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3 O TRANSPORTE TRANSMEMBRANAR DE FERRO

3 O TRANSPORTE TRANSMEMBRANAR DE FERRO 69

3.1 Introdução 71 3.1.1 O transporte transmembranar de ferro nos mamíferos 71

3.1.2 A resposta adaptativa da absorção de ferro 74 3.1.3 A aplicação da técnica de voltagem controlada ao estudo da absorção de ferro no

duodeno de ratinho 79 3.2 Materiais e Métodos 80

3.2.1 Animais de experiência 80 3.2.2 Indução da sobrecarga de ferro 80 3.2.3 Medição da concentração de ferro no fígado 80

3.2.4 Preparação- Isolamento e montagem 80 3.2.5 Estudo defluxos unidireccionais de Fe 80 3.2.6Estudo do decaimento da actividade da solução "quente" 82

3.3 Resultados 82 3.3.1 Decaimento da actividade específica da solução "quente " 82

3.3.2 Influência das reservas de ferro 85

3.3.3 Influência do pH. 87

3.4 Discussão 87 3.5 Bibliografia 89

3.1 Introdução

3.1.1 O t r a n s p o r t e t r a n s m e m b r a n a r de ferro nos mamíferos

O ferro possui a mais antiga e conhecida história de entre todos os micronutrientes (Beard et ai. 1996). Embora descrito como um dos elementos mais abundantes na terra (Klausner et ai. 1993, Beard et ai. 1996), a sua disponibilidade é limitada. A restrição imposta aos organismos dependentes da proliferação do fitoplâncton a nível oceânico é controlada pela quantidade de ferro livre no meio (Behrenfeld & Kolber 1999). Deste modo, tanto os organismos procariotas como os eucariotas desenvolveram mecanismos extremamente eficientes no recrutamento do ferro disponível em concentrações subnanomolares (Weinberg

1989, Ardon et ai 1998, Fisher et ai. 1998, Radisky & Kaplan 1999, Nelson 1999). Estratégias específicas para a assimilação deste ião surgiram em consequência da sua insolubilidade em meio anaeróbio com valores de pH alcalino ou próximo da neutralidade (Andrews et ai. 1999). Adicionalmente, métodos de prevenção de acumulação excessiva são responsáveis por compensar as limitações da capacidade de armazenamento intracelular e da falta de um mecanismo de saída.

Uma vez que a toxidade do ferro põe vários problemas para os organismos multicelulares, é crucial que este ião se mova em segurança desde o local de entrada inicial até onde é necessário. Assim, os organismos produzem Tf ou moléculas proteicas semelhantes que quelam eficientemente o ferro, diminuem a quantidade deste ião livre no plasma e reduzem a probabilidade de formação de radicais tóxicos (De Silva et ai. 1996). Adicionalmente, a Tf facilita a entrada de ferro na célula funcionando de forma análoga aos sideróforos bacterianos que se ligam a receptores específicos existentes à superfície celular (Andrews et ai. 1999). A entrada de ferro através do sistema dependente da Tf ocorre predominantemente nos precursores da série eritroide na medula óssea. TfR foram também identificados como antigénios expressos à superfície de linfócitos em resposta à activação com mitogénios (Djeha & Brock 1992). Deste modo, a importância dos TfR na mitogénese é actualmente reconhecida como uma consequência da necessidade deste metal para o funcionamento celular.

Os mecanismos que regulam a expressão da Tf e TfR foram identificados a nível molecular (Mullner & Kiihn 1988, Kuhn & Hentze 1992, Kuhn 1994 e 1998, Eisenstein & Blemings 1998). A bioquímica e a biologia celular das interacções entre a Tf e os seus receptores foram igualmente intensivamente estudadas. Em resumo, o complexo TfR-Tf é internalizado via endocitose e formam-se endossomas especializados dependentes do ATP responsáveis pela acidificação do meio interno através do funcionamento de bombas de protões. O decréscimo do pH endossomal (5.6) provoca a libertação do ferro e a estabilização da interacção entre a apotransferrina (ApoTf) e o receptor. A ApoTf é reciclada para a

