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PARTE I ENQUADRAMENTO TEÓRICO

1.4. A leitura em contexto escolar

1.4.1. Transversalidade da leitura Leitura e aprendizagem

Na maioria dos casos, é possível passar a mensagem de que é a leitura que possibilita o acesso ao conhecimento - da matemática, da história, do mundo que nos rodeia, das descobertas, do pensamento… - e que também por isso proporciona prazer (Lobo et al., 2002: 39).

Atualmente, no debate social sobre o papel da Educação no desenvolvimento humano, importa centralizar problemáticas como a construção de um ensino orientado para a aquisição e desenvolvimento de competências transversais, especificamente no que se refere ao domínio da compreensão na leitura. Ensinar a ler não pode nem deve ser unicamente um objetivo do professor de Língua Portuguesa. Torna-se fulcral e urgente desenvolver estratégias de leitura nas diferentes disciplinas do currículo.

A competência da leitura é transversal a todo o conhecimento. É necessária uma formação consistente de educadores e professores para que estejam esclarecidos sobre os complexos processos cognitivos, linguísticos, sociais e afetivos que envolvem o ato de ler e para que possam adaptar as diferentes técnicas e modelos consoante as diversas fases de aprendizagem e o percurso pessoal e escolar de cada aluno. Desconhecendo os

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mecanismos implicados na aquisição e desenvolvimento das competências da leitura dificilmente se poderão criar e conquistar leitores interessados.

Atendendo a que o meio socioeconómico, familiar e cultural é condicionador da formação da criança, compete à escola auxiliar o aluno no caminho da igualdade e integração social, criando uma forte relação afetiva que sustente o gosto pela leitura. Do ensino da leitura e da competência leitora dependerá todo o percurso escolar e o sucesso ou insucesso do aluno e, consequentemente, a sua integração social. Também os alunos devem sentir que sem esforço e perseverança não alcançam bons resultados nem a curto, nem a longo prazo. Nesta linha, os estudiosos são unânimes em afirmar que, se a instrução adequada para desenvolver as habilidades centrais de uma leitura fluente não for fornecida nos primeiros anos de escolaridade, as dificuldades na leitura serão inevitáveis.

No âmbito da leitura compreensiva, consideramos essencial que todos os docentes a fomentem, independentemente da área curricular que lecionem, uma vez que o processo de ensino-aprendizagem se centra no texto escrito, para além de as diferentes disciplinas curriculares e não curriculares oferecerem uma excelente oportunidade para os jovens contactarem com textos de tipologias variadas e sobre diferentes assuntos. Negociar com os alunos a leitura de textos reais para finalidades reais, sobre ciência, natureza, geografia e outros temas, pode ser o primeiro passo para apoiar aqueles com dificuldades de leitura. A leitura é de facto uma atividade mobilizável por professores e alunos em todas as disciplinas, mas é também ela mesma objetivo do processo de ensino-aprendizagem, na situação das leituras recreativa e analítica/crítica.

Segundo Amor (1993), após a aquisição de competência leitora, a leitura pode ser funcional, isto é, lê-se para aprender, para recolher informação que nos permita viver em sociedade. Seguir instruções, tomar notas, consultar um dicionário, são competências essenciais para a inclusão social do individuo. A leitura pode ainda ser analítica e crítica, que é a situação de leitura mais corrente no nosso ensino. O aluno deverá ser capaz de hierarquizar a informação, estabelecer relações e construir um juízo crítico. Este tipo de análise é mais exigente e, se o aluno não tiver as competências de leitura bem consolidadas, dificilmente fará uma correta análise e crítica textual.

Para Cadório (2001: 26), citando Charmeux, existe uma situação de leitura literária, de prazer ou ficção. Para esta estudiosa muitos alunos rejeitam este tipo de atividade porque ainda se praticam na nossa escola análises gramaticais e estilísticas excessivas que retiram o prazer numa situação de leitura literária e de ficção. “O que a escola tem

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instituído é o saber ler e raramente o gosto de ler” (idem: 28). No nosso estudo, a perspetiva foi abordar obras literárias pelo seu valor, conciliando a leitura analítica com a de prazer e fruição, procurando fazer da leitura um objetivo em si mesmo e não apenas um meio para atingir um fim, procurando estimular para outras leituras e levar o aluno a ser “amigo dos livros e da Biblioteca”.

A informação cresceu exponencialmente a partir dos anos 60, mas serão os nossos alunos leitores mais críticos e informados? O verbo ler, do latim legere, significava colher. Com sabedoria, os romanos perceberam que da leitura se podia colher algo. Como já sublinhámos, a ideia antiga de que a leitura é uma prática passiva, um ato meramente recetivo, evoluiu atualmente para o conceito de ler-interpretar, ler-construir, o que nos parece que vai ao encontro do étimo, ler-colher. A leitura apresenta-se assim como um pré- requisito indispensável ao exercício da cidadania, pois através dela é possível a formação sólida e equilibrada do aluno e do indivíduo, na vida escolar e na vida social e profissional. No entanto, nem sempre a escola tem conseguido conquistar os jovens para a leitura, verificando-se inclusivamente a perda do interesse em ler por alunos que, enquanto crianças, gostavam de ler e apreciavam histórias.

