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Transferência

No documento 2011DeniceBortolinBaseggio (páginas 50-53)

3 EMOÇÕES E APRENDIZAGEM: UMA RELAÇÃO A SER

3.3 Fatores que incidem sobre as emoções

3.3.2 Transferência

Dissertou-se sobre a constituição psíquica do sujeito desde as origens, de um elemento, a identificação, que implica na organização psíquica do ser humano em toda sua evolução e que, agora, se reatualiza nas relações pela transferência. Este desenvolvimento psíquico, a transferência, é um aspecto fundamental na relação professor/aluno.

O modo como a criança busca descobrir coisas, a forma de aprender a pensar, a olhar, a sentir e sentir-se com a mãe é semelhante, guardada as proporções, ao modo como ela buscará aprender com os colegas e com os professores. Isso significa que a escolarização exerce um papel fundamental para construir o homem como um ser humano (SCORTEGAGNA, 2004, p.20 ).

Observam Laplanche e Pontalis (2001, p.514 ) que a transferência é definida como:

Um processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam sobre determinados objetos no quadro de um certo tipo de relação estabelecida com eles [...]. Trata-se de

uma repetição de protótipos infantis vivida com um sentimento de atualidade acentuada. [...]. A transferência é classicamente conhecida como o terreno em que se dá a problemática de um tratamento psicanalítico, pois são a sua instalação, as suas modalidades, a sua interpretação e a sua resolução que caracterizam este.

O termo transferência não é específico da teoria psicanalítica, em um sentido geral está muito próximo do termo “transporte”, implicando num deslocamento de valores, de direitos, de entidades, mais do que um deslocamento de objetos. Na psicologia, o termo transferência é utilizado de diferentes formas: transferência sensorial (tradução de uma percepção de um domínio sensorial para outro); transferência de sentimentos; transferência de aprendizagem e de hábitos (os avanços adquiridos na aprendizagem de uma certa forma de atividade acarretam uma melhoria no exercício de uma atividade diferente). Esta transferência de aprendizagem, também denominada, às vezes, de transferência positiva, por aversão a uma transferência chamada negativa que designa a interferência negativa de uma primeira aprendizagem sobre uma segunda (LAPLANCHE; PONTALIS, 2001).

Quando Freud estudou o material sobre os sonhos, constatou que a transferência é um modo de deslocamento em que o desejo inconsciente se revela e se disfarça através do material fornecido pelos restos pré-conscientes do dia anterior. Freud constata ainda que as transferências são reimpressões, cópias das moções e das fantasias que devem ser despertadas e tornadas conscientes à medida dos progressos da análise; o que é característico da sua espécie é a substituição pela pessoa do médico de uma pessoa anteriormente conhecida, por exemplo, a transferência de conteúdos inconscientes, primeiramente, é dirigida aos pais e, posteriormente, quando adulto, o aluno depositará no professor aquelas “marcas e vivências” infantis que estão depositadas no seu inconsciente através das relações estabelecidas com o aprendizado. “Freud descobre que é a relação do sujeito com as figuras parentais que é revivida na transferência” (LAPLANCHE; PONTALIS, 2001, p. 517).

Freud (apud LAPLANCHE; PONTALIS, 2001) observa que a transferência pode se apresentar de duas formas: positiva e negativa. Uma transmite sentimentos ternos e a outra, negativa, transfere sentimentos hostis. A transferência tanto positiva quanto negativa está a mando da resistência (processo inconsciente que impede o sujeito de reconhecer as suas dificuldades e, posteriormente, melhorá-las), mas sob responsabilidade do analista é um dos mais fundamentais instrumentos terapêuticos no processo de cura.

Assim como ao analista, cabe ao professor, no momento da aprendizagem do sujeito, identificar quais as dificuldades estão sendo transferidas para aquele processo de aquisição de

conhecimento e, a partir da descoberta, lançar mão de estratégias que desmantelem estas dificuldades. Primeiramente, parece que não é possível esta identificação, no entanto, Freud (apud LAPLANCHE; PONTALIS, 2001) nos mostra através de seus estudos (compulsão à repetição) que as dificuldades não resolvidas retornam a consciência até que sejam passíveis de esquecimento (esquecimento = resolução). O aluno, então, em sua busca pelo conhecimento, revelará as suas dificuldades em diferentes ocasiões e em diversos momentos, cabendo ao professor estar atento e auxiliar neste processo de superação das dificuldades. A este respeito, complementa Scortegagna (2004, p. 78), dizendo que:

No tratamento, o paciente encontra-se em constante envolvimento afetivo, sexual com o analista - no sentido de buscar constantemente prazer nas relações com os objetos. Problemático se tornará o tratamento caso o analista sofrer simbolicamente de gagueira, afasia a respeito do que estiver ocorrendo; que virar as costas para o entendimento, para a interpretação transferencial desse interjogo de emoções.

Freud (apud SCORTEGAGNA, 2004) acrescenta que, embora a transferência tenha sido descoberta no campo analítico (médico/paciente), surge igualmente de forma espontânea em todas as relações existentes entre os indivíduos e é o verdadeiro veículo da ação terapêutica. Os psicanalistas não a criam, mas as tornam conscientes utilizando-as em benefício da análise. Freud (apud SCORTEGAGNA, 2004, p. 78), percebendo que a transferência ocorria constantemente nas outras relações, escreveu:

Entendida como a repetição de protótipos infantis vivida com uma sensação de atualidade acentuada, nada impede que a transferência se dirija ao analista ou a qualquer outra pessoa. Freud chega a afirmar que ela está presente também na relação professor-aluno. Para ele, trata-se de um fenômeno que permeia qualquer relação humana. É isso que nos autoriza a substituir a expressão relação analista/paciente pela expressão professor/aluno.

O mestre pode se tornar uma âncora dos investimentos do aluno na medida em que pode ser objeto de uma transferência e vice-versa. O que é deslocado são as experiências vividas na tenra infância com seus pais, que se atualizam na relação com o professor/aluno. Esta poderia ser tanto a visão de Freud de transferência no tratamento analítico quanto, por extensão, na relação pedagógica. Diferentemente do analista, o professor não interpreta a transferência, mas utiliza-a para a transmissão do saber (SCORTEGAGNA, 2004).

No documento 2011DeniceBortolinBaseggio (páginas 50-53)