superfície celular onde a pH neutro perde a sua afinidade para a ligação com o TfR e é libertada para a circulação para posterior reutilização. Dada a insolubilidade do Fe3+ foi sugerido que o ferro atravessa a membrana na forma ferrosa após redução por uma ferriredutase endossomal. Actualmente a função do ciclo da Tf ainda não está completamente clarificada. Alguns autores sugerem que este sistema surgiu da necessidade de concentrar o ferro num meio acídico tornando o ião mais acessível aos transportadores de Fe2+ (Andrews et ai. 1999). Por outro lado, a existência de absorção de ferro e inclusivamente a observação da sobrecarga deste ião em determinados tecidos de animais mutantes hipotransferrinémicos (ratinhos hpx) (Bernstein 1987, Craven et al. 1987, Kaplan et al. 1988, Huggenvik et al. 1989, Simpson et al. 1991 e 1993, Iancu et al. 1995) e doentes com atransferrinémia hereditária (Goya et al. 1972) é uma demonstração clara da existência de mecanismos alternativos de transporte deste metal independentes da Tf.

Existem vários estudos que ilustram a existência de um processo de transporte de ferro independente da Tf a nível intestinal. Por exemplo, o gene da Tf não é expresso nas células mucosas intestinais (Idzerda et ai. 1986) e há evidência de situações nas quais existe alteração da absorção do ferro que não são acompanhadas da variações da quantidade de Tf (Osterloh et ai. 1987). Em particular, a Tf é praticamente inexistente no lúmen do intestino enquanto o TfR existe predominantemente a nível basolateral das criptas (Levine & Woods 1990). Deste modo, a absorção do ferro da dieta parece não envolver o sistema TfR/Tf (Anderson et ai. 1991).

Em geral, o processo de absorção intestinal de ferro nos mamíferos é convenientemente divido em três passos: entrada a nível apical do enterócito, translocação no citosol e transferência para a circulação (Wood & Han 1998). A sugestão de que este mecanismo possui características de um transporte activo (ou pelo menos facilitado) mediado através de proteínas membranares de ligação ao ferro é apoiada por vários investigadores (Manis & Schachter 1962, Guy & Schachter 1975, Eastham et ai. 1977, Muir et ai. 1984, Teichmann & Stremmel 1990).

Duas formas distintas de ferro estão presentes na alimentação: ferro hémico e não hémico. Salvo algumas excepções a vasta maioria das publicações sobre absorção de ferro debruçam-se sobre o estudo do ferro inorgânico talvez pela sua importância na alimentação mundial (Lombard et ai. 1997). O ferro hémico é absorvido a partir da alimentação de uma forma diferente e mais eficiente que o ferro não hémico (Conrad & Umbreit 1993a). A maior parte desta forma de ferro entra para a célula intestinal como metaloporfirina intacta (Conrad et ai. 1966) e é subsequentemente liberto da molécula de porfírina através da acção de uma hemoxigenase intestinal (Raffin et ai. 1974). A transferência para a circulação sanguínea segue a mesma via do ferro inorgânico com o qual compete provavelmente para a ligação com as várias proteínas de transporte (Uzel & Conrad 1998).

A maior parte do ferro não hémico é absorvido a nível da primeira secção do duodeno (Muir & Hopfer 1985, Chowrimootoo et ai. 1990 e 1992) onde o pH ácido ajuda à solubilização do Fe2+ que é produzido a partir do Fe3+ da dieta através da acção de redutores como o ascorbato (Bothwell et ai. 1958, Conrad & Barton 1981, Hunggerford & Linder 1983) e a ferriredutase apical (Riedel et al. 1995, Ekmekcioglu et al. 1996). Adicionalmente, a observação de que a inibição da actividade ferrireductásica em células Caco2 reduz o transporte deste metal (Núnez et ai. 1994, Han et ai. 1995) é outro argumento a favor da importância da redução na optimização do transporte do ferro através do enterócito. Ao invés, outros autores sugerem que a maior parte do ferro da dieta se encontra na forma férrica e é solubilizado através de mucinas estomacais (Conrad et ai. 1991 e 1993a) que mantêm o ião disponível para a absorção a um pH mais elevado a nível duodenal.

