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3. Metodologia de tradução e de revisão

3.1 Tradução

A tradução não é um processo fácil nem linear. Em termos de estudo, a tradução só começou a ser objeto de investigação tardiamente. Embora seja interessante escrever sobre a história da tradução, o conceito de tradução que efetivamente importa neste projeto é o da tradução de textos de especialidade, de acordo com a abordagem funcionalista da tradução. Essencialmente, segundo essa abordagem, a tradução é considerada como um ato de comunicação entre indivíduos de diferentes línguas e culturas.

O estudo dos processos tradutivos no âmbito desses géneros textuais começou a desenvolver-se nos anos 1970. Embora a teoria funcionalista de tradução seja atribuída a Hans. J. Vermeer, esta abordagem não foi inventada no século XX. Por exemplo, na obra de Christiane Nord e de acordo com esta, ao longo da história podemos encontrar tradutores que se debateram com o seguinte dilema: traduzir literalmente ou traduzir livremente. Situações diferentes requererem traduções diferentes. (cf Nord, 1997: 4). No entanto, apesar de já existir uma ideia de adaptação ao público-alvo, característica do modelo funcionalista de tradução, até à década de 70 dava-se uma maior importância à compreensão e interpretação do texto sem qualquer referência a estratégias de solução das dificuldades do tradutor.

Vermeer sentia a necessidade de se afastar das teorias linguísticas de tradução que prevaleciam nessa altura e, acima de tudo, preencher o vazio que existia (na altura) entre a teoria e a prática. Na sua obra “Framework for a General Translation Theory”, Vermeer assume a sua posição sobre o assunto:

Linguistics alone won’t help us. First, because translating is not merely and not even primarily a linguistic process. Secondly, because linguistics has not yet formulated the right questions to tackle our problems. So let’s look somewhere else. (apud Nord, 1997: 10)

Vermeer considera a tradução como uma transferência de signos comunicativos verbais e não-verbais de uma língua para outra. Este defende que o ato de traduzir é uma ação humana, dotada de intenções e propósitos, que tem lugar numa situação específica, e que se insere num determinado sistema cultural. Ou seja, a tradução não pode ser considerada como uma transferência palavra por palavra entre línguas. Tendo em conta uma teoria de comunicação humana, a tradução não se pode basear apenas na linguística, independentemente da complexidade que isso possa aportar. A tradução é um ato de comunicação, baseado num TP, com um determinado objetivo e propósito. O papel do tradutor é transferir a informação do TP, tendo em conta o objetivo da comunicação, o público-alvo e a cultura de chegada. Resumindo, para Vermeer, cada tradução é direcionada para um público-alvo específico, tendo em conta que traduzir significa “to produce a text in a target setting for a target purpose and a target addressees in target circumstances” (apud Nord, 1997: 11s.).

Christiane Nord baseia as suas obras nas teorias de Reiss e Vermeer, numa tentativa de sistematização das características do funcionalismo e na aplicação das mesmas na formação de tradutores. A abordagem de Christiane Nord, relativamente à análise do TP, complementa uma das fases do processo de tradução de Gouadec – a da pré-transferência, tendo em conta que através de uma análise inicial ao texto rapidamente se categoriza o género textual do mesmo. O conhecimento do género textual tem um grande peso na tradução funcionalista, como defende Christiane Nord.

Since text genres are characterized by conventional features, their classification plays an important role in functional translation. (Nord, 1997: 38)

A partir da identificação do tipo de texto que temos em mãos, e sabendo que cada género textual tem características únicas, o processo de tradução passa para um novo estádio – a identificação de possíveis problemas e diversas formas de ultrapassar essas situações. Para isso, não devemos esquecer qual o objetivo, a finalidade da tradução e o público-alvo e a cultura a que se destina.

Nord (1997: 47ss) apresenta uma tipologia de tradução baseada apenas em termos funcionalistas, numa tentativa de combinar as teorias e as considerações de House e de Reiss.

Assim, Nord defende que existem dois tipos de processos de tradução. O primeiro, a tradução documental, centrado no TP, e que pretende que o seu formato e conteúdo sejam reproduzidos de forma linear para o texto de chegada (TC). Em contrapartida, o segundo, a tradução instrumental, tem como objetivo a realização de adaptações e adequações no TP, tendo em conta o público e o contexto a que se destina, de forma a produzir um texto que exerça a mesma função do original. Baseando-se na função do processo de tradução e na função do TC como resultado do processo tradutivo, Nord estabelece então uma distinção entre ambos os tipos de processo.

