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2. UMA TESSITURA DO CONTEXTO HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO E DA

2.5 Trajetória da aprendizagem: o sujeito à “sombra

A questão da aprendizagem ao longo da história da humanidade tem se revelado como importante campo de estudo. Diante da perspectiva ocidental de educação, desde a Grécia Antiga já se pensava em um propósito de formação do homem que contemplasse um ideal de educação, envolvendo a dinâmica da aprendizagem e do desenvolvimento que defendia a ideia de “formação do homem grego”, compreendendo que a “essência de toda a verdadeira educação ou páideia é a que dá ao homem o desejo e a ânsia de se tornar um cidadão perfeito e o ensina a mandar e a obedecer, tendo a justiça como fundamento" (JAEGER, 1995, p. 147).

Assim, o princípio grego de educação contemplava o propósito da formação de conceito sobre valores, ética, moral, o espírito do combate, bem como a consolidação do cidadão enquanto ser de democracia.

Na Idade Média, os fundamentos da educação estavam sob a influência da patrística3 e sob o controle do poder clerical. Os princípios psicológicos desta época

estavam explicitados nos dogmas da Igreja, e advinham da tradição consolidada e da visão de homem, alma, e Deus em que se acreditava. Durante este período, a Igreja exerceu poder e hegemonia sobre a sociedade, seguindo seus próprios princípios de educação definidos nas bulas papais e na Ratio Studiorum. Somente uma pequena parcela do clero era detentor do conhecimento e determinava quem poderia se apropriar de algum tipo de literatura. Nessa fase histórica, a criança era considerada como adulto em tamanho pequeno e deveria ser educada com a mesma expectativa de aprendizagem e responsabilidade dedicada ao adulto.

Porém, com o advento da Idade Moderna e a conquista da Reforma Protestante por Martinho Lutero, em meados do século XVI, inaugura-se uma nova fase para a educação, quando João Amós Comenius, pastor protestante presbiteriano escreve e publica a primeira versão de sua obra intitulada a Didática Magna, em 1657, em que apresenta uma nova forma de pensar a educação, a pansofia que significa a

3 Patrística: “indica-se com este nome a filosofia cristã dos primeiros séculos. Consiste na elaboração doutrinal das crenças religiosas do cristianismo e na sua defesa contra os ataques dos pagãos e contra as heresias. A P. caracteriza-se pela indistinção entre religião e filosofia. Para os padres da Igreja, a religião cristã é a expressão íntegra e definitiva da verdade que a filosofia grega atingira imperfeita e parcialmente. Com efeito, a Razão (logos) que se fez carne em Cristo e se revelou plenamente aos homens na sua palavra é a mesma que inspirara os filósofos pagãos, que procuraram traduzi-la em suas especulações” (ABBAGNANO, 2000, p. 746)

“arte de ensinar tudo a todos”. Para alcançar este objetivo o autor buscou nos princípios da própria natureza humana as bases de seu método para ensinar com segurança, solidez e prazer. Para tanto, formulou três princípios:

1) Analogia com o método natural; 2) caráter gradual e cíclico do ensino (que deve ser o das escolas, dos livros, das crianças); 3) vínculo entre palavras e coisas: tudo deve partir do sensível e do sabido, indo do conhecido ao desconhecido, do próximo ao distante, do concreto ao abstrato, da parte ao todo, do geral ao particular. (...), Comenius4 trata em particular do método de ensino das ciências, das artes, das línguas, da moral e da piedade, analisando os quatro graus da escola (materna, vernácula, latina, acadêmica) (COMENIUS, 2006, p. 9).

Desse modo, Comenius pensou numa formação educacional que partisse de uma compreensão sobre a globalidade da criança. Para ele era necessário o respeito à natureza da criança e sua inteligência, bem como conhecer o que a criança sabe para poder ser ensinado o que ainda não se tem como conhecimento, de modo claro e direto, preocupando-se com a aplicabilidade em sentido prático dessa aprendizagem, para que houvesse a influência de forma concreta na formação integral da criança. Assim, a escola, pautada nos princípios de “ensinar tudo a todos”, não somente deveria deter-se no esclarecimento e construção dos conhecimentos acadêmicos para sua aplicabilidade, mas também importar-se com a formação moral- cristã, piedosa, para o exercício da vida cotidiana da criança. Essas ideias tiveram grande influência na educação escolar moderna.

Porém, com as mudanças sociais provocadas pelas grandes Revoluções: a Francesa, a Industrial Inglesa no século XVIII e a tecnológica no século XIX, o campo do conhecimento também ganha nova configuração. Com a obra de Rousseau (2004) – Emílio ou da Educação – a educação ganha novos rumos, ao pensar a criança como ser “puro”, “ingênuo”, como sendo “boa” e propala-se que, a sociedade corrompida é quem corrompe a criança. Assim, após a Revolução Francesa, os princípios da pedagogia moderna fundamentaram-se no pensamento de Rousseau e dos iluministas.

Além disso, pensando numa composição formal, a escola, como representante da aprendizagem, existiu em quase todas as sociedades. No ocidente a escola ganha este perfil em virtude das grandes transformações sociais, culturais e

econômicas entre as nações. No início do século XIX na Europa desenvolve-se o capitalismo e a configuração de um sistema educacional que atendia especialmente a classe alta e burguesa da sociedade.

