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6 RESISTÊNCIA E HUMANIZAÇÃO: A (TRANS)EMANCIPAÇÃO E

6.3 TRANSEMANCIPAÇÃO: CONCEPÇÕES INTERSUBJETIVAS

Inicialmente nossa ideia é pensar a emancipação como sendo algo que transcenda as concepções consciente de emancipar-se para libertar-se da condição de oprimido bem como ocorre o desenvolvimento do processo emancipatório. Sabemos que o conhecimento cientifico por si só não assegura a emancipação dos sujeitos é preciso aprofundar as discussões do campo científico com a realidade cotidiana das pessoas para que essas pessoas possam se reconhecer como pessoas não emancipadas e a partir dessa premissa compreendem que a emancipação leva homens e mulheres à tomada de consciência da condição de oprimidos e assim, buscar libertar-se.

Segundo Tiago Felipe Ambrosini, as categorias sobre emancipação humana ou educação emancipatória nem sempre compreendidas no seu sentido literal, pois,

As categorias emancipação humana ou educação emancipatória são recorrentes nos discursos sobre educação. Porém, nem sempre se compreende ou se deseja compreender seu real significado. Para tanto é necessário partir de uma fundamentação filosófica do conceito a fim de esclarecer o sentido radical da palavra emancipação (AMBROSINI, 2012, p. 378-374).

Para Ambrosini, a concepção de educação emancipatória é aquela que ultrapasse a ideia do ensino puramente técnico, mas que possibilite a tomada de consciência do seu lugar no mundo frente ao mercado de trabalho e as dimensões de uma sociedade plural. “Em Paulo Freire a emancipação deixa de ser somente uma proposta filosófica, social ou crítica, mas passa a ser fundamentalmente uma tarefa educacional, direcionada especificamente para a práxis pedagógica” (AMBROSINI, 2012, p. 386-387). Assim, a contribuição de Paulo Freire é justamente transcender o sentido de emancipação do campo filosófico para o chão das experiências da educação que assegure uma práxis pedagógica de trans-formação social, política e econômica. A emancipação vai sendo ressignificada pela humanização que se opõe à desumanização. Sob essa perspectiva,

Paulo Freire, portanto, elabora um pensamento que fundamenta uma educação para a emancipação, reconhecendo a autonomia do sujeito racional, que tem conhecimento e liberdade, e que coletivamente, sem negar os saberes construídos na experiência, pode romper com a estrutura social opressora e construir uma sociedade emancipada (AMBROSINI, 2012, p. 389).

Nesse sentido, a tomada de consciência possibilita a humanização dos corpos e resistências às estruturas sociais opressoras, ou seja, o corpo das pessoas trans tornam-se o

próprio dispositivo de resistência que se emancipa e leva a emancipação a outros corpos, a libertação do preconceito. O corpo emancipado é aquele corpo consciente do seu papel social e político. Este corpo se constrói individualmente e coletivamente alçando a sua condição de Ser Mais, por meio de uma perspectiva educativa.

As pesquisadoras Menezes e Santiago (2014) apresentam a concepção freireana de educação emancipatório por meio de um currículo emancipado com a finalidade de libertação e humanização dos sujeitos.

A concepção freireana de educação, na qual as finalidades, os conteúdos, as ações estão articulados para possibilitar a humanização e a libertação dos sujeitos contribuiu na orientação das políticas curriculares, construindo um horizonte de possibilidades para a emancipação humana a serviço da transformação social (MENEZES; SANTIAGO, 2014, p. 48).

Quando a escola se compromete com a superação das teorias tradicionais caracterizadas pelo modelo de enquadramento e ajustes das concepções sociopolíticas de ensinar e aprender esta escola, por sua vez, filiar-se à concepção curricular e das teorias críticas de promover efetivamente mudança social. A conscientização crítica possibilita a pessoa trans à ação- reflexão reflexão-ação acerca da sua emancipação intersubjetiva e seu compromisso sociopolítico e cultural utilizando-se do diálogo como instrumento de empoderamento dialético.

A escola (tradicional) ainda é um ambiente basicamente hostil as identidades de gênero- divergente como afirma a pesquisadora mulher trans Letícia Lanz (2017), para ela uma escola que não se compromete com um currículo crítico e dialético reproduz e estrutura suas bases pedagógicas e epistemológicas na reprodução normativa dos corpos e do saber.

Estruturalmente planejada para lidar apenas com alunos cisgêneros e heterossexuais, qualquer variação nesse arranjo é visto como transgressão às próprias normas de funcionamento da escola. Por isso ela continua sendo um ambiente hostil às identidades de gênero-divergentes. Pessoas transgêneras desafiam padrões tradicionais de homem e mulher e são essas duas categorias identitárias que fundamental a própria existência da escola (LANZ, 2017, p. 255).

O processo de emancipação precisa pautar as propostas curriculares estruturantes da concepção de escolar com a realidade contemporânea que é marcada por processos de exclusão silenciamento e invisibilidade enquadradas na concepção tradicional de pensar a escola como espaço para um grupo específico que corresponde ao modelo de cisgeneridade e heterossexualidade de modelo hegemônico de sociedade.

Romper com esses modelos patriarcais-machistas compreende pensar o currículo numa perspectiva crítica-emancipatória como afirmam Menezes e Santiago (2014, p. 60).

Essa compreensão crítico-emancipatória possibilita pensar o currículo na direção de um projeto social que pode colaborar para a emancipação dos homens e das mulheres, assim como, subsidiar a orientação de novos caminhos para a elaboração de políticas curriculares comprometidas com ações educativas coerentes com a proposta educacional libertadora (MENEZES; SANTIAGO, 2014, p.60).

