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Como antecipado no cap´ıtulo 1, em , Supriyo Datta e Biswajit Das propuseram o primeiro conceito de um transistor de efeito de campo (FET) fundamentado no transporte de spins eletrˆonicos, ao contr´ario dos transistores convencionais baseados em correntes de carga. Essa proposta ficou conhecida como Transistor Datta-Das [8], e consiste de dois contatos fer- romagn´eticos, com uma magnetizac¸˜ao definida, chamados de fonte e dreno, separados por um canal de transporte n˜ao ferromagn´etico, usualmente de um material semicondutor como o GaAs. Nesse dispositivo, o eletrodo de fonte injetaria el´etrons com spins polarizados a serem trans- portados balisticamente ao longo do canal at´e o contato de dreno, onde seriam bloqueados ou deixados passar, a depender da orientac¸˜ao dos spins e da magnetizac¸˜ao no dreno.

Para um dispositivo ativo, ´e necess´ario que haja maneiras de se manipular os spins desses el´etrons. Por exemplo, pode-se fazer com que esses spins precessem em torno de um campo magn´etico externo, e dependendo da intensidade do campo e do comprimento do canal, pode-se controlar com quais polarizac¸˜oes esses spins chegar˜ao ao dreno. Por outro lado, se o canal for composto de uma estrutura que confine os el´etrons em uma regi˜ao bidimensional, ´e poss´ıvel a introduc¸˜ao de campos spin-´orbita de Rashba que podem ser controlados por um eletrodo de porta, como visto na sec¸˜ao 2.2.2. A figura 2.8 abaixo ajuda a ilustrar o funcionamento de um spin-FET com um eletrodo de porta instalado.

Figura 2.8: Ilustrac¸˜ao para o funcionamento de um spin-FET: em (a) sem aplicar uma voltagem Vg no eletrodo de porta; e em (b) com uma Vg n˜ao-nula. Se a polarizac¸˜ao de spin do el´etron

que chega ao dreno for oposta `a magnetizac¸˜ao nesse contato, a passagem desse el´etron ser´a bloqueada.

2.4. O TRANSISTOR DE SPIN 15

Um empecilho para o funcionamento de um dispositivo como o Datta-Das ´e o requeri- mento de que o transporte ao longo do canal ocorra de forma bal´ıstica, o que ´e impossibilitado devido a mecanismos de relaxac¸˜ao de spin decorrentes da interac¸˜ao spin-´orbita.

Em , entretanto, foi apresentada uma proposta de um spin-FET n˜ao-bal´ıstico [9], que se fundamenta na formac¸˜ao da h´elice de spin persistente (PSH) em um canal semicondu- tor em que haja ambas as contribuic¸˜oes das interac¸˜oes spin-´orbita de Rashba e Dresselhaus. Como discutido na sec¸˜ao 2.2.3, a h´elice de spin ´e formada quando as interac¸˜oes de Rashba e Dresselhaus tˆem a mesma magnitude, de forma que o campo SO efetivo ´e uniaxial, permitindo, portanto, a conservac¸˜ao de polarizac¸˜ao de spin ao proteger o canal contra esses mecanismos de relaxac¸˜ao que geram decoerˆencia de spin. Dessa forma, faz-se importante o estudo de como os coeficientes spin-´orbita α de Rashba e β de Dresselhaus podem ser ativamente manipulados, e de como eles podem ser influenciados pelo transporte dos spins ao longo do canal semicondutor. Entender esses mecanismos ´e dar passos importantes em direc¸˜ao `a construc¸˜ao de um transistor de spin funcional.

Cap´ıtulo 3

Materiais e M´etodos

3.1

Amostra

A amostra utilizada nesse trabalho consiste em um poc¸o quˆantico simples de GaAs com 45 nm de largura, crescido na direc¸˜ao cristalogr´afica [001] (z) e dopado simetricamente com Si. Devido `a repuls˜ao Coulombiana entre os el´etrons, a distribuic¸˜ao de carga est´a sujeita a uma barreira dentro do poc¸o que gera duas sub-bandas representadas pelas func¸˜oes de onda sim´etrica e antissim´etrica (as duas primeiras sub-bandas na figura 3.1), com uma separac¸˜ao de ∆SAS = 2 meV entre si. As densidades das sub-bandas, obtidas em [24] atrav´es das oscilac¸˜oes

Shubnikov–de Hass, s˜ao dadas por n1 = 3,7 × 1011cm−1e n2 = 3,3 × 1011cm−1, e sua mobi-

lidade de carga a baixas temperaturas ´e de 2,2 × 106cm2/Vs.

Figura 3.1: Perfil da banda de conduc¸˜ao de um poc¸o quˆantico simples como func¸˜ao de sua largura W , para as trˆes primeiras sub-bandas. Extra´ıda de [32].

