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De acordo com Sarti (2004), família pode ser definida como um universo de relações, delimitada pela história que se conta aos indivíduos desde o seu nascimento e ao longo de sua existência, através de palavras, gestos, atitudes ou silêncios, sendo reproduzida e reesignificada por estes, à sua maneira, dados os distintos lugares e momentos dos indivíduos na família.

Por essa abordagem, Sarti (2004) considera a família como uma realidade constituída pela linguagem, socialmente elaborada e internalizada pelos indivíduos por um mecanismo necessariamente relacional, tornando-se um campo privilegiado para se pensar a relação entre o individuo e a sociedade, o subjetivo e o objetivo, o biológico e o social.

Dessa forma os relatos aqui apresentados, são de diferentes histórias familiares de candidatos ao cargo de operador na Alumar que, apesar de suas particularidades, apresentam pontos de convergência, como o fato da maioria dos pais desses candidatos, não ser originária

do município de São Luís, mas, por terem migrado para a capital do estado do Maranhão, saindo de cidades do ou de outros estados da região nordeste como Piauí e Paraíba.

Essa situação coaduna-se com o levantamento feito na primeira parte deste trabalho, onde apresento estudos que apontam para o intenso fluxo migratório ocorrido em São Luís durante as décadas de 1970 e 1980.

Com um processo desordenado de ocupação urbana, configura-se em São Luís, um mercado de trabalho bastante limitado no que tange à oferta de empregos formais, com participação restrita de trabalhadores industriais, apesar das promessas de geração de trabalho com a implantação dos grandes projetos minero - metalúrgicos da Alumar e Vale na capital maranhense.

A restrição do mercado de trabalho às ocupações do tipo relação salarial (CASTEL, 2003), pode ser percebida pelo tipo de atividades profissionais desenvolvidas pelos pais dos candidatos a operador, com a predominância de ocupações inseridas na informalidade ou de trabalho assalariado precarizado.

O processo de expansão urbana de São Luís assemelha-se ao de Salvador (BA), cidade colonial, sem tradição industrial que se viu envolvida por um grande projeto industrial relacionado à petroquímica, aumentando seu contingente populacional, a partir da década de 1960, (CARVALHO; SOUZA; PEREIRA; 2004), onde apesar da ampliação da força de trabalho disponível “não há oferta possível de emprego que dê conta da demanda real e potencial”. (cf OLIVEIRA, 1987:52-53, grifos do autor).

Aproxima-se também da trajetória recente das metrópoles brasileiras, demonstrada em alguns estudos que evidenciam certa estabilização das estruturas social e urbana em paralelo a fenômenos como a redução do proletariado industrial, o crescimento do setor terciário e do emprego em serviços, empobrecimento das zonas centrais, mudanças de função em algumas áreas da cidade e auto-segregação das elites, tendentes a se isolar em alguns espaços exclusivos (CARVALHO; SOUZA; PEREIRA; 2004).

Assim, teremos as famílias dos aspirantes a uma vaga na Alumar, residindo em três tipos principais de bairros: periféricos tradicionais, conjuntos habitacionais populares e ocupações espontâneas.

Por bairros periféricos tradicionais estamos designando os bairros da Liberdade e Anjo da Guarda, que foram formados nas décadas de 1950 e 1960, cujo processo de urbanização já se encontra consolidado, estando na lista dos mais populosos e densamente povoados de São

Luís, apresentando baixos índices no nível de renda e escolaridade38 de seus habitantes, domicílios precários e ausência de esgotamento sanitário (cf INSTITUTO DA CIDADE, 2006). Embora sendo servidos por rede geral de abastecimento de água e coleta de esgoto, estes serviços vêm se dando de forma precária, assim como na maior parte da cidade de São Luís.

Outro grupo identificado são os bairros originados dos conjuntos habitacionais financiados pelo governo federal e construídos no inicio da década de 1980 (Cohatrac e Cidade Operária), cujos moradores apresentam índices médios de renda e escolaridade, e domicílios possuindo acesso a água e esgoto, conforme levantamento feito pelo Instituto da Cidade (2006) a partir de dados dos Censos do IBGE.

Um terceiro local de moradia dos candidatos a operários visualizado refere-se a uma área de “ocupação espontânea”, denominada localmente como invasão, situada próximo ao bairro do IPASE, que se caracteriza por uma situação mais precária em relação à infra- estrutura, acesso a serviços urbanos, e nos padrões de moradia.

