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Transbordamentos de produtividade e sua relevância para o Brasil

O trabalho de Hidalgo, Hausmann e outros é relevante para o Brasil pois um país com grande heterogeneidade de produtividade das empresas terá déficit de capacidades produtivas em algumas áreas, o que deverá agir como fator limitador para uma maior diversificação e competitividade da economia. Por exemplo, por mais eficiente internamente que seja um fabricante de materiais elétricos no Maranhão, caso algum maquinário da fábrica dê problema

e não haja serviços especializados de manutenção na região ou existam apenas serviços de má qualidade, a performance do fabricante será afetada.

Uma firma que tenha problema com seus fornecedores, seja por questão de custo, seja por questão de qualidade, terá algumas opções para contornar a situação: (i) trocar seus fornecedores por outros fornecedores locais; (ii) passar a importar seus insumos; (iii) verticalizar parte da produção; (iv) capacitar seus fornecedores.

O problema da solução (i) é que nem sempre ela está disponível. É possível que em regiões de menor “complexidade econômica” – aquelas com menos capacidades produtivas –, os fornecedores sejam oligopolistas. Syverson (2004) mostra como, por conta de altos custos de transporte, fabricantes de concreto em regiões de baixa densidade de mercado seriam menores e menos produtivos. Segundo o Global Competitive Index, do World Economic Forum (2014), o Brasil tem uma das piores infraestruturas de transporte do mundo24. Logo, custos de transporte devem ser não desprezíveis no país, o que pode levar a situações como a da indústria de concreto estudada por Syverson.

Ademais, Kellogg (2011) encontrou ganhos consideráveis de produtividade na indústria de extração de petróleo e gás, tanto da empresa compradora quanto de seu fornecedor, resultantes da manutenção de uma parceria de longo prazo. Tanto fornecedor quanto o comprador se beneficiam de aprendizados associados a um relacionamento longínquo. Esses ganhos de produtividade e os custos decorrentes da busca e da adaptação a um novo fornecedor justificariam uma resistência em trocar de fornecedores, mesmo havendo um concorrente que oferte insumos ligeiramente mais baratos ou de melhor qualidade.

A solução de importar (ii) pode ser interessante, mas para empresas mais distantes da fronteira, os custos, know-how e riscos envolvidos podem ser proibitivos. Utilizando novamente o Global Competitive Index, vê-se que o Brasil é o 10º país mais fechado à competição estrangeira (WEF, 2014). Baumann e Kume (2013) demonstram que as tarifas aduaneiras aplicadas no Brasil são elevadas e não têm apresentado tendência de queda. Os autores também mostram que as tarifas para bens de capitais e intermediários são maiores do que em outros países em desenvolvimento como México, China, Índia, Indonésia25, etc.

24O ranking coloca o Brasil, entre os 148 países pesquisados, em 120º lugar em termos de qualidade geral da infraestrutura, 122º na qualidade das estradas, 95º em qualidade de infraestrutura ferroviária, 122º em qualidade de infraestrutura portuária e 113º em infraestrutura aeroportuária. O único ponto positivo encontrado no ranking de transportes foi o de disponibilidade de assentos em voos, no qual o país ficou em 9º lugar (WEF, 2014). 25Os autores ainda fazem um adendo importante: todos os países por eles comparados (Brasil, China, Coreia, Filipinas, Índia, Indonésia, Malásia, México e Tailândia), com a exceção do Brasil, fazem parte de acordos comerciais com os demais participantes de suas cadeias de valor, o que permite a livre entrada de bens de capital e bens intermediários, ou são membros do Acordo de Tecnologia da Informação, que liberalizou o comércio de computadores, equipamentos de TI, semicondutores e seus componentes (BAUMANN & KUME, 2013).

Além disso, como mostrado em capítulo seguinte, os serviços estão cada vez mais presentes no processo produtivo dos outros setores e, por sua natureza, muitas vezes não podem ser importados26(ARBACHE, 2014). Dado que a maior presença de serviços no consumo intermediário de outros setores não parece ser neutra na performance das empresas, o fato de que eles não podem ser importados facilmente pode significar uma dependência inevitável de empresas a fornecedores de serviços locais, nem sempre próximos de sua fronteira tecnológica. A opção por verticalizar (iii) pode não ser aplicável para empresas de menor porte. Ademais, desviar-se muito de suas atividades principais pode ser ineficiente. Em seu clássico artigo sobre a natureza das firmas, Ronald Coase (1937) argumenta que os retornos em se internalizar as transações de mercado (relações fornecedor-comprador) para a firma são decrescentes (se não fossem, uma única firma produziria tudo internamente). Verticalizar demais aumentaria os custos de organização e fariam com que o empreendedor não alocasse seus recursos da melhor maneira possível.

