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2. REVISÃO DA LITERATURA

2.7. INFECÇÃO CONGÊNITA

2.7.5. Tratamento pós-natal

O objetivo do tratamento pós-natal é reduzir o risco de novas lesões oculares e danos neurológicos.(107) Dois fatores dificultam a realização de estudos sobre o tratamento, e sua interpretação em relação à eficácia do tratamento da infecção congênita pelo T. gondii: a morbidade precoce e tardia, a mortalidade associada com a doença e a grande variabilidade de

apresentações clínicas possíveis de serem observadas.(1) As evidências de eficácia do tratamento pós-natal são limitadas a ensaios randomizados controlados de tratamento em crianças infectadas pelo vírus da imunodeficiência humana em risco de disseminação da toxoplasmose.(107)

Mac Auley et al publicaram, em 1994, os achados do estudo longitudinal colaborativo desenvolvido em Chicago, envolvendo 44 crianças americanas com toxoplasmose congênita seguidas por 15 anos. Foram avaliados a apresentação clínica da doença, segurança e factibilidade do tratamento e o prognóstico das crianças tratadas. Os achados foram comparados com controles históricos. Foram incluídas crianças com infecção confirmada e com menos de 2,5 meses de vida na época da referência e como controles históricos foram incluídas aquelas com mais de um ano de vida na época de referência, não tratadas previamente. O tratamento consistiu em regimes de pirimetamina associada a sulfonamidas e ácido folínico alternados com a espiramicina durante um ano para quatro crianças, do mesmo esquema durante seis meses seguido de terapia contínua com sulfadiazina e pirimetamina até um ano para duas crianças, e para o restante o tratamento foi contínuo com pirimetamina, sulfonamidas e ácido folínico durante um ano (Tabela 2.11). Todos os achados indicativos de infecção ativa se resolveram nos primeiros meses de terapia e aproximadamente 70% das crianças com envolvimento grave do sistema nervoso central (incluindo hidrocefalia, microcefalia e múltiplas calcificações) e danos oftalmológicos (incluindo lesões maculares) ao nascimento que receberam tratamento durante um ano se desenvolveram normalmente. Essa observação contrastou marcadamente com relatos prévios de comum ocorrência de déficits substanciais oftalmológicos, neurológicos e audiológicos entre crianças não tratadas ou tratadas por período inferior a um mês. O atraso no início do tratamento (tanto antiparasitário, quanto colocação e revisão de válvula nos casos indicados) pareceu estar

associado com danos irreversíveis. Os autores relataram que como não houve um grupo controle sem tratamento acompanhado concomitantemente, a relação de causa efeito entre a resolução dos sintomas e a terapia não pode ser demonstrada.(81)

Tabela 2.11 – Esquema terapêutico recomendado na toxoplasmose congênita(1)

Medicamento Doses Duração do tratamento

Pirimetamina Ataque: 1 mg/kg de 12/12 hs por dois dias. Seguimento: 1 mg/kg/dia durante dois a seis

meses, a seguir três vezes na semana.

Um ano

Sulfadiazina 50 mg/kg de 12/12 hs. Um ano.

Acido folínico 10 mg três vezes na semana. Durante todo tratamento e uma semana após término da terapia

com a pirimetamina Corticóides (proteínas no LCR ≥ 1g/dl e na presença de retinocoroidite em área perigosa a visão) 0,5 mg/kg de 12/12 hs. Até resolução da hiperproteinorraquia ou retinocoroidite.

A abordagem mais eficaz para prevenir as lesões oculares tardias secundárias à toxoplasmose congênita é controversa. A maioria das crianças com infecção congênita pelo T. gondii não apresenta sinais clínicos ao nascimento, mas novas lesões ou a recorrência de lesões pré- existentes podem ocorrer em longo prazo. Portanto, para se estimar o prognóstico ocular da toxoplasmose congênita são necessários estudos prospectivos de seguimento das crianças infectadas.(82) Peyron et al publicaram, em 1996, um estudo prospectivo no qual as gestantes infectadas foram tratadas com sulfadoxina e pirimetamina alternada com a espiramicina a cada três semanas, ou somente com a espiramicina até o parto, e as crianças foram tratadas após o nascimento com sulfadoxina e pirimetamina por uma média de 14 meses. Após o seguimento por aproximadamente 12 anos (5-22 anos) de 121 neonatos com toxoplasmose congênita, foram observados 37 (31%) casos de retinocoroidite. As lesões foram

diagnosticadas até um ano, entre dois e dez anos, e entre onze e quinze anos de vida, em respectivamente vinte e oito, sete e duas crianças.(108) Wallon et al realizaram uma coorte prospectiva envolvendo 327 crianças infectadas congenitamente, identificadas pela triagem pré-natal mensal, seguidas por uma média de seis anos (6 – 14 anos). A maioria das mães adquiriu a infecção no segundo ou terceiro trimestre, e o tratamento padrão foi a espiramicina até o parto e a associação sulfadiazina com a pirimetamina alternada com a espiramicina quando a infecção foi detectada após 32 semanas de gestação ou quando o diagnóstico antenatal foi positivo. Os neonatos confirmados ou com suspeita de infecção congênita receberam a associação pirimetamina e sulfadiazina durante três semanas seguida da espiramicina até alcançar 5 kg, e, subseqüentemente, a pirimetamina associada a sulfadoxina e ácido folínico até 12 meses. A pirimetamina com a sulfadiazina foi administrada durante a gestação em 38% dos casos e após o nascimento em 72% dos neonatos. Somente 52 (16%) mães não receberam tratamento durante a gestação. Ao final do seguimento, 79 (24%) crianças apresentaram no mínimo uma lesão de retinocoroidite, a metade das lesões iniciais foi diagnosticada antes de um ano de idade, 58% antes de dois anos, 76% antes de cinco anos e 95% antes de dez anos. A densidade de incidência foi maior durante o primeiro ano de vida e menor entre o quarto e sexto ano de vida, e foi observado um pico entre sete e oito anos de vida. Após as avaliações pediátrica finais, 71% (232/327) das crianças não apresentaram lesões e 18% (60/327) não manifestaram outras seqüelas além da retinocoroidite. Em 11%, pelo menos um outro sinal patológico foi detectado: calcificações intracranianas (31), hidrocefalia (6), e microcefalia (1).(82) Tanto Peyron et al quanto Wallon et al consideraram os achados observados nas crianças tratadas satisfatórios ao comparar com os resultados encontrados em crianças não tratadas relatados em estudos prévios.

as crianças identificadas com menos de um ano de vida com toxoplasmose congênita recebam terapia antiparasitária contra o T. gondii. A duração do tratamento varia de três meses na Dinamarca, a 24 meses em alguns centros da França.(1, 107) Embora os dados relativos à

infecção assintomática sejam insuficientes, a maioria dos autores considera que o tratamento deve ser oferecido para prevenir a alta incidência de seqüelas tardias vistas nas crianças que não receberam tratamento ou o receberam de forma inadequada.(1) A decisão em relação ao

início do tratamento pós-natal deve levar em consideração a probabilidade de toxoplasmose congênita de acordo com a idade gestacional de soroconversão materna, os resultados clínicos e laboratoriais. Se a criança for assintomática, com radiografia de crânio normal, sem IgM ou IgA detectáveis no sangue e sem isolamento do parasita da placenta ou sangue neonatal, a criança provavelmente não está infectada e o acompanhamento pode consistir da avaliação sorológica periódica sem utilização de medicamentos.(10)