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Tutela Administrativa – Descentralização e Desconcentração

CAPÍTULO 4- DESENVOLVIMENTO DA ILHA DO MAIO NO QUADRO DE

4.3 Tutelas do Desenvolvimento da Ilha do Maio, no Contexto de Cabo Verde

4.3.1 Tutela Administrativa – Descentralização e Desconcentração

A condição geográfica do país (afastamento do território português na época colonial e o facto de ser constituído por ilhas) ditou, desde sempre, a necessidade de descentralizar poderes e desconcentrar serviços em Cabo Verde. Porém, o processo de descentralização só teve fundamento jurídico nos finais dos anos 80 e inícios dos anos 90 com a aprovação da Lei de Bases das Autarquias Locais (Lei 47 e 48/III/89), da Lei Eleitoral Municipal (Lei 48/III/89), da Lei da Organização e Funcionamento da Administração Municipal (Decreto-Lei 52-A/90) e da Lei das Finanças Locais (Decreto-Lei 101-0/90). A descentralização em Cabo Verde seguiu a tendência dos países africanos na época. Consequência de inúmeros fatores de ordem internacional como a globalização, a crise económica, o ajustamento estrutural e a democratização, a rápida urbanização etc, os governos nacionais e agências internacionais de desenvolvimento começaram a dar mais atenção ao desenvolvimento local (Olowu 2001) e Cabo Verde também seguiu a mesma tendência. Em dezembro de 1991, realizaram-se as primeiras eleições autárquicas livres em Cabo Verde e, consequentemente, transferências de competências e de recursos que visavam firmar a descentralização e uma melhor governação do país. Como refere Pereira (2005), “a descentralização do poder de decisão e de execução tem sido defendida como uma forma de melhorar a governação” (Pereira 2005: 286), mas, para isso, as competências devem ser transferidas de forma deliberada e planeada para os poderes locais, com o objetivo de fomentar maior autonomia e melhor gestão dos recursos por parte das instituições cívicas e, consequentemente, promover a participação dos cidadãos no processo do desenvolvimento da democratização.

No caso de Cabo Verde, um estado democrático, a sua própria Constituição estabelece no artigo 2º nº 2 que Cabo Verde é um país unitário, democrático e descentralizado, ou seja, consagra o princípio da unidade do Estado e os princípios da autonomia local e da descentralização administrativa. Por isso, enquanto o estado (poder central) é responsável pelas funções de carácter geral e macroeconómica, os municípios (poder local), nos termos da lei, através dos seus órgãos de poder de autonomia administrativa, gozam de um estatuto que lhes permite desenvolver políticas e elaborar programas de acordo com interesses próprios, comuns e específicos das populações. Assim sendo, os municípios detêm instrumentos que criam condições para satisfazer as suas necessidades locais. A necessidade de desenvolver mecanismos que visem firmar a descentralização e promover uma melhor capacitação do poder local é sublinhada em vários documentos estratégicos para o desenvolvimento de Cabo Verde, como por exemplo, no Programa de Governo 2001- 2005 em se afirma que:

O Governo […] assume a descentralização como condição indispensável para o exercício da cidadania, pelo que, dentro das limitações nacionais, irá assegurar ao Poder Local os meios e os recursos adequados para exercer as suas atribuições e competências.

Manterá uma colaboração directa, leal e idónea com todas as Câmaras Municipais.

Outrossim, promoverá, em cooperação com os Municípios, políticas e programas que possibilitem a transferência gradual para a área de competência e gestão municipal de serviços até agora sob a alçada do Poder Central (GCV 2001:n/p.)

Embora a descentralização em Cabo Verde surja como forma eficaz para detetar e mitigar os problemas da população local, ainda subsistem deficiências e constrangimentos à plena assunção das competências e atribuições e à boa governação local (CHEFIA DO GOVERNO/UCRE/CDD 2007; PNUD/CEA 2002.). Um dos constrangimentos no campo da descentralização tem que ver com a tendência centralizadora reconhecida no Programa de Governo 2001-2005:

Apesar das iniciativas sérias direccionadas para o reforço do Poder Local levadas a cabo, constata-se que a tendência centralizadora que, ainda, caracteriza a Administração Pública cabo-verdiana é excessiva, o que a torna bloqueadora de iniciativas que visem a promoção social, económica e cultural das populações. (GCV 2001:n/p.)

Contudo, a descentralização não é o único modelo de organização administrativa em Cabo Verde. O poder central (o Estado) faz-se representar em todo o território nacional através da desconcentração dos serviços públicos, partilhando a jurisdição com o poder local. Em relação a esta matéria questionou-se os atores sobre como achariam que se deveria promover o desenvolvimento do país, tendo em conta a característica insular e qual a relação entre a democracia e a descentralização em Cabo Verde. Estes mostraram-se preocupados com alguma centralização do poder, principalmente em relação aos principais pólos do país, defendendo que se devem criar condições para uma melhor descentralização, tendo em conta que esta “vai reforçar a democracia”107. Como afirmaram,

“a melhor coisa que aconteceu em Cabo Verde depois da democracia é a descentralização do poder”108, mas “faltam alguns passos para atingir a verdadeira descentralização”109, para

isso, deve ter-se em conta que Cabo Verde é um estado unitário e que cada ilha tem

107Entrevista ao Delegado de Serviços Autónomos de Saneamento/ Vereador da CMM, José Carlos Pina – (Ver a entrevista nº 8 em anexo).

108Entrevista ao Presidente da Câmara Municipal do Maio, Manuel Ribeiro – (Ver a entrevista nº 11 em anexo). 109

Entrevista à representante da Plataforma de ONGs no Maio, Armandina Vieira - (Ver a entrevista nº 3 em anexo).

79 características próprias110, isto é, a promoção do desenvolvimento de uma ilha deve ter sempre em conta os planos de desenvolvimento de Cabo Verde, no geral, e os planos de desenvolvimento de Cabo Verde devem ter em conta os planos locais de cada ilha.

Alguns autores salientam que é importante primar pela descentralização porque “ o aumento da descentralização tem vantagens, quer ao nível da eficiência na afetação de recursos, quer em termos do desenvolvimento do sistema democrático…” (Bravo e Sá 2000:115). Relativamente à centralização, convém salientar que, mesmo dentro da própria ilha, se verifica alguma centralização. A ilha do Maio é um exemplo neste sentido, mas não é único. Ortet (2008), que se dedicou ao estudo sobre a descentralização e desconcentração e o desenvolvimento local em Cabo Verde, nos casos do concelho da Praia e do Tarrafal (ilha de Santiago), sublinha que a “maioria das instituições municipais localiza-se apenas nos principais centros da ilha” (Ortet 2008:i), tal como na ilha do Maio.