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Tratados e acordos internacionais ratificados pelo Brasil

2.3 O ABORTO SOB A ÓTICA JURÍDICO-LEGAL

2.3.2 A vida intrauterina segundo o ordenamento jurídico brasileiro

2.3.2.2 Tratados e acordos internacionais ratificados pelo Brasil

Tratados e acordos internacionais sobre direitos humanos que o Brasil aprovou e ratificou afirmam ser a vida inviolável.

O principal corresponde à Convenção Americana de Direitos Humanos (1969), conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, que em seu artigo 4º prevê: “Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente”.305

O Pacto de São José da Costa Rica passou a integrar o ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto n. 678/1992, o qual afirma em seu artigo 1º que a referida Convenção deverá ser cumprida tão inteiramente como nela se contém.306

Embora tenha nascido no ano de 1969, é incrível como o Pacto de São José da Costa Rica se associa aos objetivos da Constituição brasileira de 1988. “Com efeito, se estabelecermos um paralelo entre eles veremos inúmeras semelhanças [...]. É como se os fundamentos de uma correspondesse aos fundamentos da outra.307

Já a Declaração dos Direitos da Criança, adotada pela Assembleia das Nações Unidas em 1959 e ratificada pelo Brasil, afirma que “[...] a criança, em decorrência de sua imaturidade física e mental, precisa de proteção e cuidados

304

SEMIÃO, Sérgio Abdalla. Os direitos do nascituro. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 148- 171 passim.

305

COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Convenção Americana sobre

Direitos Humanos. 22 nov. 1969. Disponível em: <https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.con

vencao_americana.htm>. Acesso em: 27 out. 2017.

306

BRASIL. Decreto 678, de 6 de novembro de 1992. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto/D0678.htm>. Acesso em: 27 out. 2017.

307

especiais, inclusive proteção legal apropriada, antes e depois do nascimento”308 (grifo nosso).

Nesse ínterim, a Convenção sobre Direitos da Criança (1989), ratificada pelo governo brasileiro em 24 de setembro de 1990, enuncia:

Tendo em conta que, conforme assinalado na Declaração dos Direitos da Criança, “a criança, em virtude de sua falta maturidade física e mental, necessita de proteção e cuidados especiais, inclusive a devida proteção legal, tanto antes quanto após seu nascimento” 309

(grifo nosso).

O texto deste acordo internacional foi promulgado no Brasil pelo Decreto n. 99.710/1990, o qual assevera em seu artigo 1º que “a Convenção sobre os Direitos da Criança será executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém”.310

A produção de efeitos jurídicos potencialmente concretos decorrentes dessas normas internacionais parte diretamente de uma regra constitucional, presente no artigo 5º, §2º: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Segundo Bulos, este dispositivo “consagrou o princípio da não tipicidade constitucional, isto é, as liberdades públicas logram de uma abertura material, sendo enunciadas a título exemplificativo, e não taxativo”.311

Isso significa que os direitos e garantias fundamentais não se encontram enclausurados, limitados, formalmente ao artigo 5º da Constituição, indo além das fronteiras de seus incisos e parágrafos.

Na realidade, o §2º do art. 5º constitui um portal que propicia o ingresso, no ordenamento jurídico, de normas materialmente constitucionais – constatação extraída de uma exegese sistemática da Carta de 1988, que procura conceber os direitos fundamentais de mãos dadas com o princípio

da dignidade humana (CF, art. 1º, III). Assim, o §2º do art. 5º é um cânone

de exegese para otimizar tratados internacionais de direitos humanos, incorporados à ordem jurídica brasileira, numa perspectiva material, consentânea ao bloco de constitucionalidade da Carta de 1988.312 (grifo do autor)

308

BRASIL. Câmara dos Deputados. Comissão de Direitos Humanos e Minorias. Declaração dos

Direitos da Criança. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/atividade- legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/comite-brasileiro-de-direitos-humanos-e-politica- externa/DeclDirCrian.html>. Acesso em: 27 out. 2017.

309

______. Decreto 99.710, de 21 de novembro de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d99710.htm>. Acesso em: 27 out. 2017.

310

Ibidem.

311

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 699.

312

Estes tratados internacionais, por versarem sobre direitos humanos, já adentraram o ordenamento jurídico do país com o status de norma constitucional, ou seja, devem ser observados pela legislação infraconstitucional, nos termos do artigo 5º, §3º da Constituição Federal: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.

Tal norma, proveniente da Emenda Constitucional n. 452/004, alçou os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos a uma posição privilegiada e especial no ordenamento jurídico, porque os equiparou às emendas constitucionais, e não às leis federais. Na lição de Bulos,

Os tratados internacionais de direitos humanos assumem, na ordem positiva interna brasileira, qualificação constitucional, sendo que as convenções internacionais em matéria de direitos humanos [...], a exemplo do Pacto de São José da Costa Rica, revestem-se de caráter materialmente

constitucional, compondo, sob tal perspectiva, a noção conceitual de bloco de constitucionalidade. [...] possuem natureza de norma

constitucional, apresentando um caráter especialíssimo, diferente daquele atribuído aos tratados internacionais comuns. [...] inclusive os firmados antes do advento da Constituição de 1988 têm o mesmo status dos

dispositivos inscritos na Constituição Federal, não podendo, todavia,

contrariá-la, mas, tão só, completá-la [...].313 (grifo do autor)

Posto isso, os tratados e acordos internacionais sobre direitos humanos ratificados pelo governo brasileiro, por disporem normas que determinam a inviolabilidade da vida humana, reforçam o posicionamento estabelecido pela própria Constituição Federal brasileira.