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Tuberculose x Drogas Lícitas: a influência do alcoolismo e tabagismo na descontinuidade do tratamento

5 ANÁLISE DO MATERIAL EMPÍRICO

5.1 GRANDE CATEGORIA EMPÍRICA: VULNERABILIDADE E CO-DEPENDÊNCIA 1 PRIMEIRA CATEGORIA EMPÍRICA: FATORES RELACIONADOS A

5.1.2 Tuberculose x Drogas Lícitas: a influência do alcoolismo e tabagismo na descontinuidade do tratamento

USUÁRIO CONSIDERANDO O ENFOQUE FAMILIAR

5.1.2 Tuberculose x Drogas Lícitas: a influência do alcoolismo e tabagismo na descontinuidade do tratamento

O consumo de álcool e fumo configura-se em um fator que colabora e até mesmo induz ao abandono do tratamento da TB. O alcoolismo crônico é considerado importante fator de risco para o desenvolvimento da tuberculose, visto que há alta incidência de casos e de formas mais avançadas de tuberculose pulmonar entre esses doentes (ANDRADE; VILLA; PILLON, 2005).

Ressalta-se que deve ser dada atenção especial para o tratamento dos doentes pulmonares bacilíferos etilistas, pois mesmo que estes compreendam a TB como uma doença que tem cura, ainda assim, relutam em modificar comportamentos negativos em relação à mudanças de hábitos nocivos à saúde, como por exemplo, o uso do álcool e fumo (LIMA et al, 2001; GONÇALVES et al, 1999; BRASIL, 2002a).

É importante mencionar que os colaboradores da pesquisa em questão, que fazem uso do álcool e do cigarro, demonstraram total desinteresse em abandonar esses hábitos, e mesmo que visivelmente necessitados de recursos financeiros não deixam de adquirir tais produtos, preferindo abandonar o tratamento da doença e não a dependência.

A consideração do indivíduo em seu ambiente cotidiano, considerando o contexto familiar, deve ser permeado pela abordagem dos hábitos e estilos de vida que esse leva, visando a promoção da saúde, o que envolve especialmente a compreensão da dinâmica familiar e a determinação saúde-doença dentro dessa dinâmica (CARBONE, 2004). Nesse sentido na perspectiva do indivíduo focado na família, deve se refletir sobre a interferência positiva ou negativa que esta pode ter no processo saúde-doença da pessoa, quando compreendidos que há hábitos que estão intimamente ligados a concepções pessoais e ideológicas da família e não apenas do doente.

Dessa forma, o cuidado com a família se torna imprescindível para que o doente venha à aderir ao tratamento da tuberculose e consiga modificar seus hábitos e estilos de vida. Segundo

Ribeiro (2004), essa abordagem a família se concretiza na perspectiva do indivíduo, que é o foco real da atenção, ou seja, a família é o cliente nominal, mas não é “objeto” principal do tratamento. Pode-se perceber que o alcoolismo e o tabagismo são hábitos que, presentes no tratamento da TB, aumentam as chances da ocorrência de abandono, podendo também ser agentes potencializadores do agravamento do quadro clínico da doença, uma vez que os usuários que fazem uso dessas drogas têm sérias dificuldades para abdicarem desses vícios.

Esses fatos podem ser observados abaixo, em alguns trechos dos relatos de colaboradores quando argüidos sobre o motivo que os levou a abandonar o tratamento da TB.

