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5 NOVOS CAMINHOS DA INTEGRAÇÃO: INDÚSTRIA NAVAL OFFSHORE E O

5.1 A TRAJETÓRIA DO INTERESSE COMUM

Anteriormente advertimos a necessidade de, para promover os alicerces da integração, conectar entre os países membros do MERCOSUL uma rede de interesses mútuos, que permita o estabelecimento de projetos em conjunto; uma articulação de políticas de compras, planejamento, investimento dos Estados; associações entre empresas com o fim de somar esforços em pesquisa e desenvolvimento de inovação; criação de vínculos de ensino, pesquisa e extensão entre as Universidades e institutos de pesquisa da região; colaboração entre sindicatos e demais entidades representantes dos interesses da coletividade social.

No caso do acordo de integração que tratamos, existe um modelo inicial dessa articulação entre diferentes espaços socioeconômicos e suas instituições, que podemos identificar como protocélula do que queremos dizer quando nos referimos à construção de

uma “trajetória de interesse comum”: nomeado pelos governos do Brasil e o Uruguai como “Grupo de Alto Nível (GAN)”.

Este acordo (GAN) visa se estabelecer como novo paradigma para a relação entre as partes assinantes, e uma base que tem como função ser um modelo inicial para os intentos de criar, no MERCOSUL, o que estes dois países chamam de “integração profunda”, no “Comunicado Conjunto Presidencial: “Um novo paradigma para a relação Brasil-Uruguai”, de julho de 2012.

O GAN visa ser um fórum administrativo e planejador que concentra os projetos bilaterais prioritários entre o Brasil e o Uruguai. Em sua primeira plenária, o grupo aprovou o “Plano de Ação para o desenvolvimento sustentável e a integração social” (2013), e já foram realizados acordos sobre residência permanente em cada país, com o objetivo de facilitar a livre circulação de pessoas; mecanismos de simplificação para a aquisição de residência; uma nova agenda de cooperação e desenvolvimento fronteiriço; projetos de integração física e produtiva.

No marco das ações objetivas, o grupo articulou 40 programas estratégicos de cooperação e integração entre ambos os países, em áreas como integração produtiva, ciência, tecnologia e inovação, transporte, livre circulação de bens e serviços e pessoas, comunicação e informação e integração de infraestrutura de transporte. Em termos mais específicos:

Integração produtiva – identificação de oportunidades de complementação industrial na cadeia produtiva do petróleo e gás, na construção naval, em energia eólica e em biotecnologia; cooperação entre órgãos responsáveis pelos padrões de qualidade e certificação de conformidade com vistas a harmonizar regras e procedimentos, facilitando a integração produtiva e as trocas comerciais;

Ciência, Tecnologia e Inovação – implementação da plataforma de “e- learning” para formação de recursos humanos em tecnologias de informação e da comunicação, e do Centro Binacional de Tecnologias da Informação e da Comunicação no Uruguai; interconexão de redes acadêmicas e uso em telemedicina, por meio de parceria entre a Rede Nacional de Pesquisa (RNP), ANTEL e Telebrás; formalização da integração do Uruguai ao Centro Brasil- Argentina de Biotecnologia (CBAB), a qual já está em fase operacional; fortalecimento da cooperação da EMBRAPA com órgãos congêneres uruguaios na área de inovação agropecuária.

Comunicação e Informação – aprofundamento da cooperação nos diversos aspectos relacionados à implementação da TV Digital; estabelecimento de mecanismos para o desenvolvimento da radiodifusão pública na região; desenvolvimento de arranjos produtivos locais visando a produção de conteúdos digitais criativos; intercâmbio em projetos de inclusão digital, na área de formação para o uso e desenvolvimento das TICs e na implantação de Cidades Digitais; e avanço na parceria entre a ANTEL e a Telebrás para interconexão de redes e atendimento de áreas de fronteira.

Integração da Infra-Estrutura de Transportes – intensificação dos esforços para a concretização, no prazo mais breve possível, dos projetos prioritários da área de transportes: nova ponte sobre o Rio Jaguarão, reforma da Ponte Internacional Barão de Mauá, retomada da interconexão ferroviária por Rivera-Santana do Livramento, e implantação da Hidrovia Uruguai-Brasil. Livre Circulação de Bens e Serviços – fortalecer os mecanismos de consulta e de facilitação do comércio bilateral; acordar procedimentos que possibilitem o reconhecimento dos sistemas nacionais de controle, inspeção e certificação, assim como a equivalência de medidas sanitárias e fitossanitárias; acordar procedimentos que possibilitem o reconhecimento mútuo entre os organismos de avaliação da conformidade. O Uruguai apresentou um conjunto de propostas sobre o tema que serão analisadas no âmbito do Subgrupo de livre circulação de bens e serviços. Os Presidentes congratularam-se pela conclusão das negociações do Acordo sobre Troca de Informações Tributárias, bem como pelo compromisso de concluir, no prazo de até dois anos após a entrada em vigor do referido Acordo, de um Tratado para Evitar a Dupla Tributação da Renda e do Patrimônio.