No caso dos candidatos a operadores que entrevistamos, foi constatado como padrão familiar dominante, é o do(a) filho(a) morando com os pais, mesmo no caso em que esses filhos já possuem mulher e filhos. As exceções a esse padrão ficam por conta de dois casais, que, em certo sentido, confirmam a regra anterior (morar com os pais), pois, já tinham resolvido a situação de emprego, conforme percebido no (Quadro 1 abaixo:

Quadro 1: Idade, local de moradia e características familiares dos candidatos a operador da Alumar.

NOME RICARDO SILVANA JOÃO ROBERTO MATEUS JOANA AUGUSTO

IDADE 27 anos 29 anos 23 anos 22 anos 33 anos 23 anos 25 anos

BAIRRO Anjo da Guarda Anjo da Guarda Cidade Operária Cohatrac Cohatrac IPASE Liberdade

FEZ O PFO Não Sim Sim Não Sim Sim Sim

SEXO Masculino Feminino Masculino Masculino Masculino Feminino Masculino

ESTADO CIVIL/ FILHOS Vive maritalmente e com os filhos Casada com

filhos Solteiro com filho Solteiro Casado com filhos Solteira solteiro DOMICILIO Mora em casa dos pais, com

mulher e filhos.

Mora em Casa

Própria Mora com os pais Mora com os pais Mora em casa Própria Mora com os pais Mora com parentes ORIGEM

DOS PAIS Pai: Paraíba Mãe: Piauí.

Interior do Maranhão (Barreirinhas)

São Luis Piauí Interior do Maranhão (Alcântara) Interior do Maranhã o (Alcântar a) São Luis

38Na Liberdade, o rendimento nominal mensal era de até 1 salário mínimo, enquanto no Anjo da Guarda estava

entre 1 e 2 salários mínimos. Nos dois bairros, apesar da escolaridade média ser dominante, havia significativa presença de pessoas com nível fundamental e antigo primário.

OCUPAÇÃO DOS PAIS Pai: Motorista Mãe: Dona de casa Pai: Carpinteiro aposentado Mãe: Trabalha em Banca de Revista da filha e genro Mãe: Pedagoga. Pai: Funcionário Público. Pai: Músico Profissional Mãe: Contadora Trabalhador es rurais aposentados Mãe: Emprega da Doméstic a Pai: Pedreiro Avó: construtor Civil Tia: Professora PROFISSÃO DOS IRMÃOS Dois irmãos motoristas em: Transportadora de gás e empresa terceirizada da Vale Irmão Mecânico da Odebrechet Irmão trabalha para concessionária de veículos Irmã recém concluiu o Ensino Médio Irmã: Pedagoga Irmão paterno: Musico Três trabalham em São Paulo como operários Irmão vigilante Irmã recém concluiu o Ensino Médio Agente de Saúde Contratado do Serviço Público (Detran)

Um desses casais é formado por um operador da Alumar que, havia participado do treinamento do PFO em 2008 e no momento da realização da entrevista, já havia sido contratado pela Alumar. Antes de sua contratação, morava com os pais, alugando uma casa próximo à residência destes logo após ser efetivado pela empresa, onde mora com a mulher e os filhos. A outra exceção é de uma candidata cujo marido é operador da Alumar há 12 anos, sendo proprietários da residência onde moram com os filhos, nas proximidades da casa da mãe dela e dos pais deles.

Tais situações nos indicam que a chamada estabilização financeira é uma condição necessária para a efetiva concretização de projetos pessoais, como a constituição de uma família e, por conseguinte, aquisição de moradia própria e o sustento do cônjuge e filhos. Na ausência dessa estabilidade, os parentes servem de apoio.

Isso nos remete ao estudo feito por Agier e Guimarães (1995) sobre o processo de constituição da identidade operária em Salvador, onde comentam que a possibilidade de realização de projetos pessoais, notadamente matrimoniais, além do consumo de bens até então inacessíveis, passa pelo ingresso numa empresa que oferece estabilidade ou o acesso a um estatuto profissional reconhecido, como o de operador no Pólo Petroquímico baiano. Dentre todos os projetos perseguidos por essa nova família, o mais significativo e de mais difícil realização, seria o acesso à propriedade residencial.

Portanto, para a realização de projetos pessoais e familiares, numa sociedade de mercado, na qual as mercadorias não são igualmente disponíveis para todos os indivíduos e cuja aquisição é mediada pelo acesso ao dinheiro ou ao crédito, o fato de possuir um emprego numa grande firma e uma ocupação profissional assume um peso importante.

Nessas condições, a maioria dos irmãos dos candidatos a operador, com exceção de duas mulheres que concluíram recentemente o Ensino Médio, estão em fase de inserção no mercado de trabalho, empregados e atuando como: motoristas, mecânico, funcionário de

concessionária de veículos, pedagoga, operários, vigilante, agente de saúde e contratado de repartição pública.

