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2 OS FUNDAMENTOS TEÓRICOS 1 O RECÔNCAVO DA BAHIA

2.2 O DISCURSO JORNALÍSTICO E A ATRIBUIÇÃO DE SENTIDOS 1 As origens do jornalismo

2.2.2 Trajetórias da imprensa brasileira

A imprensa surge oficialmente no Brasil em decorrência de uma iniciativa do próprio príncipe regente, dom João, que em 13 de maio de 1808 assinou decreto permitindo o uso de prelos no território da colônia. Neste ano, chegaram as primeiras tipografias instaladas em solo brasileiro. De acordo com Nelson Werneck Sodré (1977, p.22), o ato real deu início à Imprensa Régia, instituição responsável exclusivamente pela produção de toda a legislação, atos proclamações e papéis diplomáticos a serviço da corte. Este, portanto, pode ser considerado o marco tardio do início da imprensa no Brasil Colônia. A primeira edição da

Gazeta do Rio de Janeiro, veículo impresso oficial, saiu das oficinas instaladas na Rua dos Barbonos, no Rio de Janeiro, no dia 10 de setembro de 1808. “Era um pobre papel impresso, preocupado quase que tão somente com o que se passava na Europa, de quatro páginas” (SODRÉ, 1977, p.23). Publicar um jornal era monopólio da corte portuguesa.

Este seria, portanto, o marco considerado oficial para o surgimento da imprensa brasileira. Contudo, uma pequena nota de variedades publicada no jornal cachoeirano O Progresso, em edição de final do século XIX6, afirma que a primeira tipografia instalada no

Brasil decorreu de iniciativa de holandeses em terras pernambucanas, entre os anos de 1634 e 1654. Seu primeiro impresso teria sido o Brasilsch Gelt-sok (bolsa do dinheiro brasileiro). Segundo a nota, que não foi assinada pelo redator, havia ainda uma outra tipografia na cidade do Rio de Janeiro em 1759, fundada por Antonio Isidoro da Fonseca e que teve entre as primeiras obras os exames para artilheiro e bombeiro. Tanto a tipografia quanto suas publicações teriam sido sequestradas pelo governo português.

De qualquer forma, imprensa independente do poder real e com opinião própria, nacionalista, era feita no início do século XIX, principalmente através do Correio Braziliense, impresso na Inglaterra por Hipólito José da Costa, a partir de 1º de junho de 1808, ou seja, três meses antes da Gazeta do Rio de Janeiro. Editado no exterior e geralmente contrabandeado para o Brasil, o jornal tinha um caráter eminentemente doutrinário e muito pouco noticioso, abordando as grandes questões nacionais sempre a partir de uma perspectiva europeia. A propósito de uma possível função formativa da imprensa no fim do período colonial, enquanto instrumento de universalização do pensamento burguês em sua fase liberal, pesquisa de Marcília Rosa Periotto (2004, pp.61-83) avalia a estreita vinculação que teria mantido o Correio Braziliense, entre os anos de 1808 e 1822, com o processo de independência e afirmação da ideia de nação.

Defende que, a partir do momento em que dom João VI permitiu a instalação da imprensa em território do Brasil, dezenas de periódicos foram surgindo, sempre com o objetivo claro de participar do jogo político que se desenrolava. Não tinham estes jornais o objetivo de noticiar, mas sim de produzir e reverberar acontecimentos, de inflamar o debate político não apenas a partir de uma visão partidária, mas de difusão de ideais. Ao tempo em que a ordem burguesa se consolidava na Europa, crescia nas colônias o anseio por liberdade, noção identificada com os princípios de igualdade, progresso e identidade nacional. Tais jornais queriam a reforma das instituições, mas sem a participação popular. Na carta de

princípios publicada em seus primeiros números, o Correio Braziliense, por exemplo, comprometia-se em preparar o povo para o regime liberal que se inaugurava, destacando que era a educação alavanca principal desta transformação social. Ideário que batia de frente com o papel absolutista representado pela coroa portuguesa.

Fundamentado na lógica positiva e racionalista da modernidade, o jornal de Hipólito da Costa passou a defender questões como o fim da escravidão, embora sem deixar de considerar as implicações de ordem econômica que representaria para a colônia, pugnando então pela necessidade de estabelecer um pacto de reordenamento do poder nacional. Não clamava o fim da monarquia, mas do absolutismo, a partir da adoção de uma forma representativa de governo, a exemplo do que ocorrera na Inglaterra. O fim do trabalho escravo deveria, portanto, gradualmente levar à inserção de novos processos e agentes produtivo, capazes de gerar progresso social e econômico.