De acordo com o modelo proposto por Conrad e colegas a entrada do ferro na mucosa é facilitada por uma integrina 03 (Conrad & Umbreit 1993a, Conrad et al. 1993c) e por uma proteína de 56KDa denominada mobilferrina (Conrad et ai. 1990, 1992, 1993a, 1993b, 1993d e 1994). Uma vez no citosol do enterócito o ião parece associar-se a um complexo de 520KDa conhecido como paraferritina, o qual contém integrina, mobilferrina e flavina monooxigenase (Umbreit et ai. 1996 e 1998). De acordo com o modelo proposto, este complexo constitui um mecanismo para a internalização da integrina membranar e funciona também como ferriredutor distribuindo posteriormente o ferro num estado redox apropriado para os constituintes celulares. Contudo, na generalidade dos casos ainda não foi demonstrada a função reguladora das proteínas que tem vindo a ser descritas como potencialmente envolvidas na transferência vectorial do ferro através do intestino.

Não obstante o aumento do conhecimento verificado nos últimos anos sobre o processo de absorção do ferro, está longe de estar completamente esclarecido o mecanismo pelo qual o metal é transportado desde a célula intestinal até ao plasma. Em princípio, a forma reduzida Fe2+ parece ser libertada da membrana basolateral através de um mecanismo dependente da temperatura. Posteriormente, a passagem para o espaço intersticial através das células endoteliais do sistema capilar portal deve ser mediado por moléculas de baixo peso molecular que eventualmente entregam o ião à Tf circulante (Wood & Han 1998).

Os avanços recentes verificados no conhecimento das bases moleculares envolvidas em anomalias genéticas relacionadas com o metabolismo do ferro tem fornecido um crescente número de dados sobre os genes implicados na mediação do mecanismo de absorção intestinal deste metal. A descrição de um candidato transportador de ferro (Gunshin et ai. 1997) e a identificação do hfe como o gene envolvido na HH (Feder et al. 1996a e 1996b) abriram novos rumos à investigação dos processos moleculares subjacentes à regulação homeostática da absorção intestinal do ferro. A luz das recentes descobertas, um possível modelo do transporte de ferro não-hémico a nível do enterócito dos mamíferos pressupõe a entrada do ião Fe2+ através do transportador Nramp2 (mais recentemente denominado DMT1) que também está envolvido na regulação da homeostase intracelular do ferro veiculando a saída deste ião a

partir das vesículas endossomais (Fleming & Andrews 1998). Um conjunto de proteínas de ligação ao ferro intracelulares serão provavelmente responsáveis pela entrega do metal a organelos específicos ou a proteínas ferro-dependentes. Por outro lado, uma oxidase dependente do cobre como a glicosilfosfatidilinositol "anchored" ceruloplasmina (Patel & Davis 1997) poderá funcionar em paralelo com um transportador basolateral que controle a saída do metal do enterócito. O HFE em associação com o TfR (Parkkila et ai. 1997, Feder et ai. 1998, Waheed et ai. 1999) ou outras proteínas na membrana basolateral poderão servir de sensor de ferro do organismo e eventualmente reduzir a quantidade de metal absorvido de modo a prevenir a sua acumulação excessiva (Wood & Han 1998). Adicionalmente, Gutierrez e colaboradores reportaram a identificação e caracterização de um possível transportador de ferro denominado SFT (do inglês, Stimulator of Fe Transport) (Gutierrez et al. 1997). Estudos estruturais e funcionais em células BHK mostram que a actividade do SFT é dependente dos níveis intracelulares do ferro (Yu et ai. 1998b). Contudo, em contraste com o DMT1, o SFT parece mediar o transporte de ferro tanto independente como dependente da Tf e é capaz de estimular a translocação de Fe2+ e de Fe3+ através da bicamada lipídica (Yu et ai. 1998a). Os mesmos autores sugerem que é necessária a acção de uma ferriredutase para o transporte de Fe3+ mediado pelo SFT e que a privação em cobre reduz a assimilação através da alteração desta actividade. A função precisa do SFT continua por ser completamente ilucidada (Andrews et ai. 1999).

Em resumo, muito embora haja um número crescente de novos dados, ainda está por esclarecer o exacto papel desempenhado pelos vários transportadores recentemente identificados e as suas interrelações, assim como a função desempenhada pelo cobre no transporte do ferro.

