• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1 – ESTRATÉGIAS FAMILIARES NO CAMPO CIENTÍFICO DE

1.7 Transformações no Habitus na Argélia colonial

As duas últimas partes do primeiro capítulo são importantes porque trazem uma discussão do quadro conceitual de Bourdieu a partir da pesquisa na Argélia colonial. As problemáticas eram outras em relação ao Bèarn, embora o processo de globalização e de unificação dos mercados materiais e simbólicos igualmente representasse transformações em todos os espaços sociais. A análise no texto de Bourdieu e Sayad (2006) se aproxima mais da realidade pesquisada na presente tese, uma vez que esta, ao invés do mercado matrimonial, é um estudo focado nas transformações das práticas agrícolas com o advento das técnicas modernas nas colônias e nos reassentamentos, em detrimento das tradicionais. A partir disso, o texto aborda a questão da unificação dos mercados materiais e simbólicos e as mudanças no habitus dos camponeses argelinos.

36 Há aqueles que vêem um futuro rural como a um deserto (que pode ser verde) de produção energética. Há outros que vêem pessoas, famílias em suas vilas e pequenas cidades, que precisam de tudo o que tem nas cidades médias ou grandes e que, nesses espaços, há produção agropecuária familiar a ser incluída no processo de modernização social.

107

Aproxima-se também da realidade brasileira, por ser um estudo feito no final do período de colonização de um país africano colonizado pelos europeus37.

Em um artigo sobre Abdelamalek Sayad e sua Sociologia das Migrações (ARAÚJO, 2010), há informações que dão conta de que Pierre Bourdieu chegou à Argélia em 1955, com 25 anos de idade, para cumprir o serviço militar, logo após completar seus estudos universitários. Durante uma parte desse período ele trabalhou analisando dados sobre as populações nativas da Argélia no serviço de informações do governo38. Como a Argélia não tinha um instituto de pesquisas que pudesse acompanhar e apresentar dados sobre as bruscas mudanças sociais que estavam acontecendo naquele período, o governo Francês deslocou especialistas de seus próprios institutos de economia e estatística que, juntamente a outros pesquisadores argelinos, formaram algo semelhante na colônia. Conforme Sayad:

La guerra y la situación colonial hicieron posible la reunión de un grupo de personas que hasta entonces tenían poca o ninguna relación entre si y que acabaron formando una especie de club, sobre la base de coincidencias más éticas, que políticas o administrativas. Así fue fundada la Asociación Argelina para la Investigación Demográfica, Económica y Social (AARDES), que no era directamente un órgano burocrático de la administración, si bien estaba relacionado a ella (SAYAD, 1996 apud ARAÚJO, 2010, p.238)39.

Sayad e Bourdieu trabalharam juntos nesse instituto no período de 1959 a 1962, reconhecendo as grandes diferenças entre as demandas do governo francês e a realidade vivenciada pela população nativa que, para Araújo (2010, p.238), se expressavam de diferentes maneiras: “(…) condiciones de trabajo, de desempleo, de vivienda, fundamentalmente en el ámbito rural, pero con especial atención a las transformaciones

37 Não pretendo aqui comparar as diferentes formas de colonização européia, na verdade o comentário vai mais no sentido de colocar a problemática da colonização e sua relação com a subjugação cultural. A colonização francesa na Argélia foi oficialmente de 1830-1962, mas começou antes, pois a França já havia tornado parte da Argélia como seu território. Houve lutas contra grupos rebeldes e lutas entre eles, bem como a resistência dos colonos a irem embora depois que descobriram petróleo no território. Bourdieu esteve lá no período da descolonização, uma sangrenta guerra na qual morreram aproximadamente um milhão de pessoas. Porém, não é a intenção detalhar a forma de colonização e suas lutas específicas, como as do petróleo, mas sim destacar as transformações na racionalidade dos camponeses argelinos em função do processo de colonização.

38 O texto dá conta também de que nesse período Bourdieu foi nomeado professor da Universidade de Argel, uma das principais da Argélia, o que não era comum para os recém-formados, que antes de se tornarem professores universitários trabalhavam em escolas secundárias.