The first [documental translation] aims at producing in the target language a kind of document of (certain aspects of) a communicative interaction in which a source-culture sender communicates with a source-culture audience via the source text under source- culture conditions. The second [instrumental translation] aims at producing in the target language an instrument for a new communicative interaction between the source-culture sender and a target-culture audience, using (certain aspects of) the source text as a model. (Nord, 1997: 47)

A escolha da teoria funcionalista de Nord como base para o meu projeto recai sobre o tipo de texto que tinha para traduzir. Os TP deste trabalho fazem parte de um tipo de texto com características muito próprias: os protocolos de reagentes e os protocolos experimentais.

Os protocolos, quer sejam experimentais ou não, são textos utilitários que têm como objetivo informar e dar instruções sobre como deve ser executado determinado processo. A finalidade da tradução destes textos é, acima de tudo, fazer crer ao destinatário que está a ler um texto produzido na sua língua e não uma tradução. Christiane Nord defende este ponto de vista ao referir que “[i]n the reception of an instrumental translation, readers are not supposed to be aware they are reading a translation at all” (Nord, 1997: 52).

Por conseguinte, o tradutor deverá começar por analisar o seu TP. Esta prática não se aplica apenas a este género textual, mas também a qualquer tipo de texto. A teoria funcionalista de Nord parece ser a mais adequada para a tradução de textos de especialidade, como por exemplo os deste projeto, os protocolos ou os manuais de instruções. Nord considera que a linguagem é utilizada com um propósito instrumental, neste tipo de textos. O objetivo principal de uma tradução instrumental é fazer com que o TC cumpra o propósito comunicativo do TP – “The result of an instrumental translation is a text that may achieve the same range of functions as an original text” (Nord, 1997: 50).

Nord apresenta ainda, na sua obra, três subtipos de tradução instrumental, de acordo com a função do TP e a função do TC:

→ tradução equifuncional – quando a função do TP é a mesma da do TC (por exemplo, encontra-se na área dos textos técnicos, manuais de instrução e de utilização, receitas, textos de informação turística…);

→ tradução heterofuncional – quando existem diferenças entre as funções do TP e as do TC (por exemplo, ocorre quando a função do TP não pode ser preservada por razões de desordem cultural e/ou temporal);

→ tradução homóloga – quando se trata de uma tradução, por exemplo, no âmbito da poesia e na qual se permitem um certo grau de originalidade na adaptação cultural e temporal no TC.

Relativamente ao presente trabalho, a tradução é claramente equifuncional, uma vez que a função do TP é a mesma da do TC. Embora o público-alvo do TC seja diferente7, não houve necessidade de fazer adaptações na cultura de chegada.

Uma das tarefas iniciais do trabalho consistiu na pesquisa de normas e convenções deste género textual na cultura de chegada. Essa pesquisa resultou na leitura de diversos Decretos-Lei numa tentativa de encontrar convenções referentes aos protocolos, que pudessem ajudar na organização textual deste género de texto. Embora a legislação portuguesa especifique de uma forma geral o que deve conter um folheto informativo de reagentes para diagnóstico in vitro, resulta que não existe qualquer modelo específico que possa ser seguido. Não falando dos folhetos informativos de reagentes para RUO, que não são contemplados no Decreto-Lei 189/2000. Esta pesquisa inicial vai ao encontro das estratégias de tradução defendidas por Nord. “The form of the text is thus usually adapted to target-culture norms and conventions of text- type, genre, register and tenor” (Nord, 1997: 52). Na tradução instrumental, o tradutor deve ter em conta que o formato do texto é geralmente adaptado às normas e convenções do tipo de texto, género e registo da cultura de chegada. Uma vez que a legislação não esclarece quais as

