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4. A LITERATURA ATUAL E RECORTES TEMÁTICOS SOBRE A ANOREXIA

4.1. SOBRE O TRATAMENTO

Considerando que o tratamento da anorexia é um ponto nevrálgico da questão, voltemos à literatura, uma vez que já conhecemos a posição das anoréxicas sobre o assunto.

Justus (2000) concorda com Scazufca (1998), para o qual, na Psicanálise, não existe a anorexia, bulimia ou obesidade, mas diferentes modos de ser anoréxico, bulímico e obeso. Essas manifestações podem ocorrer nas neuroses, psicoses e perversões.

A respeito do tratamento, Ferrari (2004) encontra vários obstáculos perante o “não” dos anoréxicos, que se generalizam para outras demandas, não apenas no ato de comer. A paciente confunde a intenção do analista com

uma demanda de falar e, quando isso acontece, o autor afirma que a anoréxica ficará sessões em silêncio.

Mattos (2004) cita o caso de uma paciente que ficava dias sem comer e, quando o fazia, provocava vômitos; dizia que ouvia vozes que lhe falavam para não comer, levando a autora a questionar se não se tratava de uma psicose. No decorrer das sessões, foi verificado que se tratava, na verdade, de uma histeria.

Fernandes (2005), em relação ao tratamento, salienta que é um caso difícil, já que o analista se torna fonte de angústia, pela ameaça de indiferenciação e fusão vivida na relação com a mãe. Assim, o analista não pode ter pressa para obter resultados, porque a relação analista-analisando é marcada pela ausência e intrusão, desamparo e desesperança.

Lima & Gutierra (2005) discorrem acerca do caso de uma paciente anoréxica que estava hospitalizada. A escuta oferecida permitiu a ela separar- se do dito materno. Em vista da experiência, contataram: “Ao seu apetite pelo nada, pode se abrir um apetite pelo dito”.

Schmidt & Mata (2008) partem de um olhar e de uma escuta psicanalítica para tratar do tema. Criticam os médicos que se tornam porta- vozes de um diagnóstico, dando, muitas vezes, uma identidade às pacientes que chegam às clínicas dizendo “Sou anoréxica”, “Tenho anorexia e bulimia e por isso estou aqui”.

Fuks (2003) constata que, em casos graves, as condições clínicas exigem um cuidado médico, um gerenciamento psiquiátrico, nutricional e até psicoterápico do paciente. Porém, alerta para tratamentos os quais objetivam a

correção do déficit nutricional e os sintomas deles resultantes. A partir de trabalhos clínicos, atenta para a importância de se levar em conta os processos históricos e estruturais que os causaram, pois o resultado pode ser apenas uma substituição ou uma repetição dessa sintomatologia.

Sobre o aumento do número de casos de anorexia e bulimia, o autor pensa na inclusão dos transtornos alimentares como um item diferenciado no diagnóstico psiquiátrico. Hoje se prioriza descrever e identificar síndromes, com base em um critério sintomático. Busca-se corrigir a perda nutricional e os sintomas dela decorrentes com uma reeducação alimentar e uma psicoterapia focalizada na problemática da alimentação.

Para Lima & Gutierra (2005), a escuta psicanalítica não deve prender- se ao “espetáculo de um corpo esquelético”, mas deve passar da preocupação orgânica à escuta do sujeito.

Weinberg, em seu artigo “Cabeça vazia é oficina do diabo”, coloca duas questões: o papel da Psicanálise frente a um sintoma assim tão grave e o que se deve interpretar diante de um corpo em que não há metáforas.

A autora ressalta que uma possibilidade seria a de adotar abordagem comportamental para restaurar a capacidade interna de fazer um trabalho de elaboração psíquica. Um contrato de limite de peso, estabelecido para o tratamento, faria uma função paterna, que falta à paciente. Isso deve ser feito sem utilizar meios coercitivos, que podem ser perigosos ao tratamento. Acerca dos resultados desse tipo de terapia, concorda com Fuks (2003), para quem teria apenas um efeito de remoção e substituição dos sintomas.

Silva A. (2005) observa que a relação das anoréxicas com os alimentos e com as palavras se dá da mesma forma: “[...] devora sem degustar, restringe as palavras, metabolizando-as” (p. 21). A compulsão é emagrecer a qualquer custo, parece não ter uma mensagem endereçada ao outro, possuindo a nudez própria da pulsão de morte. Todavia, nesse sofrimento, pode surgir uma demanda ao analista, e este deve dar voz a ela. O analista deve tentar trocar o gozo anoréxico por um significante.

Colucci (2004) analisa fenômenos vividos na relação analítica com uma paciente anoréxica. Percebe que a analisanda anulava seus desejos, indicando o medo de ser separada e sozinha; ela assumia postura de exasperada obediência, mas a imobilidade de emoções, de ideias, a passividade e o silêncio mostravam que a condução do trabalho ficava sob seu controle.

Sobre o tratamento, a autora, em acordo com os estudiosos anteriores, recomenda sair do discurso capitalista presente nessas patologias e “colocar em ato o discurso do inconsciente” (p.54).

Gaspar (2005), no que concerne ao tratamento da anorexia, concorda com Brusset (1999), ressaltando ser o tratamento psicanalítico válido somente em um segundo momento, quando o paciente não corre mais risco de vida. Pelas fragilidades egoicas e pelos limites entre o eu e o outro não estarem bem definidos, a interpretação do analista pode ser vista de forma invasiva pela paciente.

Brusset (1999, p. 141), a respeito do tratamento, afirma:

Se não a fuga e a interrupção da terapia, o reforço das defesas pelo vazio, pelo nada, pelo nada a dizer, pelo empobrecimento não apenas do material em sessão, mas da vida psíquica, relacional e social do paciente.

Por isso, considera necessário adequar o método a essas patologias. No entanto, ressalta que o trabalho difere daqueles que visam unicamente à remoção de sintomas, objetivando um processo de elaboração e transformação psíquica interna para que a paciente se fortaleça, do ponto de vista narcísico, podendo simbolizar, ao invés de atuar, abrindo assim possibilidade de outras vias que não as dos sintomas anoréxicos.

Gaspar (2005) considera que a técnica deve ser maleável e se adaptar às situações que vão surgindo, evitando que o enquadre terapêutico seja visto de forma persecutória pela paciente. Porém, isso não deve se confundir com uma ausência de limites, mas é necessário que haja regras, e o analista deve se colocar como autoridade, mas sem agressividade.

Deve-se favorecer a construção de fantasias no setting analítico, para que haja o fortalecimento das fronteiras egoicas. É importante o estímulo de atividades imaginárias e fantasísticas associadas à vivência da anoréxica com seu corpo, para que vise à simbolização e decodificação desse corpo anoréxico. Para a autora, com a produção de fantasias, pode-se operar um deslocamento da ordem da atuação do corpo para o discurso.

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