento, Tira o bico que o peito me trespassa, que o coração no peito me espicaça. Deixa esse busto sobre a minha porta; foge, fantasma; foge dessa porta.”

Diz o corvo terrífico: — Jamais!

Jamais, jamais!

O corvo não se move, não se importa, fica no busto pálido fixado;

imóvel fica sobre a minha porta,

com o olhar de um demônio condenado. No chão, a luz da lâmpada que ondeia do negro corvo a sombra delineia. E minh’alma, da sombra que flutua, eu sinto que, da sombra que flutua, Não fugirá, não fugirá jamais. Jamais, jamais!

in Almanaque Literário e Estatístico do Rio Grande do Sul. Ano 26, página 230, 1914.

O CORVO (Tradução palavra por palavra)

Uma vez, à hora triste da meia noite, eu meditava,

enfraquecido e cansado, sobre alguns estranhos e curiosos volumes de uma doutrina esquecida. Enquanto cochilava, quase dormitando, súbito ouvi uma pancada, como de alguém batendo, batendo de leve à porta de meu quarto.”É algum visitante, murmurei, que bate à porta de meu quarto; é isto apenas e nada mais.”

Lembro-me perfeitamente: era no frio Dezembro e cada tição moribundo espalhava um reflexo pelo chão. Eu esperava ansioso pela manhã. Em vão tinha buscado encontrar em meus livros alívio à dor, à dor de ter perdido Lenora, a rara e radiante donzela que os anjos chamam Lenora, mas que na terra não terá nome nunca mais.

O roçar sedoso, lúgubre e incerto das cortinas de púrpura me penetrava, me enchia de fantásticos terrores nunca dantes sentidos; de sorte que, para moderar as pulsações do coração,

levantei-me, repetindo: “É algum visitante que solicita

entrada à porta de meu quarto; algum visitante retardado que solicita entrada à porta de meu quarto. É isto e nada mais.” Então minha alma sentiu-se mais forte, e sem mais hesitar eu disse: Senhor ou senhora, com sinceridade peço desculpa; mas em verdade estava cochilando, e a pancada foi tão de leve e tão tímido viestes bater, bater à porta de meu quarto, que eu não tinha a certeza de vos ter ouvido. Escancarei então a porta. Havia a treva e nada mais.

Olhando bem fundo na treva, fiquei muito tempo tomado de espanto, de terror e de dúvida; sonhando sonhos que nenhum mortal ainda ousara sonhar. Mas nada quebrou o silencio e nada perturbou o sossego, e a única palavra que se ouviu foi

um nome murmurado — Lenora! — que eu murmurei, e num

murmúrio o eco repetiu — Leonora! Apenas isto e nada mais.

Voltando ao quarto com a alma no íntimo abrasada, ouvi de novo uma pancada mais forte que a primeira. “De certo, disse, de certo e alguma cousa nas venezianas da janela.

Vamos ver o que é, vamos explorar este mistério; deixemos o meu coração acalmar-se um momento e vamos explorar este mistério. É o vento e nada mais.”

Abri então a janela e eis que, rápido e em tumulto, entrou um imponente corvo dos santos dias do passado. Não me fez a menor cortesia, nem se deteve ou hesitou um momento; porém com ademanes de um senhor ou de uma dama, empoleirou-se acima da porta de meu quarto, empoleirou-se num busto de Palas, bem em cima da porta de meu quarto. Empoleirou-se, pousou e nada mais.

Incitando o pássaro de ébano a minha sombria imaginação a sorrir, pelo grave e severo decoro do aprumo que tomava, eu disse: “Posto que o teu topete esteja cortado e aparado, não és de certo nenhum poltrão. Espectral, horrendo e velho corvo que vens das praias da Noite, diz-me qual e teu nome

senhorial nas praias da oite de Plutão!” E o corvo disse: — Jamais.

Pasmei e muito que essa ave desajeitada entendesse tão bem a palavra, ainda que a sua resposta não tivesse grande

significação, nem grande propriedade; pois não se pode deixar de convir que nenhum homem vivo tivera até então a dita de ver uma ave acima da porta de seu quarto, uma ave ou outro animal sobre um busto esculpido acima da porta de seu

quarto, e com semelhante nome — Jamais.

Porém o corvo, pousando solitário no busto, apenas proferiu essa única palavra, como se tivesse exalado a alma nessa única palavra. Nada mais pronunciou, nem moveu uma só

pena, até que eu murmurei baixinho: — Outros amigos já me

fugiram; este, pela manhã, me há de deixar, como as esperanças que já me fugiram.” O pássaro disse então: — Jamais.

