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2.2 Aspectos teóricos de emissões gasosas

2.2.4 Transferência de massa entre fases líquida e gasosa

A transferência entre fases, gás-líquido, é um fenômeno físico de difusão no qual moléculas de gases são trocadas entre uma fase líquida e uma fase gasosa, por meio de uma interface gás-líquido. Essas trocas resultam no aumento da concentração do gás na fase líquida (absor-ção), desde que essa fase esteja subsaturada do gás em questão, sob dadas condições de temperatura e pressão. Por outro lado, há diminuição de concentração na fase líquida (dessorção) quando essa fase está supersaturada (POPEL, 1979).

Se a transferência de gases ocorrer por meio de uma interface gás-líquido, a operação deve ser realizada de modo a maximizar a oportunidade do contato interfacial entre as duas fases. Para manter a eficiência do processo, a renovação contínua dessas interfaces é essencial. No contexto da engenharia sanitária, o sucesso dessas operações deve ser acompanhado da redução dos custos de implantação e de operação (energia) (POPEL, 1979).

Antes de aprofundar no tema transferência de massa entre fases, é importante deixar claro os conceitos de solubilidade de gases em meio líquido. Em um ambiente onde haja uma interface de contato líquido-gás, ocorre troca contínua entre as fases líquida e gasosa. Em condição de equilíbrio, a saturação na fase líquida é alcançada, ou seja, a quantidade de moléculas que se desprendem é igual à quantidade que é absorvida. Essa condição define o próprio conceito de solubilidade (POPEL, 1979).

Avaliar qual fase controla a taxa de transferência de massa é importante para otimizar o design e a operação de processos de aeração e de stripping de ar (MWH, 2005), o que pode ser conseguido por meio da teoria dos dois filmes.

2.2.4.1 Teoria dos Dois Filmes

De acordo com Cussler (2009), são três importantes teorias sobre transferência de massa fases ar-água: teoria dos Dois Filmes, teoria do trespasse e teoria da renovação em Superfície.

Programa de Pós-graduação em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos da UFMG 36 Entretanto, o autor alerta que essas teorias sobre transferência de massa raramente podem substituir os testes experimentais. Ressalta-se que os valores obtidos por meio de previsões não são uma alternativa aos experimentos; esses valores são uma relativa apreciação do que realmente possa estar acontecendo de fato. Neste item será abordada a teoria dos dois filmes, considerada a mais relevante para o contexto do presente estudo.

Segundo Hvitved-Jacobsen (2002), a resistência ao transporte de massa é esperada principal-mente nas finas camadas, líquida e gasosa, localizadas na interface, como nos dois filmes, onde os gradientes podem ser indicados (Figura 2-4). A resistência à transferência de massa na interface é considerada desprezível. Do ponto de vista teórico, a condição de equilíbrio existe na interface.

Figura 2-4: a) Gradiente de concentração e b) situação de equilíbrio.

Fonte: adaptada de Hvitved-Jacobsen (2002), apud Souza (2010).

Em relação às condições na interface, a fronteira entre duas fases homogêneas não pode ser considerada como um simples plano geométrico, sob o qual em ambos os lados se estendem fases homogêneas, mas sim como uma lâmina de filme com uma espessura característica: o material nessa interface apresenta diferentes propriedades daquelas apresentadas nas fases homogêneas e contínuas (fase líquida e gasosa), portanto as propriedades da matéria na camada superficial que está sendo considerada (DAVIS; RIDEAL, 1963).

Se uma molécula passa através de uma interface gás-líquido, ela encontra, em geral, uma resistência total R, que é a soma de três resistências de difusão, devido, respectivamente, à difusão na fase gasosa, através da região monomolecular de constituição da interface e através da fase líquida abaixo da interface. Isto pode ser expresso como (Equação 2.8):

Programa de Pós-graduação em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos da UFMG 37 em que

R = igual à resistência total; RG = resistência da fase gasosa;

RI = resistência na região da interface; e

RL = resistência na fase líquida.

RL é geralmente a maior, correspondendo à difusão molecular do soluto através de uma

camada líquida, não turbulenta, adjacente à superfície. Por exemplo, se amônia ou CO2 estão sendo absorvidos a partir da fase gasosa para uma solução em meio aquoso, RL se torna relativamente importante em se tratando do controle da taxa de absorção. Isto também é verdade em relação à dessorção de um gás a partir de uma solução para a fase gasosa. Geralmente, RL é da ordem de 102 a 103 s.cm-1, embora o valor exato seja uma função da hidrodinâmica do sistema, portanto várias condições de hidrodinâmicas podem demonstrar uma variedade de equações relacionando RL com o número de Reynolds e outras variáveis do sistema (DAVIS; RIDEAL, 1963).

De acordo com a teoria dos dois filmes, é apropriado considerar o transporte de compostos voláteis entre as fases líquida e gasosa em dois passos: da fase líquida para a interface e da interface para a fase gasosa, ou vice-versa. A força motriz para a transferência de massa por unidade de área superficial da fase aquosa para a interface e da interface para a fase gasosa é determinada pela diferença entre a fração molar atual, xA e yA, e seus valores correspondentes, quando em equilíbrio, assumidos na interface, xA* e yA*:

JA = kLA . (xA - xA*) (Equação 2-9) JA = kGA . (yA* - yA) (Equação 2-10)

em que

JA = taxa de fluxo do componente A (molesA.m-2.s-1);

kLA = coeficiente de transferência de massa de A na fase líquida (m.s-1);

kGA = coeficiente de transferência de massa de A na fase gasosa (m.s-1);

xA = concentração molar de A na fase líquida (molesA.m-3);

yA = concentração molar de A na fase gasosa (molesA.m-3);

xA* = concentração de A na fase líquida quando em equilíbrio na interface; e yA* = concentração de A na fase gasosa quando em equilíbrio na interface.