3.1.2 A resposta adaptativa da absorção de ferro

O balanço de ferro é mantido essencialmente através do controlo da absorção a nível intestinal (McCance et ai. 1937, Bothwell et ai. 1958, Crosby 1963, Conrad & Crosby 1963, Conrad et al. 1964). Vários factores foram descritos como responsáveis por afectar a absorção deste metal nomeadamente as reservas corporais de ferro (Flanagan 1989, Finch 1994, Gavin et ai. 1994) a taxa de eritropoiese (Bothwell et ai. 1958), a hipoxia (Osterloh et ai. 1987, Simpson 1985a, 1985b e 1996), a gravidez (Manis & Schachter 1962, Raja et ai. 1987b, Southon et ai. 1989) ou a inflamação (Cortell et ai. 1967). Contudo, os estímulos reconhecidos com maior importância na absorção do ferro são as reservas de ferro no organismo e a taxa da eritropoiese constituindo estes factores dois reguladores de tipo distinto: o regulador de armazenamento e o relacionado com o "eritron" (Finch 1994).

Em indivíduos normais, o regulador de armazenamento de ferro é responsável pela manutenção do balanço entre as necessidades de ferro do organismo e a perda normal deste metal. Adicionalmente, controla as reservas de ferro, a sua acumulação e a sua distribuição no

corpo. Por seu turno, o regulador do "eritron" actua especificamente na defesa da produção de eritrócitos em condições limitantes de ferro para além do equilíbrio homeostático. Estes dois reguladores actuam paralelamente no sentido de satisfazer totalmente as necessidades de ferro do organismo e providenciar uma reserva para situações de emergência.

3.1.2.1 O estudo das reservas corporais de ferro como regulador da absorção: o papel dos roedores como modelo experimental

O estado de repleção do corpo em ferro é determinado pelo equilíbrio entre a absorção intestinal e a excreção deste metal. Uma vez que o ferro é altamente conservado pelo corpo (Finch et ai. 1978, De Sousa et ai. 1999) a absorção é o regulador primário da totalidade de ferro existente no organismo. O duodeno e o jejuno proximal adaptam a sua capacidade de absorção em resposta à variação das reservas corporais neste elemento. Regiões mais distais do intestino delgado não mostram ter esta capacidade reguladora e são marcadamente menos eficientes no transporte de ferro (Chowrimootoo et ai. 1990).

A capacidade de reduzir ou aumentar a absorção do ferro de acordo com o aumento ou diminuição das reservas deste metal no organismo encontra-se bem documentada. A resposta adaptativa da absorção do ferro ao estado de repleção do corpo foi descrita em humanos (Conrad & Crosby 1963, Boender & Verloop 1969, Cox & Peters 1978 e 1980, Goddard et al. 1997), em ratos (Conrad et al. 1964 e 1987, Rosenmund et al. 1980, Schumann 1990 e 1999) e em ratinhos (Muir et al. 1984, Muir & Hopfer 1985).

Quando as reservas de ferro no corpo estão diminuídas existe um aumento da absorção do ferro disponível na dieta. Reciprocamente, observa-se um decréscimo da entrada deste metal quando as reservas aumentam. Desta forma, a célula absorptiva intestinal deverá ser sensível aos níveis de ferro existentes no organismo e responder em concordância (Flanagan 1989).

Vários estudos sobre situações patológicas nas quais existe uma deficiência na Tf apoiam a hipótese de que esta proteína pode fornecer ao enterócito informação acerca do estado das reservas corporais de ferro (Lombard et ai. 1997). Por exemplo, na atransferrinémia humana a absorção de ferro está aumentada e observa-se uma acumulação do metal com um padrão muito semelhante ao encontrado na HH (Goya et ai. 1972). O mesmo se observa nos modelos animais desta anomalia -os ratinhos hpx/hpx- (Bernstein 1987, Craven et al. 1987) sugerindo que a Tf não é necessária para a transferência intestinal de ferro mas pode ser essencial para informar o enterócito quando as reservas de ferro estão saturadas. Efectivamente, o TfR das células intestinais humanas parece sofrer o mesmo tipo de regulação que a observada em outros tipos celulares (Lombard et ai. 1990, Pietrangelo et ai. 1992). Quando as células estão repletas com ferro a expressão dos TfRs diminuem à sua superfície de forma a limitar a entrada deste elemento a partir do plasma. Concomitantemente, observa-se um aumento na produção de Ft (Pietrangelo et ai. 1992). Estes processos parecem estar intimamente ligados à regulação da absorção de ferro (Savin & Cook 1980, Whittaker et al.