Sobressaltado a esta resposta, que quebrava o silêncio tão a propósito: “Sem dúvida, disse, o que ele proferiu constitui toda a sua ciência e todo o seu repertório, aprendido de algum dono desgraçado, a quem o fado sem piedade

perseguiu e perseguiu cada vez mais, a ponto que seus cantos só tiveram um estribilho, até que os salmos funerais de sua

jamais.

Como o corvo ainda incitasse a minha alma sombria a sorrir, rolei uma poltrona estofada bem em frente ao pássaro, ao busto e à porta. E recostado nos coxins de veludo, comecei a encadear fantasia com fantasia, pensando o que o agourento pássaro de outrora, o que o horrendo, desajeitado, espectral, magro e agourento pássaro de outrora quereria dizer,

crocitando — Jamais.

Com isto eu procurava atinar, sentado, mas sem dirigir uma sílaba ao pássaro, cujo olhar de fogo me queimava o íntimo do peito. Isto e outras cousas mais eu conjeturava, sentado, com a cabeça reclinada tranquilamente no veludo dos coxins, em que a luz da lâmpada roçava, porém em cujo veludo violeta, em que a luz da lâmpada roçava, Ela não repousará jamais.

Pareceu-me então que o ar se tornava mais denso, perfumado por invisível turíbulo, balançado por serafins cujos passos ressoavam no chão atapetado. “Desgraçado, exclamei, Deus to concedeu, mandou-te por estes anjos o repouso, o repouso e o esquecimento das saudades de Lenora! Bebe, oh! bebe esse doce esquecimento e esquece a perdida Lenora!” O corvo

disse: — Jamais.

“Profeta, eu disse, ente de desgraça! — profeta sem embargo, pássaro ou demônio! Quer o Tentador te mandasse, quer a tempestade te arremessasse a estas plagas, desolado, porém ainda indômito, a este sítio deserto e encantado, a esta casa assombrada pelo Horror, diz-me a verdade, suplico-te: Existe, existe acaso o bálsamo de Galaad? Diz-me, diz-me, suplico- te”: O corvo respondeu: — Jamais.

“Profeta, eu disse, ente de desgraça! — profeta sem embargo, pássaro ou demônio! Pelo céo que se encurva acima de nós, pelo Deus que adoramos ambos, diz a esta alma carregada de mágoas, se, no longínquo Paraíso, eu poderei abraçar a santa donzela que os anjos chamam Lenora, abraçar a rara e

radiante donzela que os anjos chamam Lenora.” Respondeu o

corvo: — Jamais.

demônio! exclamei, dando um salto; volta à tempestade e às praias da Noite de Plutão! Não deixes uma só pena negra como testemunho da mentira que tua alma proferiu! Deixa a minha solidão inviolada! Deixa esse busto acima de minha porta! Retira o teu bico do meu coração e retira a tua figura da minha porta!” O corvo disse: — Jamais.

O corvo, sem se mover, ficou pousado, ficou pousado no

pálido busto de Palas, bem em cima da porta de meu quarto; e o seu olhar parecia o de um demônio pensativo. A luz da

lampada, que flutuava sobre ele, projetava-lhe a sombra no chão; e minha alma dessa sombra que flutuava no chão, não poderá fugir jamais.

O CORVO Traduções: Manoel de Soiza e Azevedo - 1913

(Tentativa de interpretação com os efeitos de rima do original)

Meia noite silente. Eu, cansado e doente,

de estranho livro em vão prescrutava o sentido, de um profundo saber, hoje morto e esquecido. E quase a dormitar, súbito ouço tocar,

de leve algum tocar, roçar à minha porta.

“É alguém, disse, que vem bater à minha porta. É isto e nada mais; sim, nada mais.”

Bem vívido me lembro, era um frio Dezembro; cada mortiça brasa a espaços, pelo chão, na lareira espalhava um trêmulo clarão.

Como a manhã tardava! Eu nos livros buscava, a perda em vão buscava esquecer de Lenora, a radiosa mulher, que é entre os anjos Lenora, e nome não tem mais entre os mortais.

Se a cortina oscilava e lento balouçava, ao lento roçagar da púrpura macia

que fantástico horror me gelava e invadia! Para do coração calmar a pulsação:

“É alguém, eu disse então, que bate à minha porta, alguém que se atrasou que bate à minha porta. Eis o que é, nada mais, sim, nada mais.”

Assim fico tranquilo e nada mais vacilo.

“ uem quer que bate, eu disse, ou senhor ou senhora, desculpa espero ter por tamanha demora.

Estava dormitando e o baque foi tão brando, tão de leve roçando encontro à minha porta, que mal o distingui.” E fui abrir a porta. Só trevas, nada mais. Só, nada mais.

Nas trevas mergulhando o olhar, fiquei pasmando, entre a dúvida e o horror, de assombro apavorado, sonhando o que jamais ninguém tinha sonhado. Ver embalde procuro. É mudo o espaço escuro.

e o eco repete além, num sussurro — Lenora. Apenas, nada mais; só, nada mais.