[...] Ah! Eu também não consigo parar fumar não. Então quando eu tomava os remédios eu fumava também. C1 Eu estava era com saudade de beber e de fumar [...] C4 Nem precisei parar de beber e fumar, a doutora disse que eu precisava, mas eu não me sentia mal e continuei. C5 Parei de tomar a medicação por minha causa mesmo, não consigo parar de beber. C6 O esquema terapêutico básico da TB é de curta duração, podendo o doente estar curado em seis meses, se este seguir as recomendações dos profissionais de saúde e não deixar de tomar a medicação prescrita. Porém, diversos fatores podem dificultar esse tratamento fazendo com que o mesmo se prolongue. Sassaki (2003) descreve que em estudo avaliativo do tempo de tratamento da TB em pacientes inscritos em um serviço de saúde do município de Ribeirão Preto – SP, no período de 1998 a 1999, verificou-se que 77,7% dos alcoolistas apresentavam tempo de tratamento superior a seis meses. E quando avaliados pacientes com tempo de tratamento superior a nove meses, os resultados também foram desfavoráveis em relação aos alcoolistas, que respondiam por 55,5% dos casos. Autores como Andrade; Villa; Pillon (2005) afirmam que esses acontecimentos podem ser explicados pelo fato de se encontrarem maiores porcentagens de abandono e absenteísmo entre esse grupo, o que determina tempo maior para conclusão do tratamento e, por vezes, a indicação de esquemas terapêuticos mais prolongados em casos de resistência às drogas usuais.

A recidiva de tuberculose e a Tuberculose Pulmonar Multiresistente também estão relacionadas com a existência de hábitos danosos à saúde e com a adesão ao tratamento (OLIVEIRA; MOREIRA FILHO, 2000b). De acordo com Mello (2001), dentre os indivíduos que apresentaram recidiva, 45% haviam abandonado o tratamento e 27% eram etilistas. Por sua vez,

Barroso et al (2003) encontraram, em pacientes com TBM, a presença do alcoolismo e tabagismo em 39% dos indivíduos, enquanto os que se apresentavam sem a TBM, representavam 24% deles. Assim, observa-se que o alcoolismo e o tabagismo, drogas consideradas lícitas em nossa sociedade, exercem influência negativa no prognóstico e tratamento da TB, pois além de trazerem danos à saúde de uma maneira geral, contribuirão para a descontinuidade do tratamento. Desse modo, os usuários com diagnóstico de tuberculose que apresentam em sua história clínica pregressa a utilização dessas drogas, necessitam de um melhor acompanhamento por parte da ESF, que envolva a família do doente e busque compreender sua dinâmica e seus valores socioculturais.

Destarte, a prática do cuidado integral se apresenta como forma indispensável para a identificação e solução dessa situação. A ESF deve valorizar as peculiaridades de cada indivíduo em tratamento da TB e de sua família, procurando solucionar seus problemas, dúvidas, inquietações e compreender sua dinâmica familiar. No caso específico do alcoolismo e tabagismo, após identificação desses fatores, a equipe deve dar orientações ao usuário e a sua família, além de, encontrar meios para oferecer apoio, ajudando-os a modificarem esses hábitos danosos concomitantemente ao tratamento da TB. Segundo Ayres (2004) deve-se buscar maneiras de melhor manejar as singularidades dos indivíduos, ampliando e flexibilizando normas na aplicação terapêutica das tecnologias de saúde, o que contribuirá na direção racionalizadora e humanizadora dessas abordagens.

Zago (2004) menciona que a dependência ao álcool surge como um dos agravos mais importantes em termos de saúde mental no Brasil. Dessa forma, se torna uma situação marcante, de cunho social, que fragiliza o combate a TB. E de acordo com Sá et al (2009) esse problema estimula a tomada de decisão de modo a construir um diálogo permeado pela intersetorialidade.

Souza (2008) sugere que no campo da Atenção Primária à Saúde, deveria se pensar em investir na parceria entre a Unidade de Saúde da Família e o Centro de Atenção Psicossocial – álcool e drogas (CAPS - AD), visando um cuidado mais abrangente ao doente de TB etilista e tabagista, pois ambos integram a rede de atenção à saúde mental.

Nesse contexto, torna-se necessária a reflexão sobre a necessidade da intersetorialidade das ações, um dos grandes desafios para resolubilidade dos problemas em saúde, pois permite a articulação de esforços dentro da rede de atenção à saúde, bem como dos serviços de saúde com outros setores sociais. Não devendo ser esquecido, entretanto, a importância do envolvimento da família do doente e a compreensão das individualidades dessa nas ações de controle da Tuberculose, para a prática de projetos terapêuticos singulares.