Diante do contexto desenvolvimentista europeu, segue-se por um lado as ideias que mais tarde fundamentaram o pensamento da psicologia do desenvolvimento e, por outro, as ideias educacionais.

Na psicologia, as ideias biológicas de C. Darwin publicadas em 1859 sobre a Origem das Espécies pela Seleção Natural, embora causassem polêmica, ganham notoriedade nas discussões e investigações, bem como a Teoria do Gênio Hereditário de Galton (1865), afirmando: “Um homem notável teria filhos notáveis”, o que significa que a inteligência e possíveis habilidades do ser humano seriam transmitidas de forma hereditária - de pai para filho. Também ganharam evidência as ideias de Stanley Hall (1844 -1924), que, preocupado com o desenvolvimento infantil, ocupa-se das ideias da fisiologia de Wundt (1832-1920), que investigou os processos e funções elementares do mesmo modo que as funções superiores, enfatizando o caráter essencialmente biológico do desenvolvimento infantil (VYGOTSKY, 2007).

Por outro lado, as teorias que abrangem o campo da educação ganham também repercussão. Alfred Binet e Theodore Simon, em 1905, contribuem com a psicometria e a invenção do teste de QI. Paralelamente às ideias de Binet e Simon, nos Estados Unidos, Willian James (1842-1910) desenvolve suas ideias sobre o pragmatismo, onde a razão, o poder do pensamento argumentativo, o diálogo, podem levar à aprendizagem sem que a criança necessariamente tenha que passar por experiência prática.

Estas ideias foram grandes influenciadoras do pensamento de John Dewey (1859 – 1952) para o desenvolvimento dos ideais da Escola Ativa, com preocupação centrada no raciocínio e no espírito crítico, porém de forma experimental na escola. Ainda no campo educacional, a escola se apropriou das concepções da Psicologia Genética e as fases de desenvolvimento de Jean Piaget (1896 – 1980), bem como das de H. Wallon (1879 - 1962) sobre os temas afeto e cognição. Estas teorias, ao longo de suas formulações, alargaram seus espaços para estudos e investigações tanto na área da educação quanto da Psicologia (LA TAILLE; OLIVEIRA; DANTAS, 1992).

Nesse sentido, a epistemologia genética de J. Piaget buscou compreender como é possível alcançar e desenvolver o conhecimento humano e como passa de

um nível cognitivo-afetivo mais elementar para um mais complexo. Preocupou-se em estudar a gênese do conhecimento, criando condições para se pensar os processos de aprendizagem, segundo as fases do desenvolvimento que a criança realiza com suas experiências nas interações sociais (NUNES & SILVEIRA, 2009).

H. Wallon, por sua vez, em sua epistemologia, propôs um estudo que abarcasse os vários campos funcionais da criança, como a afetividade, motricidade, inteligência, compreendendo que o desenvolvimento do ser humano é geneticamente social, uma vez que depende das relações desenvolvidas em seu contexto social. A partir dessa concepção, o estudo de Wallon passou chamar-se “a psicogênese da pessoa completa”, mas continuou preservando a ideia do desenvolvimento intelectual estruturado em princípios organicistas do desenvolvimento humano (GALVÃO, 2008). Com a psicologia histórico-cultural de Vygotsky, que tem sua base epistemológica no materialismo dialético de Karl Marx, por sua vez, buscou-se investigar os processos psicológicos do ser humano dando ênfase à dimensão histórica e cultural, e não a natural, sobre o estudo do desenvolvimento das chamadas funções psicológicas superiores. Estas funções são entendidas a partir de algumas capacidades psicológicas como, a de planejamento, a memória voluntária, a imaginação, dentre outras. As funções psicológicas “superiores” justificam-se pela intencionalidade, pela atividade pensada, ou consciente, na relação dialógica do indivíduo no espaço social em que vive (VYGOTSKY, 1997, 2007).

Entretanto, para além dessas concepções é importante dar maior relevância atualmente à psicologia de Vygotsky, no que concerne como referencial para os educadores da atualidade, que segundo Duarte,

Precisa ser estudada como parte de um estudo maior, voltado para a construção de uma pedagogia marxista. Isso quer dizer que a psicologia vigotskiana, por si mesma, não pode produzir uma pedagogia, ainda que seja desta um dos fundamentos indispensáveis. Pretender criar uma “pedagogia vigotskiana” seria incidir no psicologismo que entendemos ser incompatível com uma concepção marxista das relações entre indivíduo e sociedade (DUARTE, 2011, 341).

Com vistas nessas concepções e com base na perspectiva histórico-cultural da escola de Vygotsky de base marxista, a presente pesquisa desenvolveu o estudo sobre a Constituição do sujeito de aprendizagem: uma perspectiva da aprendizagem situada na alfabetização de jovens e adultos no Centro de Cultura e Desenvolvimento

do Paranoá – CEDEP – DF, dando relevância a relação social, dialógica em coletividade para a aprendizagem. Para tanto, a pesquisa foi desenvolvida segundo os parâmetros do paradigma qualitativo de investigação, conforme metodologia descrita a seguir.