A inserção nessas ocupações por parte dos irmãos dos operadores pode ser vista como continuidade ou ruptura em relação às trajetórias profissionais dos pais que, fornecem os referenciais simbólicos e as condições materiais básicas para que os filhos possam construir seus projetos profissionais que são, no entanto, tangenciados pela própria trajetória social do grupo familiar e os diferentes tipos de capitais disponibilizados por este.

O peso da trajetória de um grupo familiar sobre a trajetória de trabalhadores pode ser percebido no estudo de Agier e Guimarães (1995:57), sobre a identidade de operários baianos, observando que alguns trabalhadores têm na sua historia familiar a trajetória de “saída da pobreza” de seus pais que corresponde, por exemplo, a determinados empregos subalternos numa indústria tradicional.

Entretanto, o percurso social dessas famílias não teria permitido aos filhos uma formação escolar condizente com os requisitos do trabalho na indústria de processo. No entanto, a partir dessas limitações, poderia se dar a ruptura, quando um dos filhos consegue uma colocação de trabalho melhor que as dos pais, ou a continuidade, mantendo-se os mesmo padrões de emprego.

Por outro lado, Agier e Castro (1995: 117), ressaltam num outro texto, que o horizonte dos projetos ambicionados pelos indivíduos se forma a partir de outros projetos já pensados e/ou experimentados no ambiente de socialização, (desejo de “sair da pobreza”, por exemplo), como também por representações nascidas nas relações sociais verticais, vividas pelos membros da família e transmitidas aos indivíduos.

De forma semelhante aos operários baianos, nas entrevistas realizadas constatam-se situações, em que os filhos seguiram as mesmas atividades profissionais desenvolvidas pelos pais, enquanto outros, devido, sobretudo ao processo de escolarização, se inseriram em outras atividades.

No que se refere à primeira situação, temos o caso de uma família, cujos filhos seguiram a profissão do pai motorista. Um paraibano que serviu ao exército, casou-se com uma piauiense e chegou ao Maranhão trabalhando numa empresa de asfaltamento, prosseguindo depois na carreira de motorista, no que foi seguido pelos três filhos, sendo que o primeiro é motorista de uma transportadora de gás da Petrobrás, o outro de uma prestadora de serviço pra Vale e o terceiro trabalha numa empreiteira da Alumar.

As situações de ruptura com as atividades profissionais dos pais, deram-se, sobretudo nas histórias familiares marcadas pela “saída do interior do estado e a chegada na capital”,

com esses pais estabelecendo-se principalmente em ocupações profissionais ligadas à construção civil, como carpinteiro e pedreiro. Para essas famílias, cujos pais possuem baixos níveis de escolaridade, o investimento na formação escolar dos filhos, torna-se uma prioridade que, no entanto é regulada pela situação financeira, levando-os a investir em determinados filhos, em detrimento de outros.

Atualmente os filhos exercem funções onde é exigido um maior nível de escolarização do que era requerido nas ocupações dos pais, como exemplos dessas rupturas, temos o mecânico de uma grande construtora (Odebrecht), cujo pai era carpinteiro, e de um grupo de irmãos que atuam como operários no estado de São Paulo, cujos pais eram trabalhadores rurais. Nas demais situações, os filhos atuam em funções que requerem as chamadas habilidades comportamentais no trato com o público, característico do setor de serviços e que exigem um nível médio de educação escolar.

No que se refere às profissões que exigem escolaridade superior, só houve um caso, dentre todos os filhos das famílias pesquisadas, que possuía esse nível de escolaridade. Trata- se de uma pedagoga cuja mãe, originária do Piauí, é formada em contabilidade. Tais situações vêm a corroborar com diversas pesquisas que apontam para o impacto da educação dos pais sobre o desempenho educacional dos filhos, influenciando substancialmente o nível educacional atingido por estes. No caso da pedagoga, o ingresso numa faculdade pública e a conclusão do curso universitário, representam a continuidade da trajetória escolar e social do seu grupo familiar (cf BARROS; MENDONÇA: 2001).

As continuidades e rupturas profissionais dos filhos em relação às atividades desenvolvidas pelos pais, podem ser melhor visualizadas no quadro 1 acima, onde apresento um resumo das principais características percebidas nos grupos familiares dos candidatos entrevistados, características estas que já foram apresentadas neste tópico.

Ao comparar as características dessas famílias, um dos pontos a serem destacados é o deslocamento realizado pela geração anterior aos candidatos aqui pesquisados, que é simultaneamente geográfico e profissional, já que alterando-se o local de moradia, alteraram- se também as atividades produtivas do meio em que estão inseridos.