39 Sobre o caráter ético descrito na citação e, mais especificamente, na relação de Sayad e Bourdieu, cabe esclarecer que: “La relación de Sayad con Bourdieu fue mucho mas allá de lo estrictamente universitario: «Yo verdaderamente le debo mucho a Bourdieu, no solamente desde el punto de vista intelectual, sino por esa experiencia compartida, por esa forma de compromiso en una situación social límite»”. (SAYAD 1996, apud ARAÚJO, 2010, p.238). Por outro lado, o artigo mostra que a amizade dos dois pesquisadores foi muito além desse período.

108

de ese mundo, y al proceso de creación de barrios de chabolas en las regiones urbanas y el desenraizamiento vivido por las familias campesinas”. Para a autora, os pesquisadores não reconheciam uma Argélia francesa.

Tanto para Pierre Bourdieu como para Abdelmalek Sayad, la sociología y la antropología fueron descubiertas entre las demandas de la administración colonial y del Estado, y una serie de procesos sociales trágicos generados por la guerra, como el desplazamiento violento de cinco millones de personas desde las zonas rurales hacia las urbanas (ARAÚJO, 2010, p.237, grifos no original).

(…)

Por este camino, la filosofía terminó topándose con el hacer socioantropológico del trabajo de campo. Las condiciones de investigación eran también muy especiales. Debían llevarse a cabo en pleno campo de batalla, en poblados de 1500 a 3000 habitantes, bajo el control del ejército. Una población aterrorizada, que había sido expulsada violentamente de sus lugares de origen y trasladada a centros de reagrupamiento, en el contexto de un proceso de sustitución de la agricultura tradicional por otra moderna, con pretensiones capitalistas (ARAÚJO, 2010, p.238).

Para Araújo (2010), o fato de se estar vivendo, na Argélia, uma situação limite ocasionada pela colonização francesa, com o controle do território e da sociedade argelina, a migração forçada das populações rurais e a guerra pela independência foram fatores que fizeram com que fossem repensados os quadros teóricos explicativos, tanto aqueles fundados no estruturalismo e outros como, por exemplo, a teoria do parentesco de Levi Strauss, ao passo que começam a surgir os dispositivos conceituais que marcaram a Sociologia de Bourdieu. Sayad fazia perguntas como: quem eram os que migravam? Eles podem se converter em cidadãos com essa política de deslocamento em massa? Diante desses questionamentos, se discutia a lógica imposta pelo Estado e os dados estatísticos com as considerações reveladas pelo trabalho de campo, tal como sobre as origens das pessoas nas aldeias e o que significava para elas irem para os reassentamentos e/ou para as cidades. “Hacer sociología de la emigración/inmigración exige transformar en objeto de investigación el proceso por el cual la inmigración ha llegado a convertirse en un problema social y político” (ARAÚJO, 2010, p.244). Portanto, não se tratava de investigar a migração em si, mas conjugar as representações das pessoas afetadas com as diferentes conjunturas e interesses das classes dominantes, bem como as ações do Estado no sentido de classificar e diferenciar os extratos populacionais, mostrando como o próprio Estado pode ser excludente e violento. Uma noção, portanto, que reconhecia a possibilidade de que o pensamento dominante e do Estado poderia atravessar a construção dos objetos científicos por parte de

109

pesquisadores. Por isso a necessidade de também levar em conta o discurso sobre a migração daqueles que foram vítimas desse processo.

Por su parte Sayad entiende las migraciones como resultado y expresión de un sistema mundial (o sistema-mundo) organizado jerárquicamente y, en este marco, establece un nexo estructural entre proceso de colonización y proceso migratorio. Todo (y toda) migrante porta el peso de las históricas relaciones de dominación, tanto materiales como simbólicas, entre el país de origen (dominado) y el de destino (dominante), herencia de pasados encuentros entre la metrópolis y sus antiguas colonias (ARAÚJO, 2010, p. 246).