A amostra foi crescida por A. K. Bakarov, da Universidade de Novosibirsk na R´ussia, atrav´es da epitaxia de feixe molecular (MBE), uma t´ecnica de crescimento epitaxial de filmes

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semicondutores – isto ´e, deposic¸˜ao de uma pel´ıcula monocristalina sobre um substrato – de forma altamente controlada e em condic¸˜oes de v´acuo ultra-alto [23]. Essa mesma amostra foi ensaiada tamb´em em outros trabalhos recentes, como em [24] com o mesmo dispositivo utilizado aqui, e em [25] com pedac¸os distintos do mesmo wafer e dispositivos diferentes.

Na figura 3.2 encontra-se um esquema do crescimento da amostra camada a camada, descrito da esquerda para a direita, desde o substrato de GaAs onde foi crescida a nanoestrutura do poc¸o quˆantico. Logo acima do substrato encontram-se as camadas do Buffer que servem para uniformizar a superf´ıcie das camadas, seguidas de uma super rede de GaAs/AlAs com o intuito de bloquear a migrac¸˜ao de impurezas na nanoestrutura de interesse, e outra camada de buffer promovendo maior isolamento ao poc¸o quˆantico. Na sequˆencia, uma chamada graded layer com AlxGa1−xAs variando a concentrac¸˜ao de 0 a 0,3 ´e utilizada para inibir a migrac¸˜ao

de el´etrons da primeira camada dopante δ − Si para a camada anterior. A camada seguinte de Al0.33Ga0.67As protege a migrac¸˜ao de portadores para a graded layer. Uma super rede anterior `a

camada de dopagem a isola do substrato abaixo, enquanto outra super rede posterior – chamada spacer– a separa do poc¸o quˆantico.

Figura 3.2: Esquema de camadas da amostra ao longo da direc¸˜ao de crescimento (z).

Acima do poc¸o, novamente uma sequˆencia de camadas super rede – dopante – super rede ´e utilizada para isola-lo da superf´ıcie da amostra. Na sequˆencia, uma camada de Al0.33Ga0.67As

permite a deposic¸˜ao de uma terceira camada de dopagem para saturar as ligac¸˜oes pendentes na superf´ıcie, seguida de uma outra camada de Al0.33Ga0.67As para isolar a superf´ıcie e a camada

3.2. APARATO EXPERIMENTAL 19

dopante. Por ´ultimo, a camada de cobertura protege contra a migrac¸˜ao de As para a superf´ıcie, evitando portanto a oxidac¸˜ao do material.

3.1.1

Dispositivo

A amostra cont´em um dispositivo fabricado em uma configurac¸˜ao em forma de cruz com uma largura de 270 µm e canais ao longo das direc¸˜oes cristalogr´aficas [1¯10] (x) e [110] (y). Em ambos os canais, pares de contatos ˆohmicos est˜ao dispostos a uma distˆancia de l = 500 µm entre si, podendo ser utilizados para aplicar voltagens no plano Vip, induzindo transporte por deriva.

Ademais, a amostra conta tamb´em com um contato semitransparente acima do dispositivo, chamado eletrodo de porta, o qual pode ser utilizado para modificar a simetria do poc¸o e a ocupac¸˜ao das subbandas atrav´es da aplicac¸˜ao de uma voltagem Vg.

Figura 3.3: Foto da amostra capturada com o aux´ılio de um microsc´opio. As dimens˜oes apon- tadas na figura s˜ao w = 270 µm para a largura dos canais e l = 500 µm para a distˆancia entre os contatos.

3.2

Aparato experimental

A amostra foi colocada no interior de um criostato equipado com bobinas superconduto- ras capazes de gerar um campo magn´etico (o qual ser´a denominado campo magn´etico externo, para diferenci´a-lo dos campos spin-´orbita) de at´e Bext = 6T . Para isso, as bobinas devem ser

resfriadas com H´elio l´ıquido, o qual tamb´em ´e utilizado para resfriar a amostra a temperaturas de at´e T = 4,2 K (ou at´e T = 1,2 K com o aux´ılio de uma bomba de v´acuo). A amostra foi

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campo Bext, enquanto que sua direc¸˜ao cristalogr´afica x foi posicionada na vertical.

Um laser pulsado de titˆanio-safira com uma taxa de repetic¸˜ao de f = 76 MHz e com- primento de onda ajust´avel foi utilizado para as medidas e manipulac¸˜oes ´opticas de polarizac¸˜ao de spin na amostra. O feixe do laser ´e separado em dois caminhos ´opticos, atrav´es do uso de um beam splitter. Em um desses caminhos, um modulador fotoel´astico (MFE) ´e utilizado para que o feixe seja polarizado circularmente, permitindo que sua incidˆencia na amostra induza uma polarizac¸˜ao de spin, atrav´es das regras de selec¸˜ao ´opticas introduzidas na sec¸˜ao 2.3.1. Esse feixe ´e ent˜ao denominado bombeio.