Programa de Pós-graduação em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos da UFMG 38 De fato, a força motriz necessária para transferência de massa entre as fases líquida e gasosa resulta da ruptura do equilíbrio do sistema (MWH, 2005).

Cada uma das equações, 2.9 ou 2.10, poderá ser considerada a mais importante, dependendo de qual parcela dos limites interfaciais tem a maior resistência ao transporte de massa. Se, por exemplo, a maior resistência for no filme líquido, tal qual kLA < kGA, a equação 2.9 será a de maior relevância em relação à taxa de fluxo entre as fases.

Cada um dos coeficientes de transferência de massa, kGA e kLA, pode ser interpretado como o coeficiente de difusão molecular, D, dividido pela espessura do filme, z, para as fases gasosa e líquida, respectivamente, por exemplo, k = D/z. Entretanto, essa interpretação não tem significado na prática, devido à falta de conhecimento sobre a espessura dos filmes. Segundo Cussler (2009), a espessura (z) é dificilmente conhecida a priori, mas pode ser encontrada por meio de medições de k e de D. Já Popel (1979) salienta que se a taxa que governa os mecanismos de transporte através dos dois filmes for apenas a difusão molecular, que é um processo bem mais lento do que a convecção, por exemplo, os filmes oferecem a única resistência para os processos de transferência de massa. Desta forma, assumindo-se a condição de estado estacionário, em termos de ausência de turbulência (dg e dL constantes), e as concentrações de gás na interface (cgi e cLi sejam constantes), as seguintes equações são obtidas:

- para o filme gasoso:

zg c c A D m g ggi  . . (Equação 2-11) - para o filme líquido:

zL c c A D m LiL . . (Equação 2-12) em que

m = transporte de massa por unidade de tempo (g/s); A = área superficial (m);

cli = concentração na interface do filme líquido;

cL = concentração de um composto gasoso na fase líquida;

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zL = espessura da camada do filme líquido (m);

cg = concentração do composto na fase gasosa;

cgi = concentração do composto na interface gasosa;

Dg = coeficiente de difusão molecular no meio gasoso (m2.s-1); e

zg = espessura da camada do filme gasoso.

A espessura da camada do filme líquido (z) dependerá do grau de turbulência da fase líquida, ou seja, quanto maior a convecção na fase líquida, menor a espessura (l) do filme líquido e, consequentemente, maior será a taxa de transferência de massa. O mesmo é valido para o filme gasoso.

A partir de um sistema constituído pelas equações 2.9 e 2.10 e a equação da Lei de Henry, obtêm-se as equações 2.13 e 2.14: (HVITVED-JACOBSEN, 2002):

1/KLA = [1/kLA] + [P/(HA . kGA)] (Equação 2-13) 1/KGA = [1/kGA] + [HA/(P . kLA)] (Equação2-14)

em que

KLA = coeficiente global de transferência de massa associado à fase líquida (m.s-1);

P = pressão total exercida na fase gasosa (atm); e

KGA = coeficiente global de transferência de massa associado à fase gasosa (m.s-1). A equação 2.13 expressa que a resistência total para a transferência de massa através do limite interfacial ar-água é igual à soma das resistências através do filme líquido e gasoso. A importância da magnitude da constante de Henry é, a esse respeito, evidente. Para altos valo-res de HA, ou seja, compostos com baixa solubilidade (CH4), a resistência reside principal-mente no filme líquido e à medida que ocorra a turbulência nos sistemas de esgotamento sanitário, concorrerá para o aumento do processo de transferência ar-água. A importância da turbulência na fase aquosa é reduzida para compostos odorantes, como o sulfeto de hidrogênio, que possuem valores relativamente reduzidos de HA, e a turbulência na fase gasosa irá aumentar, consequentemente, a sua taxa de desprendimento, de acordo com a equação 2.14.

Liss e Slater (1974), apud Hvitved-Jacobsen (2002), com base nos valores da constante da Lei de Henry, HA, avaliaram tipos diferentes de resistência. Os autores propuseram os seguintes critérios, válidos para muitos sistemas gás-líquido: (i) o fluxo através do filme líquido

Programa de Pós-graduação em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos da UFMG 40 controla a transferência de massa se H > 250 atm.fração molar -1; (ii) a resistência em ambos os filmes pode ter importância se H se situa entre 1 e 250 atm.fração molar -1; e (iii) o fluxo através do filme gasoso controla a transferência de massa se H < 1 atm.fração molar -1.

Apesar de suas limitações a teoria do filme é importante, pois pode ajudar os pesquisadores entender como ocorre de fato o processo de transferência de massa entre os filmes líquido e gasoso. A teoria apresenta, de uma forma simplificada, como a resistência à transferência de massa poderia ocorrer próximo a uma interface, portanto ela pode servir como base teórica para muitos pesquisadores aprimorarem/desenvolverem suas ideias (CUSSLER, 2009).