O texto “A dominação colonial e o Sabir cultural”, de Bourdieu e Sayad (2006), originalmente publicado em 1964, é importante porque aborda como a nova racionalidade colocava contradições para a construção de um novo sabir cultural dos povos nativos nos reassentamentos argelinos. Em seu final, o texto mostra o resultado catastrófico para o campesinato e para a sociedade argelina após o período de colonização, mas passa também por propostas práticas para o meio rural, por parte de uma ação extensionista e com outros agentes de seu campo social, considerando-se a figura do técnico como um educador e não um burocrata, cuja necessidade primordial é compreender a realidade contraditória historicamente estruturada dos grupos rurais. O texto é todo parafraseado com locuções tradicionais argelinas, tal como o Prego de Djeha (BOURDIEU, SAYAD, 2006, p.54), reveladoras do modo objetivo e subjetivo de vida dos colonizados: a figura lendária local que, ao vender uma casa, depois espanta os compradores pendurando todos os dias uma carcaça no prego a que teve direito de manter na casa, até que aqueles (compradores, colonizadores) fossem embora.

O artigo trata das transformações culturais na Argélia em função do processo de colonização e, sobretudo, analisa as mudanças da Argélia rural com os “reassentamentos”. É importante destacar que a escolha do termo reassentamento, na tradução40, tem a ver com o modo de se estabelecer a população camponesa em fazendas a partir de uma política de colonização. Por exemplo, poderíamos pensar nas colônias no interior de São Paulo, com monoculturas e pequenos espaços para as famílias imigrantes, que foram deslocadas numa condição de escravidão por dívida (STOLCKE, 1986). É bom lembrar que a concessão de pequenas áreas às famílias nas colônias servia para prender e explorar sua mão-de-obra, de forma aparentemente generosa, ameaçando-lhes retirar a terra e a ilusão de serem camponeses com alguma

40 Conforme indica a nota de rodapé à página 41: “Literalmente, regrupements, ou “reagrupamentos”. Preferimos a expressão “reassentamentos”, de uso mais corrente no Brasil (nota da revisão técnica)”.

110

autonomia (BOURDIEU, SAYAD, 2006, p.52)41. Porém, destaca-se os reassentamentos e as profundas transformações que eles provocaram na sociedade argelina. Os reassentamentos começaram a ser implantados em 1955 e a partir de 1957 adquiriram caráter mais sistemático (ARAÚJO, 2010). Os camponeses eram violentamente expulsos de suas aldeias e disciplinados na nova forma de ordenar o território em instalações militares. Isso tem a ver com o fato dos camponeses saírem de um local de origem para serem reassentados em terras de propriedade das classes dominantes (dos colonos europeus) e controladas pelo exército, e o estabelecimento das relações de vida e de trabalho junto aos demais agentes sociais desse espaço social especializado.

Como a França não tinha contingente suficiente para manter a dominação colonial sobre todo o território argelino e o próprio projeto tinha seus limites, havia a necessidade de despovoar as áreas mais remotas e não controladas, que poderiam ficar sob a influência de grupos rebeldes. Houve então o deslocamento em massa da população rural para os reassentamentos. O foco central das migrações forçadas era nas regiões montanhosas, onde o Exército de Libertação Nacional (braço armado da Frente de Libertação Nacional) estava mais presente. Bourdieu e Sayad identificaram que apenas cerca de 8% da população permaneciam nas regiões “proibidas”, controladas por grupos rebeldes, mas que também brigavam entre si. Além do mais, era certo que permanecer nessas regiões classificadas como proibidas ocasionava uma criminalização a priori por parte do exército.

Si a los 2.157.000 argelinos que habían sido reasentados, se le suma el éxodo hacia las ciudades, en 1960 la mitad de la población rural de Argelia se encontraba fuera de sus lugares habituales de residencia. «... al completar la destrucción de un equilibrio precario, al quebrar los ritmos temporales y espaciales que formaban la estructura de toda la existencia social, al pulverizar las unidades sociales tradicionales, los reasentamientos aceleraron el éxodo en dirección de las ciudades de individuos que no tenían nada que perder. Entre 1954 y 1960 la población total de todas las ciudades y de las villas aumentó el 67% en la zona de Argel, 63% en la zona de Constantine y 48% en la región de Orán...» (BOURDIEU, SAYAD, 2006 apud ARAÚJO, 2010, p.237).