Livre circulação de pessoas – os Presidentes tomaram nota da existência do Grupo de Trabalho Ad Hoc sobre Livre Circulação de Pessoas entre Brasil e Uruguai e instruíram o Grupo a seguir avançando na implementação de procedimentos que facilitem o trânsito de seus nacionais entre os dois países e que fortaleçam os laços de integração que os une (BRASIL, 2012).

O GAN se afigura, sobretudo, politicamente significativo, pela representação de uma mudança de postura do Brasil para com a costura do MERCOSUL, colocando um parceiro como o Uruguai em destaque nos acordos. Isso difere das ações anteriores, que tendiam a privilegiar as negociações entre Brasil-Argentina, e causavam certo incômodo a uruguaios e paraguaios. Soma-se a isso, o fato de circunscrever , nas negociações para a concretização do bloco, realizações reais de nível bilateral, o que permite que, mesmo em momentos onde discordâncias entre determinados Estados-membros paralisem o andamento dos acordos gerais, as ações para a integração não sejam completamente afetadas.

Cabe lembrar, como afirmamos anteriormente, que, nos acertos entre Argentina e Brasil, que mais tarde configurariam o MERCOSUL, a maior parte das forças políticas uruguaias esteve convencida da inevitabilidade da entrada do país no bloco. Partidos como o Colorado e o Nacional esperavam que a integração fosse uma forma de modernizar suas economias, permitindo um acesso mais fácil ao mercado mundial. Já a Frente Ampla, com o apoio crítico que confirmara a noção de inevitabilidade, defendia o trilhar de uma integração mais profunda que a comercial (RAMOS, 2012).

É interessante notar como as distintas formulações do MERCOSUL foram causando alterações na composição da posição de defesa do bloco nas forças políticas uruguaias. A configuração de alianças que lhe deu sustentação interna foi mudando. Partido Colorado e Partido Nacional se tornaram mais arredios a um projeto que ultrapassava a fronteira do

mercado; a Frente Ampla, por sua vez, que antes observava com posição crítica o acordo, passou a defender com mais vigor a integração que caminhava pelo Protocolo de Ushuaia. Atualmente, ambas as vertentes políticas tendem a caminhar para o consenso do

sinceramiento, termo utilizado pelo ministro das relações exteriores do Uruguai, Rodolfo Nin

Novoa, que pretende flexibilizar as relações dentro do bloco, permitindo, inclusive, negociações com terceiros países, fora das obrigações decorrentes dos acordos do MERCOSUL; exatamente porque o Uruguai se vê preso à dinâmica econômica de Brasil e Argentina, sem estar a ela conectado por uma infraestrutura de integração positiva.

Aos ouvidos de algumas autoridades brasileiras, o termo em espanhol parece soar em bom português, ainda mais quando a presidente da República do Brasil afirma a necessidade de atualizar o bloco e empreende grande esforço para firmar um acordo de livre comércio com a União Europeia. Isso, na prática, pode significar uma expressiva redução da importância do MERCOSUL comercial para o Brasil – onde o país tem uma pauta de exportações grandemente composta por produtos de alto valor agregado -, em troca de um comércio de produtos primários com a União Europeia.

No outro lado do Rio do Prata, os mecanismos protecionistas contra os parceiros do MERCOSUL, usados tão abertamente pela Argentina, tendem a contribuir com o mesmo sentido de flexibilização do Tratado de Assunção.

Mudar este viés de sinceramiento - ideia que na pratica coopera para debilitar ainda mais o MERCOSUL como projeto de integração -, significa aprofundar acordos regionais, buscando construir sinergias positivas entre as economias que sirvam, inclusive, para superar a crise econômica em que nos encontramos. Ou seja, significa expandir o GAN, transformando-o em projeto político de todos os participantes do bloco, e responder a crise com investimento.

Para isso, além de buscar novos parceiros externos, como uma espécie de “salvação liberal” para o MERCOSUL, transformando o bloco em uma simples plataforma de negociação para abertura de mercados, é preciso investir na construção de parcerias que visem à integração produtiva. Como disse em entrevista à Folha de São Paulo (2015) o candidato peronista à presidência da Argentina, Daniel Sciole:

O importante é que fortaleçamos o bloco [MERCOSUL] desde aqui, da região. Quiseram nos dividir, quiseram nos confrontar, com o objetivo de nos subordinar. Mas há uma grande consciência disso e eu já falei com Lula e

Dilma (CARNEIRO; COLOMBO, 2015).

