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TRINDADE COMO FONTE DE RENDA

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3 PRESERVAÇÃO DA TRADIÇÃO DA ROMARIA DE TRINDADE DE GOIÁS (1940 a 1970)

3.4 TRINDADE COMO FONTE DE RENDA

Segundo Bourdieu (1998), o surgimento das grandes religiões universais está associado ao nascimento e desenvolvimento das cidades. As atividades rurais dificultam as trocas econômicas e simbólicas e, conseqüentemente, impede a tomada de consciência dos grupos locais, ao passo que o desenvolvimento de atividades racionais, como comércio e artesanato, favorece a moralização das atividades religiosas.

Esse fenômeno se processou em Trindade de Goiás, uma vez que a institucionalização da Igreja Católica, por intermédio dos redentoristas, trouxe tanto o desenvolvimento urbano quanto o comercial, o que propiciou a aceitação de uma religião ética, por parte da coletividade. “O corpo de sacerdotes tem a ver diretamente com a racionalização da religião e deriva do princípio de sua legitimidade e teologia erigida em dogma cuja validade e perpetuação ele garante” (BOURDIEU, 1998, p.38).

Assim, preparava-se a transformação da analogia sincrética, relacionada à magia e ao mito, em analogia racional, e os responsáveis por esse processo eram os sacerdotes, no caso de Trindade de Goiás, os redentoristas.

O resultado da monopolização da gestão dos bens de salvação por um corpo de especialistas religiosos, socialmente reconhecidos como os detentores exclusivos da competência específica necessária à produção ou à reprodução de um corpus deliberadamente organizado de conhecimentos secretos, a constituição de um campo religioso acompanha a desapropriação objetiva daquele que dele são excluídos e que se transformam por esta razão em leigos destituídos do capital religioso e reconhecendo a legitimidade desta desapropriação pelo simples fato de que a desconhecem enquanto tal (BOURDIEU, 1998, p.39).

Dessa maneira, formou-se em Trindade de Goiás um verdadeiro campo religioso, que aos poucos se tornaria um complexo de poderes. Esse campo religioso sistematizou e organizou as práticas e representações religiosas. O mito, história que deu origem ao culto ao Divino Pai Eterno, tornou-se a ideologia, e todos os tabus e as magias se tornaram pecados.

A Igreja ia aos poucos lançando mão do capital religioso, na concorrência pelo domínio da administração dos bens de salvação e do exercício legítimo do poder de inculcar nos leigos um habitus religioso, que é

princípio gerador de todos os pensamentos, percepções e ações, segundo as normas de uma representação religiosa do mundo natural e sobrenatural, ou seja, objetivamente ajustados aos princípios de uma visão política do mundo social (BOURDIEU, 1998, p.57).

Já no século XX, mais precisamente em 1923, o presidente do estado de Goiás, Miguel Rocha Lima, aguardava a visita do novo bispo, D. Emanuel, mas, ao invés de o Estado contribuir com a Igreja Católica, este é que esperava da Igreja a sua contribuição.

Segundo Ronaldo Ferreira Vaz (1997) D. Prudêncio, o bispo anterior a D. Manuel, não se preocupou com a regulamentação das fontes de renda e deixou dívidas para a diocese.

Até 1920, a contribuição dos padres redentoristas para a diocese de Goiás era irrisória, uma vez que estes, por causa das às festas religiosas, possuíam condições favoráveis e até invejáveis em relações aos padres seculares.

Os padres redentoristas, por serem estrangeiros e ultramontanos, ou seja, vinculados à Igreja Católica Apostólica Romana, discriminavam os vigários locais, julgando-os inferiores. Por essas e outras razões os redentoristas passaram a ser visados e voltou-se D. Emanuel para o Santuário de Trindade, com o firme objetivo de renovar o contrato estabelecido entre a Diocese e os redentoristas.

Vários conflitos ocorreram entre D. Emanuel e os redentoristas, chegando ao ponto de o bispo informar em carta que, havia nomeado em documento uma comissão para fiscalizar o movimento religioso e financeiro do Santuário de Trindade e também fazer a tomada de conta dos anos anteriores.

Em 1922, foram os cofres do Santuário abertos e as denúncias de D. Emanuel confirmadas. Encontraram-se valores vultosos, ao passo que a Diocese definhava-se financeiramente.

Com isso, D. Emanuel chegou a enviar carta ao Papa Pio XI, solicitando que os rendimentos da Romaria do Barro Preto fossem utilizados exclusivamente na manutenção do seminário e das igrejas, e na formação do patrimônio. As pressões foram tantas que, em 1924, os redentoristas foram obrigados a discutir um novo contrato e esse novo contrato gerou uma série de polêmicas, com relação à sua duração, à remuneração deles etc.

Esse conflito se mostrou tão aguçado que os redentoristas colocaram o Santuário à disposição. Em dezembro de 1924, com a interferência do arcebispo do Rio de Janeiro, D. Sebastião Leme, os padres redentoristas foram convencidos a assinar o contrato com a diocese por dez anos.

Os pontos principais do contrato eram a concessão da Paróquia de Campinas e da direção do Santuário de Trindade aos redentoristas e a fiscalização da renda pela diocese. Somente em maio de 1925 os padres Thiago Klinger, José Frabcusci Wand e João Batista aceitaram validar o documento. Assim, D. Emanuel saiu vitorioso, e a diocese de Goiás contava, a partir daí, com uma fonte permanente e estável de renda.

Em 1939, o contrato foi renovado entre a diocese e os redentoristas. Neste novo contrato D. Emanuel completou o controle sobre o Santuário, mediante a redução da porcentagem destinada aos redentoristas para um único índice e controle sobre as contas.

Bourdieu (1998, p.59) sintetiza esse processo:

A gestão do depósito de capital religioso, produto do trabalho religioso acumulado, e o trabalho religioso necessário para garantir a perpetuação deste capital garantindo a conservação ou a restauração do mercado simbólico em que o primeiro se desenvolve somente podem ser assegurados por meio de um aparelho de tipo burocrático que seja capaz, como por exemplo, a igreja, de exercer de modo duradouro a ação contínua necessária para assegurar a sua própria reprodução ao reproduzir os produtores de bens de salvação e serviços religiosos, a saber, o corpo de sacerdotes, e o mercado oferecido a estes bens, a saber, os leigos como consumidores dotados de um mínimo de competência religiosa (habitus religioso) necessária para sentir a necessidade específica de seus produtos.

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