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A tragédia em cinco atos

No documento Baía de Todos os Santos: aspectos humanos (páginas 96-103)

Pelos dados referidos, embora precários, podemos constatar as dificuldades enfrentadas pelos índios que viviam na Baía de Todos os Santos. Este drama foi dividido, para efeito de análise, em cinco atos.

O primeiro, definimos como aquele período de escambo e relações relati- vamente pacíficas. Nesse ato, observamos que as populações indígenas já eram obrigadas a reestruturar suas sociedades devido à introdução do consumo das novas mercadorias trazidas pelos europeus. Iniciavam-se, portanto, a vinculação e a dependência econômica, ainda aqui de forma relativamente equilibrada, devido ao interesse dos colonos em produtos oferecidos pelos indígenas. Este equilíbrio vai se romper quando se inicia um novo padrão de relações econômicas não mais calcadas na simples troca.

O segundo ato se inicia com a implantação do projeto colonial de transformar a nova colônia num núcleo de produção de mercadorias, preferencialmente o açúcar. A partir desse momento, intensificam-se as relações de conquista e dominação, expressas na imposição da sedentarização, da escravidão e de novas formas de produção. Transformados em escravos ou trabalhadores malremunerados ou nem isso, os indígenas reagiram e estouraram as rebeliões que resultaram na destruição das aldeias, nas fugas e em violenta repressão.

O terceiro é o da chegada dos jesuítas e a instalação do Governo Geral. Neste ato, ainda que parcialmente protegidos dos ataques dos colonos, os índios passaram a sofrer pressões cotidianas para ajustarem seus padrões sociais às novas exigências coloniais. A ação jesuítica, voltada principalmente para a cristianização, a redução e a conversão, buscava eliminar a poligamia, a antropofagia, as casas coletivas, a nudez, o paganismo e o nomadismo, funcionando como um aríete demolindo as instituições fundamentais desses grupos.

Também nesse momento houve revoltas, sempre esmagadas com o auxílio do governador geral. Porém, também havia várias formas de resistência como a negação ao contacto, as fugas, o abandono das aldeias e dos aldeamentos e as longas negociações nos aldeamentos jesuíticos e particulares que lhes permitiram encontrar as brechas necessárias para criar espaços sociopolíticos nos quais atuavam para obter concessões e garantir os direitos que lhes eram garantidos por lei. Cabe ainda ressaltar os movimentos de caráter messiânico, conhecidos por Santidades, sendo a mais conhecida a do Jaguaripe, razão principal da visitação do Santo Ofício à Bahia. (LEITE, 1965, p. 71)

Nesse contexto, aldear-se passou a ser também uma decisão política dos povos indígenas ante a ampliação das entradas em busca de escravos e o avanço dos colonos para os sertões interiores. Aldear-se, em determinadas situações, passou a ser “um mal menor”.

O quarto, talvez o mais dramático, é o das epidemias entre 1560 e 1563. O medo à doença e à morte, a perplexidade por não saberem tratar dos enfermos e o fato de atribuírem aos jesuítas a responsabilidade pela epidemia, foram motivações para novas fugas. Os poucos que permaneceram em suas aldeias ou nos aldeamentos foram transferidos para outros, visando economizar recursos e esforços do Governo Geral e dos jesuítas. Porém, nenhum dos contemporâneos que escreveram sobre essa tragédia se preocupou em registrar as graves desarticulações sociais e psicológicas, resultantes da depopulação, das transferências e da convivência forçada com grupos antes vistos como inimigos intratáveis.

O quinto ato refere-se à reconstrução da vida nesses aldeamentos e nas aldeias ante as dificuldades de sobrevivência dessas populações e de adaptação às novas condições. É nesses momentos e espaços que toda a capacidade de criar e recriar

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uma nova sociedade revela o índio como um sujeito histórico presente na construção do que hoje conhecemos como Baía de Todos os Santos.

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