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CAPÍTULO IV: O DANO MORAL CONTRATUAL E O SUPERIOR TRIBUNAL

IV.6 Transporte

Contratos de transporte também embasam, com frequência, pedidos de indenização por danos morais. E esses casos chegaram ao Superior Tribunal de Justiça. Dos vinte acórdãos analisados sobre o tema, dezenove concederam ou mantiveram a indenização por danos morais pleiteada e apenas um não.

Com relação ao transporte aéreo, o atraso dos vôos é motivo bastante comum que enseja pedidos indenizatórios. O REsp. 740.968, julgado em 11.09.2007 e relatado pelo Ministro Aldir Passarinho Junior aborda esse tema. Os autores contrataram viagem que, no retorno, teve o vôo cancelado, eles foram transferidos para outro vôo que fez diversas escalas e, inclusive, em uma delas, os clientes tiveram que dormir no aeroporto. Segundos os Ministros: “Não obstante a infra-estrutura dos modernos aeroportos ou a disponibilização de hotéis e transporte adequados, tal não se revela suficiente para elidir o dano moral quando o atraso no vôo se configura excessivo, a gerar pesado desconforto e aflição ao passageiro, extrapolando a situação de mera vicissitude, plenamente suportável378”. O

elabora os contratos de adesão e nele não prevê nenhuma sanção para a sua falta, pode descumprir livremente os contratos porque não responderá por nada”.

378 O Ministro relator faz importantes ponderações acerca do tema: “Entendo que pelas características do

transporte aéreo, notadamente o de passageiros, que envolve regras rígidas de segurança atinente à aeronave, condições climáticas, aeroportos e a operação como um todo, dependente de toda uma infra-estrutura que extrapola, visivelmente, o próprio âmbito da atividade-fim prestada pela companhia, merece ele algum tempero no que concerne ao atraso. Exigir-se absoluta pontualidade na aviação é desconhecer, por completo, essas circunstâncias, muito próprias, do transporte aéreo, que detém, de outro lado, desempenho bastante satisfatório no que tange à segurança e ao tratamento dispensado aos passageiros, no geral. A própria substituição de aeronave, em caso de defeito, não é simples nem imediata, pela inexistência de equipamento reserva, já que a imobilidade de um avião, dado o seu alto custo, não comporta tal procedimento. De outra parte, quando se verifica o atraso, o passageiro dispõe de instalações cômodas para aguardar o vôo, tanto no aeroporto, como em hotéis próximos, disponibilizados pelas empresas aéreas, se assim o desejar o cliente, e transporte por taxi. Assim, tenho que um atraso, ainda que por muitas horas, não gera direito a indenização por dano moral, sob pena de sua banalização, já que impossível considerar-se como dor, sofrimento,

131 valor indenizatório foi, porém, reduzido, de cem salários mínimos para os dois autores (fixado pelo Tribunal de origem) para oito mil reais por passageiro.

O extravio de bagagens/mercadorias também motiva a propositora de ações de indenização por danos materiais e morais. Com relação ao danos materiais, o STJ tem entendido que, nos casos de extravio de mercadoria ocorrido durante o transporte aéreo, a reparação deve ser integral, não se aplicando a indenização tarifada prevista no Código Brasileiro de Aeronáutica. E, quanto aos danos morais, no REsp. 744.74, a Corte entendeu o extravio de mercadorias configura mero descumprimento contratual o qual “em princípio, não enseja responsabilização ao pagamento de indenização por danos morais, visto não passar de incômodo da vida em sociedade”(REsp. 744.74, relator Ministro Sidnei Beneti, j. 01.12.2011).

Ainda com relação ao transporte aéreo, os acidentes ocorridos comumente embasam pedidos de indenização por danos morais. Um exemplo é o REsp. 245.465 em que foi analisado o caso de um acidente aéreo em vôo doméstico com morte do pai dos autores. Um dos pedidos dos filhos da vítima era o da indenização pelos danos morais sofridos com a perda do genitor. Ponderando que a garantia de reparação do dano moral tem base na Constituição Federal, os Ministros esclarecem que a aplicação de indenização tarifada prevista no Código Brasileiro de Aeronáutica se refere a danos materiais e não exclui a relativa a danos morais. Ressaltam que a Corte tem afastado a limitação de tarifa prevista no Código Brasileiro de Aeronáutica, aplicando a legislação consumerista. Quanto aos danos morais, segundo os Ministros: “A morte do pai dos autores em acidente aéreo, quando contava apenas 37 anos de idade, causou-lhes sofrimento intenso, somando-se ainda à perda de amparo material e emocional, faltando-lhes, da parte do ente querido, carinho e orientação” (REsp. 245.465-MG, Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, j. 24.05.2005).

O contrato de transporte terrestre motiva, igualmente, ações indenizatórias, inclusive por danos morais. São comuns, por exemplo, ações envolvendo acidentes dentro de ônibus, que acabam por ferir ou até matar seus passageiros. Como exemplo, o REsp. 1.231.240,

desespero ou grave angústia o sentimento por que passa o passageiro em tal situação, minimizada pelas atenuantes acima descritas e em favor da segurança, inclusive da população em terra”. Apesar dessas considerações, o Ministro ressalta que “Não é esse, entretanto, o caso dos autos. Aqui, o atraso foi relativamente longo – aproximadamente dezesseis horas – e não foram proporcionados nem transporte nem hospedagem para o pernoite, tendo os autores permanecido no Aeroporto de Buenos Aires até a manhã seguinte”.