Ao meu quarto regresso, o coração opresso, o espírito turbado ao contato da morte. Ouço bater de novo e desta vez mais forte. “Da janela, de certo, é o postigo entreaberto; vamos a ver se acerto a causa do mistério. Calma! Vamos sondar a causa do mistério, É o vento, nada mais; sim, nada mais.”

Abro a janela. E um vulto entra e voa em tumulto; era um corvo imponente e dos tempos de outrora. Nem um minuto em cortesias se demora;

de dama sobranceira imitando a maneira,

num busto se empoleira, a porta de meu quarto; de Palas sobre um busto, à porta de meu quarto, descansa. Nada mais; só, nada mais.

E minh’alma sombria ao riso desafia o corvo, e eu fico a rir do severo decoro,

do aprumo que tomava a ave negra de agouro.

E perguntei-lhe então: “Tu que não és poltrão,

na noite de Plutão, de onde vens, qual teu nome,

corvo velho, espectral e horrendo, qual teu nome?”

Responde ele: — Jamais. — Jamais, jamais.

Pasmei de ouvir falar o corvo secular, fosse embora a resposta escassa de sentido. Mas deve-se convir, não fora permitido

ver, a nenhum mortal, um corvo ou outro animal em cima do portal de seu quarto pousado,

sobre a porta do quarto em um busto pousado,

e chamado — Jamais — de mais a mais.

Nada mais disse o corvo, intratável e torvo, como se nesse esforço a alma exalasse a custo; pousado se quedou sobre o plácido busto, silencioso, bravio, imóvel e sombrio,

até que eu balbucio: — Amigos meus fugiram;

de manhã fugirás, como os outros fugiram.

Da resposta pasmei, tão discreta a julguei.

E pensei: — Com certeza este nome irrisório

da sua sapiência é todo o repertório.

Aprendeu-o talvez de um dono a quem mercês a sorte nunca fez, que tinha esse estribilho, cujo canto de dor só tinha esse estribilho

de salmos funerais: — Jamais, jamais.

Se o corvo regougava, o riso me incitava.

Em frente à porta, em frente ao corvo, em frente ao busto, rolei uma poltrona, e no encosto venusto

deitei, sobre o espaldar, a cabeça, a cismar, a pensar, a cismar o que o corvo agourento quereria, espectral, magro, feio, agourento,

dizer com seu — Jamais — jamais, jamais.

Disto eu buscava em vão compreender a razão, mudo, dele fitando o olhar, que me rasgava o peito, e o coração no peito me queimava. E fiquei meditando, a cabeça inclinando

no encosto, fofo e brando, em que Ela adormecia, roxo veludo em que Ela, Ela outrora dormia,

mas não dormira mais, — jamais, jamais.

E julguei, no ar mais denso, um perfume de incenso sentir, que serafins queimavam nos espaços,

e ouvir-lhes no tapete abafados os passos.

Eu disse: — Desgraçado, a quem Deus há mandado

anjos que o teu passado apagassem — esquece

a perda de Lenora, a sua perda esquece.

E o corvo diz: — Jamais. — Jamais, jamais.

“Tu, profeta agourento, ave ou demônio odiento, ou te mandasse o inferno, ou jogasse a lufada do vento a este deserto, a esta casa assombrada; diz-me: De Galaad o bálsamo e verdade

que existe; e se é verdade, anda, diz-me, responde,

que traz o esquecimento? Anda, diz-me, responde.”

Grasna o corvo: — Jamais! — jamais, jamais.

“Tu, profeta agourento, ave ou demônio odiento pelo céu, pelo Deus que adoramos, responde; a minh’alma, que a dor acabrunha, responde

se, no empíreo distante, eu terei um instante nos braços a radiante, a divina Lenora,

que, entre os anjos, ainda é chamada Lenora.”

Diz o corvo: — Jamais! — jamais, jamais.

“Vai-te, corvo execrando, ave ou demônio. Uivando, leve-te o vento e noite eterna de Plutão;

e que não fique só uma pena no chão que ateste esta mentira; e teu bico retira, do meu peito retira; oh! foge dessa porta, deixa, deixa esse busto, e foge dessa porta!”

Diz o corvo: — Jamais! — Jamais, jamais.

O corvo imóvel, quedo, impassível e quedo, no mármore do busto apoia-se nefando,

tendo o aspecto, no olhar, de um demônio sonhando. Da lâmpada o clarão lhe recorta no chão

a sombra; e eu tento em vão da sombra que flutua fugir; não poderei da sombra que flutua

fugir jamais, jamais! — Jamais, jamais!

in Almanaque Literário e Estatístico do Rio Grande do Sul. Ano 26, páginas 164-169, 1915.

O CORVO