No outro caminho ´optico, propaga um chamado feixe de prova, o qual possui polarizac¸˜ao linear e ´e respons´avel por medir a polarizac¸˜ao de spin na amostra atrav´es da t´ecnica de micros- copia de rotac¸˜ao de Kerr, descrita na sec¸˜ao 2.3.2.

Figura 3.4: Esquema simplificado do setup ´optico utilizado para o experimento. As setas ver- des correspondem `a direc¸˜ao de propagac¸˜ao dos feixes de incidˆencia, e as azuis a suas respec- tivas polarizac¸˜oes. As setas roxas mostram o sentido do feixe refletido, no caminho para a fotodetecc¸˜ao.

Da forma como o setup ´e constru´ıdo, a incidˆencia do feixe de prova na amostra ´e mantida fixa em uma posic¸˜ao, sem que haja a possibilidade de alter´a-la ao longo das medidas. Pela

3.2. APARATO EXPERIMENTAL 21

simetria da amostra, ´e desej´avel que se escolha fixar o feixe de prova incidindo em seu centro, porque assim as medidas ser˜ao realizadas no centro de ambos os canais. Em contrapartida, o feixe de bombeio pode ter sua posic¸˜ao de incidˆencia controlada por um espelho motorizado (EM), cujos ˆangulos vertical e horizontal podem ser ajustados remotamente via computador.

Ambos os feixes s˜ao refletidos pela amostra, mas apenas a reflex˜ao do feixe de prova deve chegar ao detector para que n˜ao ocorra interferˆencia na medida. Por isso, o sistema ´e alinhado de forma que, mesmo que bombeio e prova incidam na mesma posic¸˜ao, seja poss´ıvel separ´a-los antes da detecc¸˜ao. Isso ´e garantido se os feixes incidirem com um pequeno ˆangulo entre si, permitindo que a reflex˜ao do bombeio seja bloqueada por um pin-hole alinhado para deixar passar apenas a reflex˜ao de prova.

Por fim, os sinais obtidos pelo fotodetector s˜ao recuperados atrav´es do uso de dois lock- in’s. Esses equipamentos s˜ao utilizados para minimizar os ru´ıdos na medida, isolando um sinal de entrada modulado por uma frequˆencia conhecida. O sinal do detector ´e recebido pelo primeiro lock-in sincronizado na frequˆencia do modulador fotoel´astico e depois enviado ao segundo lock-in, sincronizado com a frequˆencia de um chopper instalado no caminho ´optico do feixe de prova.

Figura 3.5: Esquema da t´ecnica de microscopia de rotac¸˜ao de Kerr adotada para medir polarizac¸˜ao de spin na amostra em uma configurac¸˜ao de bombeio-prova.

3.2.1

Resoluc¸˜ao temporal

Para que possam ser realizadas medidas de deriva de spin, al´em da resoluc¸˜ao espacial garantida pelo espelho motorizado, tamb´em ´e necess´ario que o sistema tenha uma resoluc¸˜ao temporal. Como bombeio e prova s˜ao separados de um mesmo feixe pulsado, se seus caminhos

22 CAP´ITULO 3. MATERIAIS E M ´ETODOS

chegar˜ao ao mesmo tempo. Dessa forma, uma chamada linha de atraso permite que o compri- mento do caminho de bombeio seja ajustado (ver figura 3.4), fornecendo um controle para o atraso ∆t entre os feixes. Nesse sentido, se forem feitas medidas do sinal de Kerr θKem func¸˜ao

da posic¸˜ao da linha de atraso, ´e poss´ıvel observar a evoluc¸˜ao temporal da polarizac¸˜ao de spin na amostra.

Devido a mecanismos de relaxac¸˜ao que causam decoerˆencia de spin, como o mecanismo de Dyakonov-Perel [27], a polarizac¸˜ao de spin decai com o tempo exponencialmente [28]. Por outro lado, ao se aplicar um campo magn´etico externo Bextperpendicular aos feixes de bombeio

e prova (ver figura 3.5), os spins s˜ao forc¸ados a precessar em torno desse campo, antes de perderem a coerˆencia. Assim, a seguinte equac¸˜ao descreve um modelo para a evoluc¸˜ao temporal da polarizac¸˜ao de spin, como medido por rotac¸˜ao de Kerr:

θK = A exp  −∆t T∗ 2  cos (wL∆t + ϕ) , (3.1)

onde A e ϕ s˜ao, respectivamente, a amplitude e a fase iniciais, T2∗ ´e o tempo de decoerˆencia de spin, e wL = gµBBext/¯h ´e a frequˆencia de Larmor da precess˜ao dos spins em torno do campo

externo. A figura 3.6 a seguir ilustra o comportamento da equac¸˜ao 3.1 acima.

Figura 3.6: Comportamento da evoluc¸˜ao temporal de uma polarizac¸˜ao de spin descrito pela equac¸˜ao 3.1. Extra´ıda de [28].

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