132 relatado pela Ministra Nancy Andrighi e julgado em 10.04.2012 em que a autora da ação se envolveu em acidente de ônibus da transportadora ré e, apesar da gravidade do acidente que, inclusive, resultou na morte de outros passageiros, a demandante sofreu apenas lesões leves. A relatora esclarece que “ao aceitar a condução da recorrida – firmando, ainda que de forma tácita e não escrita, legítimo contrato de transporte –, surgiu para a recorrente a obrigação de levar a passageira em segurança (inclusive psicológica) até o seu destino”. Com base nisso, os Ministros entenderam que, apesar de o ocorrido não ter tido repercussões físicas graves na autora, “episódios como este afetam de forma profunda a psique de qualquer indivíduo, violando de maneira indelével o seu direito de personalidade, justificando, nos termos dos arts. 186 e 927 do CC/02, a indenização por danos morais” e restabeleceram a indenização por danos morais fixada em primeiro grau de 20 salários mínimos.

Os assaltos dentro de ônibus também são fatos que levam à propositura de ações indenizatórias. Em regra, o STJ classifica esse tipo de ocorrência como caso fortuito e exclui a responsabilidade das transportadoras. No entanto, em alguns casos, como no REsp. 402.227, de relatoria do Ministro Aldir Passarinho Junior, julgado em 22.10.2002, a transportadora é responsabilizada, inclusive pelos danos morais causados. No julgamento desse Recurso Especial, o STJ analisou a seguinte situação: assalto de ônibus seguido de estupro da passageira. Os Ministros ressalvam o entendimento uniformizado da Corte no sentido de que “constitui caso fortuito, excludente de responsabilidade da empresa transportadora, assalto a mão armada ocorrido dentro de veículo coletivo”. No entanto, como a prova dos autos acabou revelando que o motorista do ônibus era indiretamente vinculado a dois assaltantes e que houve omissão dele ao deixar de procurar auxílio imediato da autoridade policial, o STJ entendeu que a transportadora deveria responder civilmente pelo ocorrido, na proporção de sua omissão. A indenização fixada foi no montante de R$40.000,00.

Por fim, com relação ao transporte ferroviário, dois acórdãos foram selecionados sobre tema interessante relacionado a esse tipo de transporte: responsabilidade da companhia transportadora por danos causados ao ‘pingente’ e ao ‘surfista ferroviário’. O primeiro é, em regra, passageiro que comprou a passagem, mas viaja com parte de seu corpo projetada para o lado de fora do trem, diante da superlotação do vagão. Já o segundo é aquele que

133 viaja em cima do trem, deliberadamente, arriscando sua vida, geralmente sem ter comprado passagem.

O STJ faz essa diferença em seus acórdãos para definir, em regra, que, nos casos de ‘pingente’, porque dever contratual da companhia transportadora impedir que as pessoas viajem com parte do corpo projetado para o lado de fora do veículo, a empresa transportadora pode ser responsabilizada por eventuais danos que possam ocorrer com esses passageiros. No REsp. 226.348, julgado em 19.09.2006, e relatado pelo Ministro Castro Filho, o STJ entendeu que essa responsabilidade pode ser atenuada se demonstrada a culpa concorrente da vítima. No caso analisado nesse recurso, o relator observou que “a transportadora concorreu para o evento, ao permitir que em sua composição férrea trafegasse o autor como ‘pingente’. Por outro lado, a vítima colaborou para o resultado, colocando-se nessa situação de perigo sem necessidade, pois, conforme afirmado pelo juízo ordinário, havia a possibilidade de o autor entrar no trem, uma vez que havia espaço, tendo o recorrente assumido sua ‘aventura’”. Dessa forma, diante da culpa concorrente, a indenização fixada foi reduzida pela metade, assim como a pensão mensal e vitalícia arbitrada.

Já com relação ao ‘surfista ferroviário’, o entendimento é outro, a exemplo do REsp. 160.051, de 05.12.2002, relatado pelo Ministro Antônio De Pádua Ribeiro (que não consta da tabela de acórdãos pertinentes analisados porque, como mencionado, no caso do surfista de trem, em regra, não existe contrato de transporte entre as partes. É mencionado aqui, porém, diante da relevância dessa diferenciação, que influi na responsabilização da empresa transportadora). Os Ministros deixaram consignado no acórdão ser entendimento da Corte que “em casos de surfistas ferroviários, estes arcam com a responsabilidade de viajar clandestinamente, em cima dos tetos dos trens, pois seria até inexigível da empresa efetiva fiscalização daqueles que teimam em driblar os fiscais”.

Esses foram alguns contratos que mereceram análise em categorias diferenciadas, diante do grande volume de casos envolvendo-os e da pertinência para o estudo proposto.

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