Ao longo desta trajetória editorial, o Correio Braziliense reforçava sua vocação pedagógica, inclusive traduzindo e publicando em capítulos as obras dos pensadores liberais que iam se destacando no Velho Continente ou ainda as cotações dos produtos agrícolas que exportávamos, as taxas cambiais e outros informes econômicos. Teria sido educativo, portanto, o principal papel histórico deste veículo impresso, a exemplo do que ocorria em maior ou menor grau com grande parte da imprensa no século XIX.

Marisa Lajolo e Regina Zilberman (2002) advertem, por sua vez, que além de muito defasada em relação à Europa, a atividade tipográfica não chegou ao Brasil acompanhada pela necessária e correlata difusão dos produtos impressos, a exemplo não só dos jornais, mas também dos livros e de toda a gama de instituições que existe em razão deles, entre escolas, bibliotecas, livrarias e editoras. A situação não melhoraria muito para o ambiente da cultura escrita até os anos de 1820, com a abolição da censura prévia, mas principalmente em 1821, quando acabou o monopólio estatal da imprensa. “Por essa época, multiplicam-se as tipografias e os livreiros, muito embora nos pontos de venda os livros continuem disputando espaço com outras mercadorias” (LAJOLO; ZILBERMAN, 2002, p.117).

A partir daí, surge uma imprensa independente, mas com características marcantemente liberais e assumidamente militante em favor da república, a exemplo da Gazeta de Notícias e do Jornal do Commercio. As primeiras grandes empresas jornalísticas, efetivamente envolvidas em atividades comerciais e industriais regulares, somente começariam a surgir a partir de 1890, com a inauguração do Jornal do Brasil e do Correio da Manhã. Segundo Marialva Barbosa (2007) o cenário da imprensa carioca - que, de certa forma, pode ser extrapolado para o quadro nacional - foi marcado na passagem do século XIX

para o XX pela introdução das novas tecnologias da informação, a exemplo do telégrafo, do telefone, a linotipo e as impressoras Marinonis, que aceleraram e multiplicaram a produção e o perfil dos periódicos da época. Além das inovações técnicas, que permitiram a reprodução de fotos e ilustrações, houve também mudanças na linha editorial dos jornais, que passaram a valorizar mais as notícias em detrimento da opinião, fazendo consolidar-se a figura do repórter de rua. As empresas jornalísticas começavam a se estruturar e a publicar mais de um título, enquanto surgiam os primeiros escritórios de agências noticiosas estrangeiras e as primeiras agências de publicidade.

De fato, só é efetivo falar em veículos de comunicação inseridos em uma lógica de indústria cultural no Brasil a partir do início do século passado, com a era do rádio (década de 1920) e as grandes revistas tipo magazine, como O Cruzeiro, que começou a circular em 1928. Desde então, vieram os jornais de porte nacional (Jornal do Brasil, O Estado de S. Paulo), a editoras (Bloch, Abril) e as grandes redes (Diários Associados, Globo). Conforme reconhece José Marques de Melo (1974), o primeiro curso superior de jornalismo a ser instalado no Brasil foi o da Universidade do Distrito Federal, no Rio de Janeiro, no ano de 1935, por iniciativa do educador baiano Anísio Teixeira.

Barbosa (2007, p. 103) diz que o período compreendido entre 1930 e 1940 seria marcado pela atuação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) do governo Getúlio Vargas, com o cerceamento da liberdade de imprensa e a censura, acrescentando que:

Ainda que haja a clara utilização dos meios de comunicação - inclusive os mais modernos, como o rádio - para atingir um público agora identificado como massa, há também o alinhamento dos dirigentes das principais publicações com o regime. Ainda que haja encampação de alguns periódicos, perseguição de outros tantos, há mais proximidades, acordos e relações conjuntas entre os homens de governo e os homens de imprensa do que divergências.

Em sua análise sobre a trajetória da imprensa nacional, Maria Amélia Mamede (1996) propõe um roteiro que parte das décadas de 1940 e 1950 como de consolidação da atividade jornalística como empresa comercial. A tevê, sobretudo, começa a adotar padrões empresariais. Novas técnicas e procedimentos copiados principalmente do que se praticava na imprensa norte-americana são introduzidos nas redações. Nos jornais, surge a figura do copidesque (ou redator) e os primeiros manuais de redação começam a falar em lead, em objetividade e imparcialidade, enquanto os parques gráficos vão sendo modernizados. A ideia de renovação também atinge o perfil editorial dos próprios jornalistas, conforme analisa

Barbosa (2007, p. 150) ao afirmar que “o que se procura construir naquele momento é a autonomização do campo jornalístico em relação ao literário, fundamental para a autoconstrução da legitimidade da própria profissão”.