Todavia, para além das declarações de boas intenções com relação ao bloco, o que pode ser encontrado nos discursos de todos os presidentes dos Estados-membros44, a integração necessita de atos, que, por extensão, necessitam do encontro de interesses em comum que vão para além de conveniências liberalizantes.

Voltemos então aos propósitos de relações estratégicas entre Brasil e Uruguai para pensarmos a integração por esses interesses em comum. Desde logo, com alguns interesses da parte uruguaia que podem serem interseccionados com interesses brasileiros.

Em termos econômicos, o Uruguai tem como premissa a necessidade urgente de ampliar seu mercado para exportação, haja vista a persistente situação de déficit do balanço comercial do país ou atrair investimento estrangeiro. Tendo uma produção pouco diversificada, a necessidade de abrir-se é fundamentalmente para o país, situação mais emergencial que em países com outras circunstâncias.

De outro modo, o Uruguai busca diversificar sua pauta de exportações e as atividades em que atua. Na região – ainda que estes projetos estejam em discussão -, busca ser o mais importante centro logístico, através da construção do Porto de Rocha, disputando volumes de cargas operadas nos portos do Cone sul. Conforme afirma o ex-gerente geral da Administração Nacional dos Portos (2000-2005), Julio Coppola, em entrevista ao periódico uruguaio El Observador :

Uruguay tiene un negocio de logística orientado hacia la región que es importante. El país vende muchos servicios logísticos, y con el puerto de aguas profundas lo consolida, porque empiezan a haber más cargas, más movimientos, y eso genera experiencia, prestigio, que consolida vocación de servicio. Yo creo que en otro lado se va a hacer, si no lo hace Uruguay lo va a

hacer Brasil probablemente [...] (OBSERVADOR, 2015).

Na outra ponta, no interior do Rio da Prata, o país visa, abrindo espaços para o deslocamento pelo Oceano Atlântico de mercadorias vindas da Bolívia e do Paraguai, através do Porto de Nueva Palmira, somar novos esforços na direção de se consolidar como polo logístico regional de redistribuição de mercadorias e prestação de serviços portuários.

Sendo primeiro acesso ao continente pela Bacia da Prata, o Uruguai se posiciona geograficamente, através do Porto de Montevideo, como uma das melhores alternativas para construção de um eixo regional de circulação de mercadorias no Cone Sul, o que pode tornar sua importância econômica muito maior, em comparação com seu pequeno mercado:

44 Especial retrato desta realidade é encontra na série de entrevistas com presidentes da região, realizadas pelo

si se consideran índices de tamaño de mercado que ponderan los otros lugares del espacio económico con los que se tiene relación, por ejemplo en función de la distancia, Uruguay pasa al cuarto lugar. En efecto, los tres nodos industriales del MERCOSUR son: la región sudeste de Brasil (que incluye al Estado de San Pablo), la región central de la Argentina (que incluye a la Provincia de Buenos Aires), y la región Sur de Brasil (que incluye los tres Estados del sur). El cuarto nodo en cuanto a tamaño de mercado propio y relación con mercados grandes es Uruguay. De allí que se lo denomine con el calificativo de nodo geográfico.(CAETANO, VAILLANT, 2004, p.27)

Nas figuras abaixo, podemos ver os dois pontos que levantamos com respeito ao Uruguai, eixo logístico regional. A primeira figura é referente ao projeto do Porto de Rocha, que ainda encontra dificuldades para avançar, dadas as discordâncias internas no Uruguai. O ex-presidente do país e atual senador, José Pepe Mujica, é grande incentivador da medida, mas seu sucessor, ainda que do mesmo grupo político, tem dado demonstrações de estar menos entusiasmado com o projeto:

FIGURA 6 – PROJETO DE SUPERPORTO NO URUGUAI E PORTOS BRASILEIROS PRÓXIMOS

Fonte: (CALDAS, 2014)

Dentre os vários problemas que têm freado as expectativas e a própria construção do porto, há o impasse com o projeto Aratirí. Localizado entre os departamentos de Treinta y Treis, Durazno y Florida, o plano de extração de minério de ferro da região era uma das

estrututuras que davam sustentação a construção do superporto de águas profundas de Rocha, reduzindo seus custos e lhe transmitindo maior viabilidade econômica, já que o minério de ferro extraído de Aratirí, pela companhia estrangeira Zami Ferrous, seria levado até o porto previsto na região, através de um mineroduto, como podemos ver na figura 7:

FIGURA 7 – MAPA DE LOCALIZAÇÃO DO PROJETO VALENTINES

Fonte: (PLANAVE,2014 apud MINERARÌA ARATIRÍ, 2011)

Dos 2.800 milhões de dólares previstos em investimentos na primeira etapa do projeto de extração de minério pela empresa estrangeira, 31% seriam destinados à construção de um terminal portuário, 25% a construção de uma fábrica no Departamento de Durazno, 10% no Mineroduto, entre outros investimentos, com uma prospecção inicial de 30 anos de exploração.