convenções que devem ser seguidas, o próximo passo consistiu na pesquisa de textos paralelos. Ou seja, consistiu na procura de protocolos de kits enzimáticos RUO em língua portuguesa. A ideia era utilizar esses documentos como guia de convenções quando chegasse o momento da tradução propriamente dita. No entanto, apenas se encontraram exemplos de protocolos de kits enzimáticos para diagnóstico in vitro (anexo F e G). A diferença a nível gráfico e de conteúdo entre os dois documentos é bastante evidente. Tendo em conta que nenhum dos documentos segue a finalidade dos reagentes RUO, optou-se por não seguir nenhum dos exemplos. Em vez disso, decidiu-se que seria seguida a mesma estrutura gráfica de normas e convenções do TP, tendo em conta que o público-alvo seria capaz de compreender as instruções e informações constantes no texto, independentemente da forma gráfica que o TC tivesse. Na sua obra, Nord expõe que a tradução funcionalista não significa que as convenções do TP devam ser substituídas pelas da cultura de chegada. Tudo depende do propósito e do público-alvo e cabe ao tradutor optar pela adaptação ou não das convenções.

Functional translation does not mean that source-culture conventions must be replaced by target-culture conventions in each and every translation. Depending on the translation purpose and type, the translator may opt for reproduction or adaptation. (Nord, 1997: 57)

Qualquer tarefa independentemente da sua natureza precisa de um método a seguir, um modelo ou procedimento, sem o qual dificilmente se alcançaria o seu termo com êxito. A tradução, sendo ela própria uma tarefa, não é exceção. Dessa forma, antes de se iniciar um projeto de tradução existe a necessidade de determinar qual será a metodologia que irá servir de base a este trabalho.

Tendo em conta experiências anteriores, e por uma questão de gosto pessoal, seguiu-se o método de tradução de Gouadec (Gouadec, 2007: 12s). Embora este método esteja direcionado para tradutores profissionais e não possa ser aplicado ao contexto específico deste trabalho, adotou-se apenas a sua forma organizativa no método tradutivo.

Gouadec apresenta como processo de tradução um modelo organizado e dividido em três fases: pré-tradução, tradução e pós-tradução. A primeira fase, a da pré-tradução, engloba todas as tarefas que dizem respeito ao contacto inicial e ao consequente relacionamento entre o cliente e o tradutor, até ao momento em que o último recebe o material para traduzir. Nesta fase estão incluídas tarefas que têm a ver com a obtenção do trabalho, tais como orçamentação, negociação, discussão de todas as informações necessárias para execução do trabalho ou translation brief, como é designado inicialmente por Janet Fraser e posteriormente utilizado por

Christiane Nord (1997), e contratação. Naturalmente que neste contexto específico não existe um cliente. Logo, esta etapa não pode ser aplicada a este trabalho.

A segunda fase do método tradutivo de Gouadec, a tradução, diz respeito ao trabalho de tradução propriamente dito e é, por sua vez, subdividida em três fases: pré-transferência, transferência e pós-transferência.

A pré-transferência reúne todas as tarefas de preparação da tradução, ou seja análise da tipologia textual e de possíveis problemas que possam condicionar a utilização de ferramentas de apoio à tradução e as diversas etapas de trabalho. Esta fase inclui ainda investigação, pesquisa de textos de referência ou paralelos na língua de partida e de chegada, elaboração, atualização e seleção de glossários, dicionários, bases de dados terminológicas e memórias de tradução, recurso a especialistas da área, seleção das ferramentas tecnológicas de apoio à tradução, preparação do material a traduzir e contacto com o cliente, sempre que necessário, para esclarecimento de dúvidas.

Observam-se semelhanças entre esta etapa apresentada por Gouadec e a abordagem funcionalista de análise ao TP de Nord. Um dos aspetos mais importantes da teoria de Nord é a análise do TP. Nesta análise textual deverão ser encontrados possíveis problemas que possam dificultar a tarefa do tradutor, tendo em conta a tipologia textual, a função principal do texto a traduzir, o público-alvo e a cultura de chegada. Para esta análise, Nord apresenta uma vasta lista de perguntas que o tradutor terá de se colocar quando estiver a fazer essa análise.

Voltando ao método de Gouadec, a fase da transferência é onde a magia acontece, quando se transfere signos linguísticos e culturais de uma língua para a outra. A fase da pós- transferência diz respeito ao controlo de qualidade, tendo em conta os critérios previamente estabelecidos quer a nível linguístico quer a nível da correção técnica. E por último, a fase da pós- tradução, que envolve a formatação e a edição final para entrega.

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