Esse movimento decorre da compreensão da Educação como ato de conhecimento e como ato político. Sendo assim, as pesquisadoras apontam a educação como possibilidade de emancipação-libertação de modelos sociopolítico excludente bem como propostas pedagógicas curriculares que acolham, amparem e acima de tudo criem condições para as pessoas empoderam-se, sobretudo, as pessoas trans. Desse modo, a emancipação é um processo de libertação e humanização que liberta os oprimidos e opressores.

Nessa perspectiva, compreendemos o empoderamento como o processo de auto emancipação que corresponde ao pertencimento de ser e estar no mundo, ou seja, a transformação de um sujeito como sujeito ativo, que obtenha poder de transformação individual e coletiva, isto é, promovendo ações e mobilizações de transformações individuais e coletivas na perspectiva da cidadania.

Dessa forma, a emancipação humana é a capacidade de perceber as contradições sociais, culturais e dialéticas e refletir sobre a contemporaneidade da sociedade e da escola bem como a condição humana das pessoas no cotidiano social e das instituições. A emancipação do corpo transgênero assume o compromisso coletivo de transformação humana por um mundo melhor para si e para o outro.

Podemos afirmar que a transemancipaçao constitui-se na tomada de consciência espiritual/mental e corpórea da pessoa trans, cujo corpo torna-se o próprio dispositivo que se emancipa em coletividade e ao sair da condição de subalternização leva à emancipação.

Fonte: Elaborado pelo autor, 2019.

A tomada de consciência individual corresponde ao processo de subjetivação do seu corpo e identidade diferenciados, perante as condições reais e cotidianas e transfobia que esse sujeito social experimenta e confrontam-se reconhecer e legitimar-se enquanto corpo transgênero e das condições reais das estruturas de opressão.

A consciência coletiva ocorre quando as pessoas trans começam a participar de ações coletivas que visam tanto questionar como transformar as estruturas que mantém e reforçam as desigualdades de gênero.

A transemancipaçao materializa-se quando a pessoa trans cria condições e leva para a cotidianidade meios, instrumentos e/ou dispositivos de transformação, ou seja, o corpo transemancipado legitima-se pela ação-reflexão, reflexão-ação da sua condição humana na perspectiva da libertação. O corpo transemancipado empodera-se da sua condição rompe a trama opressor-oprimido por meio da compreensão das forças de poder que estruturam, suprimem, oprimem e enquadram os corpos em classes, raças, etnias e gêneros. Ao perceber-se emancipado o corpo transgressor atua para mudar-transformar a realidade sociocultural, política e econômica alicerçada na autoaceitação de si. Segundo Laz (2017), aceitar-se é libertador, isto é,

Sentir-se suficientemente empoderada para afirmar diante do mundo a própria identidade extingue o medo, a vergonha e a culpa que afligem a pessoa transgênera, recuperando a sua autoestima e a sua autoconfiança, abaladas pela infância de viver encarcerada no próprio cárcere-armário, as vezes por muitas décadas (LAZ, 2017, p.284).

Figura 5- Processo de Transemancipação

INDIVIDUAL

COLETIVO TRANSEMANCIPAÇÃO

A transemancipação consolida o pensamento crítico da visibilidade com dignidade como conquista individual e coletiva do reconhecimento dos seus corpos por meio da autoceitação, participação nos movimentos sociais, sociopolíticos e econômicos. A transformação-humanização valoriza as identidades intersubjetivas e sociopolíticas de ser e estar no mundo.

A transemancipação é uma conquista processual, não linear, de construção de várias linhas emancipatórias que possibilita cortar as linhas negativas de estigmatização, disciplinarização, regulação promovidas pelo biopoder. Nisso, reverter os efeitos negativos do biopoder e suas biopolíticas que passa também pelo desenvolvimento do sentimento de pertença (enquanto instrumento de resistência), e com isso, de encontro e partilha com outras pessoas que aproximam-se em suas experiências, estilos de vida, desejos, projetos.

Nessa direção, é salutar ponderar que, em decorrência dos efeitos do biopoder (exclusão, violências, discriminação, ridicularização, humilhação, disciplinarização) se tornar presente em todas as fases e vivências das pessoas trans, nos mais diversos espaços – espaço familiar, escolar, de lazer, enfim – o enfrentamento ocorre nas redes relacionais cotidianas dessas pessoas.

Isso porque, ainda em conformidade com o pensamento foucaultiano, não há que falar- se em centralização do poder, mas em redes microfísicas de poder, assim, são nessas relações que os corpos abjetivados produzem estratégias de superação em nível de individualidade, coletividade e de construção política.

Desse modo, pensando em vivências transemancipadas e nos remetendo a Butler (2018), quando também sugere entender os corpos abjetivados, nesse caso, das pessoas trans, como agentes de resistências ao biopoder e suas biopolíticas, acredita-se que, um corpo despotencializado pode tornar-se empoderado, um corpo que reinvindica direitos, enfrenta pela própria existência como corpo a heteronormatividade, as normas hegemônicas regulatórias de gênero, desejo, sexualidade, e tornar-se participantes das esferas coletiva de poder.

Como resultado dessas resistências, tanto em nível individual (entender-se ciadadão/ã) quanto no plano coletivo (está organizado sociopoliticamente), empenhadas pelas pessoas trans, suas existências denunciam o binarismo, o moralismo e a universalização que pairam sobre as identidades sexual e de gênero, produzindo formas legitimas e cidadãs de modo de existir.

Isso porque, conforme Freire (1979) quando somos capazes de compreender e enfrentar a realidade, o contexto social pela no qual vivemos, somos do mesmo modo capaz de questionar e desenhar possibilidades, traçar soluções para os desafios que nos apresentam.

7 VOZES E LEITURAS DE SUJEITOS TRANSEMANCIPADOS DE CARUARU: UM