Considerando-se a maior descentralização da produção nos dias de hoje, é possível que uma estratégia de verticalização não seja adequada. Adam Smith (1776/2003) postulou que a divisão de trabalho e a especialização da mão de obra levam a ganhos de produtividade nas firmas. Similarmente, as empresas estão focando cada vez mais em suas especialidades (BERLINGIERI, 2013). Portanto, por mais que depender de outras empresas menos eficientes resulte em perdas, é possível que, ainda assim, os custos sejam menores do que os decorrentes da perda de foco e de problemas de coordenação da firma advindos de uma maior verticalização. Essa questão é debatida em maior profundidade no Capítulo 4.

Por fim, capacitar os fornecedores (iv) é custoso e pode não ser viável para empresas menores. Ademais, conforme mostrado por Acemoglu et al. (2012), as complexas redes de fornecedores e compradores fazem com que choques de produtividade em fornecedores de segundo nível possam ter mais impacto do que choques em fornecedores diretos. Desse modo, por mais que a empresa capacite o seu fornecedor direto, se este comprar de um fornecedor de baixa performance sem capacitá-lo, é possível que o problema não seja resolvido.

Não por acaso, grandes empresas brasileiras como a Gerdau, Vale e Petrobrás têm parceria com o Sebrae em um programa para capacitar as micro e pequenas empresas presentes em suas cadeias de valor (SEBRAE, 2014b). O simples fato de essas parcerias existirem parece demonstrar que: (i) de fato há problemas relacionados à assimetria de performance na relação

26Imagine o caso de uma empresa que precise de serviços de um eletricista. Por conta dos custos de se importar ou trazer algum profissional de outra região, o mais provável é que ela se utilizará de algum profissional local, mesmo que ele esteja longe da fronteira de eficiência possível.

fornecedor-comprador, em especial quando a relação é entre MPEs e grande empresas; (ii) esse problema afeta até mesmo as empresas de maior porte, que são teoricamente mais produtivas e que teriam mais capacidade de escolher fornecedores nacional e internacionalmente ou até mesmo de se apropriar mais de seu processo produtivo; e (iii) há espaço para política pública nesse sentido, afinal, se todo o benefício da capacitação dos fornecedores fosse internalizado para os grandes compradores, essas próprias empresas racionalmente fariam a capacitação sozinhas, sem ajuda de instituições como o Sebrae.

Dadas as dificuldades das soluções e a realidade cada vez mais descentralizada da produção, é possível que depender de outras empresas seja algo inevitável nos dias de hoje. Logo, pensar empresas e setores de forma isolada, como se suas performances fossem neutras, parece-nos insuficiente para a realidade atual. A produtividade de uma empresa ou setor dependerá não somente de si próprio(a), mas também de suas interações com outros entes produtivos.

Diante do exposto, foram identificados cinco pontos cruciais para a discussão proposta neste trabalho. São eles: (i) fornecedores e compradores têm influência na performance um do outro; (ii) há uma maior interdependência entre empresas, gerada principalmente pela maior descentralização da produção; (iii) as cadeias de valor estão cada vez mais complexas; (iv) há um quadro de grande heterogeneidade de produtividade das firmas no Brasil (como discutido adiante); e (v) os custos de transporte e de importação no país são altos. Logo, estudar o quanto a descentralização da produção afeta a produtividade de empresas e setores é importante. Isso porque não devem ser raros, no Brasil, os casos de empresas mais produtivas “presas” a fornecedores de baixa performance, e os impactos disso para a produtividade agregada provavelmente não são desprezíveis.

No próximo capítulo, apresentamos um aspecto que nos parece ser essencial para o debate proposto neste trabalho: a maior descentralização da produção por meio da presença de serviços no consumo intermediário de empresas de outros setores. Uma maior modularização da produção pode fazer com que empresas e setores se tornem mais interdependentes e se influenciem mais fortemente.

4 SERVIÇOS E SUAS INTERAÇÕES COM O RESTANTE DA ECONOMIA

4.1 Introdução

Este capítulo discute a presença dos serviços na economia, sua interação com os demais setores, e como ela pode afetar o processo produtivo e a performance das empresas e dos demais setores. Como demonstrado, essa relação não é estática e, na verdade, tem crescido ao longo do tempo. Esse assunto é especialmente relevante para este trabalho pois o crescimento de serviços está em grande parte relacionado à maior descentralização da produção, o que gera maior interdependência entre diferentes empresas e setores da economia.