O governo francês criava os reassentamentos, porém, sem com isso assumir o controle deles, nos quais as pessoas ficavam submetidas a condições degradantes – “uma pobreza material e simbólica” era vivida por elas. Um exemplo era que nos

41 Exemplo muito citado acerca das colônias brasileiras e na escravidão por dívida, como veremos no capítulo 2.

111

reassentamentos o pagamento era 30% a menos que o salário mínimo argelino e sem respeitar jornadas de trabalho, o que forçava cada vez mais uma fuga para os centros urbanos. Em 1958 e 1959, Bourdieu e Sayad coletaram relatos nos reassentamentos que mais os aproximavam a campos de concentração, no interior dos quais praticavam-se medidas voltadas à “pacificação” do povo e do território argelino, no sentido da domesticação e dominação colonial. A dita pacificação tinha como objetivo facilitar o controle por parte do exército e livrar a população da influência dos grupos rebeldes:

En lo esencial, los reasentamientos eran todos similares, porque nacían, no tanto de la obediencia a una doctrina, como de la aplicación de modelos inconcientes que un siglo antes habían dominado la fundación de aldeas coloniales. La política de reasentamiento recibió un amplio y entusiasta apoyo por parte de los militares porque concretaba un sueño tan antiguo como la colonización: reestructurar una sociedad entera. «La política de reasentamiento, una respuesta patológica a la crisis mortal del sistema colonial, hace explotar, a la luz del día, la intención patológica que habitaba en el sistema colonial» (BOUDIEU, SAYAD 2006 apud ARAÚJO, 2010, p. 238).

Bourdieu e Sayad ressaltam três grandes leis, entre os anos de 1856 e 1873, especialmente o Senatus Consultum, para controlar o território argelino no período colonial. Esta, uma medida para “liquidar a terra”, tirar seu caráter tribal/coletivo para instituir a empresa privada, a propriedade privada, além de favorecer a imigração européia (BOURDIEU, SAYAD, 2006, p.44). Para os autores, o ano de 1875 marcou o fim das insurreições tribais, por conta dessas medidas jurídicas. A política agrária, ou como dizem os autores “a máquina de guerra”, foi o instrumento para desorganizar as tribos nos planos objetivo e subjetivo: concentrava a terra nas mãos dos colonos europeus (os preços eram inacessíveis aos nativos) e impunham uma racionalidade mercantil à produção, num processo técnico-produtivista igualmente caro. À semelhança da Lei de Terras brasileira, de 1850. “Tratava-se de favorecer a usurpação dos argelinos ao proporcionar aos colonos meios de apropriação aparentemente legais, ou seja, instaurando um sistema jurídico que pressupunha uma atitude econômica e, mais precisamente, uma atitude em relação ao tempo completamente estranhas ao espírito da sociedade camponesa” (BOURDIEU, SAYAD, 2006, p.43).

Quase um século depois, na década de 1960, eles demonstraram como a política de reassentamentos funcionava de forma semelhante na tentativa de definitivamente disciplinar o território e a sociedade frente às crises que o sistema colonial passava, expressas sobretudo no fortalecimento de grupos rebeldes. E colocam como meios

112

principais das transformações “a usurpação da terra, a pressão demográfica e a passagem da economia de troca para uma economia de mercado”.

Estatisticamente, as conseqüências objetivas do processo de colonização se expressaram no aumento da concentração fundiária e na diminuição do tamanho da propriedade dos camponeses: “(...) entre 1930 e 1954 o número de proprietários de terras diminuiu 20% enquanto o número de trabalhadores agrícolas, permanentes ou temporários, subiu para 29%” (BOURDIEU, SAYAD, 2006, p.44). Paralelamente, no caso do Bèarn, os proprietários médios tiveram uma pequena concentração de terras pela saída dos que tinham menos terras. Mas lá eles também passaram pelo fenômeno do celibato e, na falta de herdeiros, são levados ao efeito da dominação econômica. “En 1968, en Lesquire, el 50% de los agricultores tenía más de 45 años (...). En 1989 la generación directamente afectada por la crisis de los años sesenta concluye su ciclo, y una parte muy importante de las haciendas va a desaparecer con su propietario” (BOURDIEU, 2004b, p.244).

Isso significa que, aos poucos, foram existindo mais trabalhadores agrícolas do que proprietários de glebas, que, por sua vez, foram diminuindo de tamanho42. Os autores usam o exemplo da perda da prática do pousio, simbólica do início desse processo, por conta da intensificação do uso da terra na produção agropecuária. Isso já começava a demonstrar a vulnerabilidade do camponês ao novo modelo e as contradições que ocasionavam em seu habitus, pois perderam-se as possibilidades de deixar a terra recuperar sua fertilidade naturalmente, além de todo o conjunto de conhecimentos tradicionais de seus antepassados, para tentar ser mais produtivo.