A queda do preço internacional do ferro está entre as explicações para a letargia do projeto Aratirí, entre cujas causas podemos encontrar os próprios problemas da empresa Zamin Ferrous. Apenas investigando alguns investimentos da empresa no Brasil, observamos uma série de denúncias de irregularidades trabalhistas, abandono de obras e descumprimentos de acordos firmados em processos de concessão pública.

Apesar de, como enfatiza o ex-presidente José Pepe Mujica, o Superporto de Rocha não ter sido planejado para Aratirí, é visível que sem a sua robustez de demanda, se torna muito difícil reunir capacidades de financiamento e apoio político interno para a obra.

O fato de o empreendimento uruguaio estabelecer um processo de concorrência por cargas com os portos brasileiros mais próximos e o porto de Buenos Aires, é também um forte empecilho ao avanço do projeto. Por isso a ideia de cooperação tende a ser a norma, quando se fala do Porto de Rocha, numa espécie de concepção de Rocha como um terminal de integração regional, administrado por todos os países do MERCOSUL: a ideia de um Porto Regional.

No eixo do Porto de Nova Palmira, que podemos observar melhor na figura 8, a estratégia do Uruguai é aproveitar o fluxo de mercadorias da hidrovia Paraguay-Paraná – um dos mais importantes e extensos canais de comunicação regional na América do Sul, estendendo-se do Porto de Cáceres no Brasil, Mato Grosso, ao Puerto de La Plata, na Argentina.

FIGURA 8 - Hidrovia Paraguay- Paraná

Para concretizar estes e outros projetos, a parceria com o Brasil seria estratégica para o Uruguai. Portanto, é do interesse do país vizinho estreitar relações, integrar-se economicamente com o Brasil, particularmente se ligando com a demanda de produção da economia brasileira, por meio das necessidades do setor de petróleo e da indústria naval do país, o que – somado as iniciativas internas de transformação do Uruguai em polo logístico regional – irá gerar emprego, renda e desenvolvimento. Além, é claro, de todos os outros projetos de integração presentes no GAN.

Representando estes objetivos de integração entre Brasil e Uruguai, o Grupo de Integração Produtiva do MERCOSUL aprovou dois projetos de integração , a serem apoiados pelo FOCEM, na decisão CMC 09/2010 o Projeto de Adensamento e Complementação Automotiva e pela decisão CMC 10/2010 o Projeto de Qualificação de Fornecedores da Cadeia produtiva de Petróleo e Gás. Além disso, desenvolveu projetos de atividades de integração envolvendo áreas como energia eólica, aeronáutica, erva mate, produtos fitossanitários e metamecânica (LEMOS et al, 2010, p.245)

As ações mais concretas direcionadas a efetivação destas diretrizes vieram tanto por meio das medidas de integração ferroviária, que ligam a capital do Uruguai, Montevideo, ao centro industrial brasileiro, São Paulo, como os projetos de integração energética por meio da parceria de investimentos da Eletrobrás, empresa brasileira de energia e da UTE, Administración Nacional de Usinas y Transmissiones Elétricas (UTE), do Uruguai.

Para o Brasil, a parceria estratégica abre novos campos de investimento para as empresas nacionais e multinacionais instaladas aqui, tende a fortalecer a presença econômica brasileira no país vizinho, permite a criação de vínculos positivos entre empresários das duas regiões, para melhorarem em competitividade e inovação, reduzindo custos de P&D. Em margens mais longínquas, permite ao país a barganha de um apoio político do Uruguai nos fóruns internacionais em que o Brasil tenta se posicionar como importante voz global.

As negociações avançaram para além da retirada, para o Uruguai, de dupla tributação cobrada pelo Brasil na reparação de navios nacionais em portos estrangeiros, tendo a própria produção de bens e serviços da indústria naval de ambos os países consideradas como de conteúdo local ou insumo nacional pelo Acordo Naval e Offshore entre ambos em 2014. No acordo de complementação econômica número 2, os países declaram novamente a importância de incentivar investimentos no setor, incrementar o comércio entre eles e com o resto do mundo, bem como promover negociações para uma possível Política Naval e

Offshore do MERCOSUL (PNM). Trata-se de um caminho comum que pode permitir um salto qualitativo de todos os países envolvidos.