De acordo com vários estudos, é fundamental investir-se no ensino da leitura, adotando novas estratégias, adequadas às transformações operadas na sociedade a vários níveis. Uma vez que existem muitos indivíduos escolarizados com baixos níveis de literacia, o que põe em questão o que se ensina e como se ensina na escola, continua a ser importante, como referia Ana Benavente nos anos 90, uma “melhoria dos processos de ensino-aprendizagem, com vista à aquisição de competências de literacia mais efetivamente sedimentadas e transponíveis para a sua utilização nos contextos de vida pessoal, profissional e cívica” (Benavente, et al., 1996: 408).

A leitura é um instrumento transversal a todo o currículo e, ainda que muitas vezes o prazer de ler não seja consentâneo com o caráter obrigatório que caracteriza qualquer situação de aula, é sempre possível, e desejável, dar à leitura um cariz mais associado à recreação e ao prazer, o que implica que se mudem algumas práticas tradicionais do ensino da leitura. A imposição e avaliação com que a escola encara os livros e a leitura são fatores que poderão estar na origem do afastamento dos adolescentes dessa prática, que eles esperam que vá apenas ao encontro dos seus interesses. De facto, “forçar crianças e jovens a lerem obras de que não gostam pode ser a maneira mais eficaz de lhes barrar o caminho” (Magalhães e Alçada, 1994: 41).

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O professor, e não apenas o de Língua Portuguesa, deve fazer sentir aos alunos que a leitura é uma necessidade e não uma obrigação, uma forma de enriquecimento pessoal, alterando práticas institucionalizadas no ensino da leitura que não têm resultado. Como vários estudos e a própria experiência nos revelam, constatamos que a leitura não pode circunscrever-se a atividades realizadas nas aulas de língua materna, uma vez que a leitura desenvolve capacidades cognitivas com repercussões em todas as áreas do saber, assumindo, desta forma, um caráter transversal, visto que o êxito do aluno depende da sua aquisição. Sendo assim, podemos inferir que uma das principais causas da repetência e do atraso escolar de algumas crianças reside precisamente no insucesso na aprendizagem da leitura.

Sabemos hoje que a Biblioteca é um recurso vital para a mudança das práticas educativas centradas no manual, que muitas vezes corrompe o gosto pela leitura. A Biblioteca aproxima os jovens do livro e contribui para o sucesso educativo dos estudantes e para o desenvolvimento das literacias imprescindíveis na nossa sociedade. Estando comprovado que existe uma forte relação entre o acesso a espaços de leitura e o nível de desempenho dos alunos, é fundamental que estejam articulados, na teoria e na prática, os objetivos e a missão da Biblioteca Escolar com os objetivos da lei de bases do sistema educativo e acrescentaria, também, os objetivos dos projetos educativos das escolas.

Estes três vetores devem convergir para o mesmo desígnio, o sucesso escolar e pessoal de cada um, inscrevendo impreterivelmente a Biblioteca, o seu plano de ação e de atividades, no núcleo da vida pedagógica da escola. Aquela deve ser um centro multifuncional de acesso à informação, mas não só. Compete-lhe ser parte integrante no processo de ensino-aprendizagem dos alunos. Não basta ter os recursos. A Biblioteca deve interagir com todos os órgãos pedagógicos de gestão intermédia da escola e com todos os professores, pais e funcionários no sentido de contribuir para o sucesso escolar. Mas como? Apoiando os currículos, colaborando com os docentes na concretização das atividades curriculares desenvolvidas no seu espaço ou tendo por base os seus recursos, planificando e organizando atividades que desenvolvam nos alunos competências de informação, ajudando-os a ser utilizadores da informação em todos os suportes e meios de comunicação bem como a produzir também eles informação que facilite a aquisição de conhecimentos. A Biblioteca deve contribuir para a formação de cidadãos responsáveis, com espírito crítico, imaginação e gosto pelo conhecimento. Deve ser um espaço de trabalho com prazer, em que o aluno crie/aprofunde hábitos de leitura e o gosto pela aprendizagem.

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Nesta perspetiva, o papel que se pretende para a Biblioteca Escolar e os seus objetivos estabelecidos em diversos documentos (Lançar a Rede de BEs, 1996, Manifesto

IFLA/UNESCO, 1999, Declaração Política da IASL sobre BEs, 1993 …) estão em total

sintonia com os objetivos da Lei de Bases do Sistema Educativo ( Lei n.º 46/86 de 14 de outubro), na senda do sucesso escolar e educativo de todos os alunos, realização pessoal, sócio-afetiva e profissional.