Wanderley (2003, p.46) exemplifica a mesma problemática a partir do uso de insumos mecânicos na produção:

Assim, por exemplo, a imposição do uso do trator introduziu no campo a noção do tempo abstrato, predominante no mundo industrial, ao contrário do tempo diferenciado, associado às vicissitudes da natureza e ao calendário agrícola. O saber tradicional dos camponeses, passado de geração em geração, não é mais suficiente para orientar o comportamento econômico. O exercício da atividade agrícola exige cada vez mais o domínio de conhecimentos técnicos necessários ao trabalho com plantas, animais e máquinas e o controle de sua gestão por meio de uma nova contabilidade. (...) A importância dos serviços de assistência técnica, gerados fora da comunidade local, cresce em

42 Paralelamente, no plano simbólico, o trabalho assalariado passa a ser o trabalho de verdade, o trabalho que é regular e no qual se recebe regularmente um salário, diferentemente do agricultor, que tem renda incerta e baixa, fora a vida mais confortável na cidade. Dessa maneira, as más condições de vida nos reassentamentos aceleram as transformações.

113

detrimento do que esse autor [Henri Mendras] chama de “modernização tradicional”, aquela que resulta da transformação sem ruptura da forma tradicional de produzir.

Convém lembrar que a inserção tecnológica provoca crises não só na produção, mas em todas as relações sociais que estruturam o mundo rural tradicional. Portanto, Wanderley acredita que os projetos na área de assistência técnica devem prever efeitos na esfera de todas essas relações, assim como Bordieu e Sayad abordaram.

O risco em permanecer na terra e produzindo passou a se expressar em qualquer fator, como chuvas e geadas em excesso, ou variações no mercado e a própria impossibilidade de ingressar de fato no mercado. Fatores que, sozinhos ou combinados com outros, impunham riscos e medo ao camponês, que não pode nem escolher entre realizar o tradicional pousio bianual ou comprar os fertilizantes químicos que os colonos utilizavam.

No caso dos Fellah’in, os autores demonstraram que a produção de cereais, bem como qualquer outra produção para o mercado não era viável. É exatamente esse tipo de situação pela qual passou o campesinato, em diferentes contextos e lugares, no processo de inversão demográfica rural-urbano e com o avanço da lógica industrial sobre a agricultura. O objetivo de um produtor agropecuário qualquer passou a ser produzir o máximo no tempo mínimo, utilizando-se cada vez mais insumos industriais e menos mão de obra para obter ganhos em escala. “É portanto sem hesitar que se sacrifica o futuro [futur] da produção, incerto e incontrolável, ao advir [avenir] do consumo, iminente e urgente” (BOURDIEU apud BOURDIEU, SAYAD, 2006, p.44). “Quanto mais o presente lhe foge, mais o Fellah se agarra a ele, sacrificando todas as atividades que tenham implicações a longo prazo em troca da satisfação direta das suas necessidades imediatas” (BOURDIEU, SAYAD, 2006, p.45). Esse processo mudou as estratégias de produção agrícola e de reprodução social dos camponeses.

A intensificação da produção era dada pela necessidade de uma nova racionalidade mercantil, que engendrava uma condição objetiva de transformações de comportamentos mentais e práticos em toda a sociedade, ou pelo menos em sua grande maioria, no campo e na cidade. Isso sem dúvidas inseria novas e contraditórias pré- disposições aos habitus até então constituídos, contradições das quais as pessoas que passaram pelo processo de subjugação cultural são feitas – no caso, a colonização da Argélia pela França. Menos terra e a falta de previsão para o campesinato significavam cada vez mais empobrecimento material e simbólico, atraso social e o esvaziamento do

114

meio rural como espaço de moradia. Suas atividades tendiam à difícil subsistência e não à inserção no mercado. O processo se deu com a incorporação de “inovações” técnicas da nova racionalidade, que transgrediam as tradições e aos poucos as substituíram – como os fertilizantes químicos ao invés do pousio.

A lógica que passa a reger os camponeses argelinos faz conviver elementos do