A observação de que existe no epitélio intestinal um gradiente de expressão do TfR ao longo do eixo criptas-vilosidades paralelamente ao que acontece com o padrão de absorção (Lombard et ai. 1990) constitui um dado adicional para a compreensão do mecanismo pelo qual os enterócitos respondem à informação do estado de repleção em ferro do organismo.

A utilização de dietas pobres ou isentas de ferro na alimentação de roedores foram intensivamente usadas como modelo experimental de deficiência de ferro em estudos da resposta adaptativa da absorção nestas condições (Duthie 1964, Raja et ai. 1987b, 1992, 1995a e 1995b; Schumann et ai. 1999). Estudos cinéticos e funcionais realizados em vesículas apicais isoladas a partir de ratinhos ao qual se induziu uma deficiência em ferro foram igualmente descritas (Muir et ai. 1984, Muir & Hopffer 1985). Por outro lado, são vários os estudos em ratos que descrevem o uso paralelo da sobrecarga e da deficiência de ferro no sentido de avaliar potenciais mecanismos de regulação da absorção e distribuição deste metal (Conrad et ai. 1987, Rosenmund et ai. 1980, Schumann et ai. 1990).

Em 1995 O'Riordan e colegas utilizaram uma aproximação electrofisiológica e demonstraram que o potencial de membrana medido em células apicais de jejuno de rato possui um papel importante no aumento da absorção de ferro em resposta à deficiência deste metal induzida pela dieta (O'Riordan et ai. 1995a).

Em síntese, a existência de uma regulação ao nível da entrada de ferro no organismo parece ser a responsável pelo controlo da absorção de acordo com as reservas corporais do metal. O mecanismo exacto através do qual se exerce essa regulação continua contudo por ser esclarecido.

3.1.2.2 O " e r i t r o n " e a regulação da absorção de ferro: alguns modelos animais experimentais

Nos indivíduos normais observa-se um aumento da absorção do ferro em situações associadas com a estimulação da eritropoiese como a perda de sangue, deseritropoiese, hemólise aguda ou hipoxia. Reciprocamente, verifica-se uma diminuição da absorção nos casos em que a eritropoiese é inibida como no caso da hipertransfusão, do jejum e da diminuição de altitude. Contudo, há evidências que sugerem que a absorção é regulada mais pela demanda do "eritron" do que pela eritropoiese per se (Botwell et ai. 1958).

Estudos realizados com ratinhos em hipoxia sugerem que o aumento observado na absorção de ferro nestes animais é independente da eritropoiese (Raja et ai. 1986, 1988). Aparentemente, a hipoxia tem um efeito directo na mucosa intestinal que estimula a entrada de ferro através do intestino (Flanagan 1989) e por isso foi um modelo animal intensivamente utilizado em estudos de absorção deste metal (Simpson et al. 1986a e 1986b, Raja et ai. 1987a, 1987b, 1987c, 1995a e 1995b, McKie et ai. 1996 e 1998).

Um aumento da absorção de ferro foi descrito em indivíduos que se deslocam do nível do mar para áreas de elevada altitude. Observações similares foram reportadas em animais de experiência sujeitos a uma diminuição de pressão parcial de 02 seja em câmaras hipobáricas (Osterloch et ai. 1987, Simpson et ai. 1985a, 1985b, 1986a, 1986b, 1996) ou à pressão

atmosférica normal com 10 a 15% de 02 (Strohmeyer et ai. 1964, Raja et ai. 1988). Estas observações foram confirmadas tanto in vivo (Halliday et ai. 1976, Raja et al. 1987b e 1988) como in vitro (Raja et al. 1986, 1987b, 1987c).

