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Os semioticistas afirmam que toda semiótica é, por definição, política e costumam entendê-la e representá-la, primeiro, por meio de polarizações, pois o sentido se constrói e se fundamenta nas estruturas binárias da vida social, ancorando-se na mídia. Esta tem caráter institucional reconhecido, porque sua função é representar sujeitos, isolados ou não, que não tenham acesso às formas de comunicação que lhes possam dar voz.

A noção de relações binárias é bastante antiga e fundamenta o conceito de categorias. Surgiu a partir da atividade ou do fazer lingüístico, revelando-se sob duas formas: a do tipo A/ń, que se caracteriza pela oposição formada pela presença e ausência de um traço representativo de determinada natureza; e a do tipo A/não-A que se caracteriza por manifestar um mesmo traço, mas apresentado de maneira distinta.

Greimas & Courtés (1979: 364), comentando a geração dos termos categoriais, afirmam que, para sua observação:

Basta partir da oposição A /não A e, levando em conta que a natureza lógica dessa relação permanece indeterminada, denomina-a eixo semântico, para se perceber que cada um dos dois termos desse eixo é suscetível de contrair separadamente uma nova relação de tipo A/ń.

A representação desse conjunto de relações apresenta-se com a forma de um quadrado:

A não A

não-ń ń

As linhas representam percursos possíveis e pontuam diferentes relações. A que liga A e não-A indica a relação de contradição, pois seus

termos não podem se apresentar juntos. A que faz a ligação de A com ń introduz os termos contraditórios, ou melhor, a noção de contraditoriedade. Pode-se também prever uma linha ligando não-ń a A e reconhecer a relação de complementaridade.

As categorias semânticas podem mudar seus termos e focalizarem grande maioria deles, como, por exemplo, vida vs. morte, natureza vs. cultura ou identidade vs. alteridade, mas as relações que esses termos mantêm entre si não mudam, terão sempre o valor contrariedade ou contradição. A semiótica considera, ao lado da categoria do plano inteligível, a categoria do plano sensível, estabelecendo o termo, categoria eufórica, para denominar a sensibilização positiva, e categoria disfórica, para a negativa. Assim, os termos contrários, euforia vs. disforia, formam a categoria fórica que, ao lado da categoria semântica, formam o nível fundamental do percurso gerador de sentido.

A esse respeito, Landowski (1997: 7) acrescenta:

Conseqüentemente, sendo as atitudes e comportamentos que fazem a “diferença” do dessemelhante vistos, mais ou menos, como puros acidentes da natureza – e não como elementos que assumiriam sentido no interior de uma (outra) cultura –. o Outro se encontra de imediato desqualificado enquanto sujeito: sua singularidade aparentemente não remete a nenhuma identidade estruturada. E é finalmente este desconhecimento – ingênuo ou deliberado – que fundamenta a boa consciência do Nós em sua intenção assimiladora: não só o estrangeiro tem tudo a ganhar ao se fundir de corpo e alma no grupo que o acolhe, mas, além disso, o que ele precisa perder de si mesmo para aí se dissolver como lhe é recomendado não conta, estritamente falando, para nada.

Tendo como referência a classe dominante, utilizam-se as polaridades, semelhante vs. dessemelhante e identidade vs. alteridade, para nortear o exame do percurso político de Lula e reconhecer quatro posições possíveis de corresponder às suas transformações identitárias.

1. SINDICALISTA 3. GOVERNANTE

Dessemelhante Semelhante

sujeito radical sujeito em estado de graça

4. GOVERNANTE CANDIDATO 2. CANDIDATO. Não-semelhante Não-dessemelhante sujeito sem memória sujeito soft

O quadrado semântico corresponde às quatro posições de Lula no cenário político brasileiro atual, mas forma uma figura que não está fechada, porque as transformações ainda estão em curso.

1. Lula radical – ocupa a posição de dessemelhante, caracterizada pelo querer e dever ser oponente do sistema político e governamental estabelecido, por meio da atividade de sindicalista e, posteriormente, de presidente do PT. A identidade radical revela-se em seu fazer pragmático e ideológico, norteador da discursividade de seu primeiro discurso (D1). Para o radical, o trabalho é forma de exploração da classe operária pela classe dominante.

2. Lula-soft – coloca-se na posição de não-dessemelhante, pois é candidato a presidente do país e, a conselho de seu assessor de marketing, muda seu modo de ser (torna-se gentil, mais controlado e acessível: postura de paz e amor) e de parecer (emagrece, passa a usar ternos e a apresentar-se mais formalmente do ponto de vista verbal e visual). Para o soft, o trabalho é uma forma de coexistência possível, em que tanto uma classe como outra pode dar e receber. 3. Lula estado-de-graça – é o presidente eleito, o governante, feliz,

realizado como semelhante ao ideal de presidente, confiante na possibilidade de se transformar em figura conhecida e bem aceita por toda a nação, encantado com o poder de seu carisma sobre não

apenas o povo brasileiro, mas a comunidade global, conforme demonstra o discurso de posse.

4. Lula sem-memória – o presidente assume a autoridade, governa segundo seu alvitre e apresenta-se à reeleição, esquecendo muitos dos princípios e posturas defendidos outrora (como sua promessa de transparência na política). É esse "desconhecimento – ingênuo ou deliberado –", usando as palavras de Landowski, que explica porque suas diferenças, pitorescas ou condenáveis, mostram identidade não- semelhante à figura esperada de um presidente renovador. Ao assimilar a cultura do Outro, perde a que era própria dele e julga, retomando ainda as palavras desse autor, que esta não mais "deve contar para nada".

As posições de Lula são próprias de um apaixonado, identificam determinada identidade, como comprovam Fontanille & Zilberberg (1998: 298):

O efeito de sentido passional é de fato, na perspectiva que defendemos, eminentemente cultural, repertoriado numa “enciclopédia” específica do domínio passional peculiar a cada cultura. De certo modo, vivenciar uma paixão seria mesmo conformar-se a uma identidade cultural e buscar a significação de nossas emoções e afetos na sua maior ou menor conformidade às taxionomias acumuladas em uma cultura.

Em um país imenso e multicultural, quanto tempo necessita o sujeito pós-moderno, fragmentado, como afirma Ferreira, para experimentar transformações e definir sua identidade?

Do ponto de vista semiótico, o sujeito político Lula não completou inteiramente sua identidade presidencial. O segundo mandato e a História deverão traçar a última linha: a que liga a figura do "não-

semelhante" (governante candidato sem memória) à de

"dessemelhante" de sua própria figura anterior (sindicalista radical e pouco instruído), pela agregação das qualidades de um presidente renovador.

A História mítica lhe fornece os exemplos de Prometeu, que se sacrificou para devolver o fogo para os homens; de Hércules, que não

se poupou para fazer seus doze trabalhos; e de Adão que comeu o pão, sentindo o suor de seu rosto. A História reconhece como heróis aqueles que se dedicam ao querer/saber-fazer mudanças, mas não aquele, como Messias, que somente anuncia as novas.

É o éthos (caráter) que leva à persuasão, quando o discurso é organizado de tal maneira que o orador inspira confiança. Confiamos sem dificuldade e mais prontamente nos homens de bem, em todas as questões, mas confiamos neles, de maneira absoluta, nas questões confusas ou que se prestam a equívocos. No entanto, é preciso que essa confiança seja resultado da força do discurso e não de uma prevenção favorável a respeito do orador.

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