Não obstante o número elevado de experiências realizadas com este modelo animal o mecanismo subjacente à resposta adaptativa da absorção do ferro em condições de hipoxia continua por esclarecer (0'Riordan et ai. 1997). O vasto conjunto de dados obtidos sugere que o controlo da absorção de ferro pelo 02 tecidular actua através dum mecanismo independente do controlo exercido pelo níveis de ferro na dieta (Simpson & Peters 1985b) e na mucosa (Raja et ai. 1987b, Simpson 1996) não exercendo a Tf mucosal (Simpson et al. 1986b, Osterloch et al. 1987) um papel fundamental neste processo. Por outro lado, não obstante neste modelo experimental esteja descrito um aumento do fluxo sanguíneo duodenal não se demonstra qualquer correlação com variação de absorção observada em condições de hipoxia excluindo o possível envolvimento deste factor no controlo deste mecanismo (Raja et ai. 1995a). Mais recentemente os estudos de O'Riordan e colaboradores sugerem que o aumento do potencial de membrana observado nas células apicais do duodeno de rato pode ser o mecanismo responsável pelo aumento de absorção de ferro observado nestas condições (O'Riordan et ai. 1995a, 1995b, 1996 e 1997).

Outros modelos experimentais animais da absorção de ferro relacionados com alterações a nível do "eritron" foram descritos. Nomeadamente, alguns estudos descrevem a flebotomia (Bothwell et ai. 1958) e a administração de soluções etanólicas de fenilhidrazina (Bothwell et ai. 1958, Raja et ai. 1989, Santos et ai. 1998) como meios de provocar anemia nos animais em estudo. A indução da anemia hemolítica através da injecção de metilcelulose intraperitoneal foi também referida anteriormente (Bothwell et ai. 1958). Estudos em animais nos quais a resposta eritrocitária está diminuída à custa da esplenectomia, nefrotomia parcial ou ablação medular foram igualmente descritos (Raja et ai. 1986, 1988).

O uso de eritropoietina em ratinhos (Raja et ai. 1988) ou a transfusão de reticulócitos em ratos (Finch et ai. 1982a) foram igualmente testados como estratégia experimental para o estudo da absorção de ferro. Os resultados obtidos mostram que existem mecanismos independentes da eritropoiese tanto na estimulação da absorção de ferro em ratinhos sobrecarregados de ferro como na hipoxia.

A succinil acetona (SA) é um conhecido inibidor de uma das enzimas envolvidas na biosíntese do grupo heme. O uso de ratinhos injectados intraperitonealmente com SA foi descrito como método experimental para esclarecer o papel desempenhado pelos níveis de heme intracelulares na regulação da absorção intestinal do ferro e confirmam esta relação (Laftaheí ai. 1997).

Muito embora pareça existir um paralelismo entre a absorção de ferro intestinal e a taxa de eritropoiese (Finch et ai. 1982b) o mecanismo desta inter-relação continua por

esclarecer. Seguramente que a investigação de modelos animais adequados será determinante no atingir desta clarificação.

3.1.2.3 A influência do pH

O pH intraluminal varia muito ao logo do tracto gastrointestinal (Ovesen et ai. 1986). O conteúdo gástrico altamente ácido é esvaziado continuamente para o duodeno onde é neutralizado pelo bicarbonato segregado pelo pâncreas, fígado e mucosa duodenal. Deste modo, criam-se rápidas flutuações de pH no duodeno e observa-se a formação de um gradiente que conduz à baixa acidez dos conteúdos do lúmen a nível do jejuno proximal (Flemstrõm & Kivilakso 1983, Nylander et ai. 1989).

A absorção de ferro não hémico é marcadamente regulada na parte proximal do duodeno (Manis & Schachter 1962) onde o pH acídico promove a solubilização do ferro transformado em Fe2+ pela ferriredutase (ver Capítulo 5) e ascorbato. Efectivamente, é largamente reconhecida a insolubilidade do ião Fe3+ em soluções aquosas acima de pH 4 devido à formação de hidróxidos férricos enquanto a maior parte do Fe2+ permanece solúvel a um pH mais alto (Thomson et ai. 1971, Hunggerford & Linder 1983, Conrad & Barton 1981, Lynch 1997).

Alguns componentes da dieta e das secreções intestinais possuem um papel importante na alteração da biodisponibilidade do ferro para a absorção. O ácido clorídrico gástrico é responsável por solubilizar o Fe3+ tornando-o quelável por outras substâncias que aumentam a sua absorção no meio duodenal mais alcalino. Por seu turno, o ácido ascórbico forma