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Tutela jurisdicional coletiva do consumidor 64 

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2.2 A proteção individual e coletiva do consumidor no Brasil 53 

2.2.3 Tutela jurisdicional coletiva do consumidor 64 

Antes de adentrar na tutela coletiva do consumidor propriamente, é preciso fazer uma breve introdução sobre a tutela coletiva no Brasil, envolvendo a proteção de outros interesses difusos e coletivos.

A tutela dos direitos e interesses coletivos no Brasil, considerados interesses transindividuais, também chamados de metaindividuais, teve sua origem marcadamente na década de 1960, com a promulgação da Lei nº 4.717/65 – Lei de Ação Popular, que

objetiva tornar nulo um ato administrativo comissivo ou omissivo lesivo ao patrimônio público. Tudo isso provocado pela atitude de um cidadão, que municiado do instrumento processual adequado, busca a proteção efetiva de um grupo indeterminado de pessoas, exercendo o amplo direito de cidadania.

Esta lei, apesar de ainda estar referendada pelo pensamento liberal, que prioriza o ser em sua individualidade, demonstrou que, aos poucos, os legisladores brasileiros ampliaram esta visão, diante da constatação óbvia dos danos coletivos oriundos da sociedade de massa e nesse contexto promulgou-se a Lei nº 7.347/85 – Lei de Ação Civil Pública, para somar com a ação popular e outros instrumentos processuais de garantia dos direitos coletivos e difusos existentes.

A Lei de Ação Civil Pública disciplina a responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, histórico, turístico e paisagístico, a ordem urbanística, a ordem econômica, dentre outros interesses difusos e coletivos. Mas foi principalmente a Carta Magna de 1988 que consagrou o interesse coletivo como direito fundamental, conforme explanado anteriormente.

Junto a estas duas leis, que representam o marco da tutela jurisdicional coletiva no Brasil, no início da década de 1990, outras leis vieram a compor o quadro para que a tutela coletiva fosse considerada uma possibilidade para a busca de soluções acerca de conflitos envolvendo grupos, classes e categorias de pessoas, como o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), a Lei de Ação Civil Pública de responsabilidade por danos causados aos investidores no mercado de valores mobiliários (Lei nº 7.913/89), Lei da Pessoa Portadora de Deficiências (Lei nº 7.853/89) e a Lei da Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92).

Estas normas jurídicas compõem o que se denominou de microssistema jurídico de proteção coletiva, somadas posteriormente com o Estatuto do Idoso (Lei n º 10.741/03) e o Mandado de Segurança Coletivo (Lei nº 12.016/09).

Pela pertinência com o objetivo dessa pesquisa, apenas a Lei de Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor servirão como referências para análise da tutela coletiva dos consumidores no Brasil.

A Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, que disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, foi modificada em partes pelo CDC, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.

Um breve histórico da Lei de Ação Civil Pública encontra-se na exposição de motivos do anteprojeto desta lei, publicada no Diário do Congresso Nacional, em março de 198512. O anteprojeto foi fruto de estudos realizados por professores paulistas, advogados e magistrados, e também tema de debates no 1º Congresso Nacional de Direito Processual Civil, realizado em Porto Alegre, em julho de 1983 e no XI Seminário Jurídico dos Grupos de Estudos do Ministério Público do Estado de São Paulo, que aconteceu em São Lourenço, em Minas Gerais, neste mesmo ano.

Convertido em projeto de lei, posteriormente foi encaminhado para o Congresso Nacional. Até então, a tutela coletiva era regulada pela Lei nº 6.938, de 1981, que disciplina a política nacional do meio ambiente.

De forma sucinta, na exposição de motivos, encontra-se a explicação que leva ao entendimento dos principais aspectos procedimentais adotados para a tutela coletiva.

Primeiramente, ao falar sobre os interesses difusos e coletivos, faz-se a diferença entre direitos subjetivos que são protegidos por seu titular, daqueles direitos que não são individualizados, por pertencerem a um grupo, a uma comunidade ou a própria sociedade e que, por não poderem ser protegidos em seu próprio nome, transferem a titularidade processual ativa para terceiros.

A instituição do Ministério Público, em razão das atribuições que lhe são conferidas pela própria Constituição Federal, é legitimada processual para tal propositura e quando não for autora intervirá como fiscal da lei. De maneira bastante detalhada, o anteprojeto regulamentou a atividade do Ministério Público. A instauração de inquérito civil público, sob a presidência desta instituição, a requisição de informações, de certidões, de exames ou perícias para qualquer organismo público ou particular, demonstra a importância e responsabilidade do Ministério Público nos processos.

Mas também se vislumbrou no anteprojeto outros legitimados ativos, como o Poder Público e as associações civis, sendo estas inspiradas nas class actions dos Estados Unidos. As associações, por sua vez, poderão recorrer das sentenças e demais decisões, mesmo quando não interviram no processo.

A ação tem por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer e as ações cautelares preparatórias ou incidentais são previstas

12 A mensagem nº 123, do ano de 1985, do Poder Executivo, encaminhando o projeto de lei que originou a Lei 7.347, juntamente com a Exposição de Motivos do Senhor Ministro de Estado de Justiça, encontra- se em http://portal.mj.gov.br. Acesso em 07.04.2013.

com o objetivo de se evitar o dano aos interesses coletivos.

Com relação à competência do juízo, o anteprojeto estipulou que as causas devem ser aforadas no lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, cuja competência é absoluta, já que funcional, não sendo permitida a eleição ou derrogação de foro pelas partes. Este critério foi estabelecido a fim de proteger o interesse público existente nas ações civis públicas.

As medidas liminares também são previstas e o anteprojeto criou um fundo para que fossem revertidas as indenizações nos casos em que houvesse condenação em dinheiro, que deverá ser utilizado para reconstituição dos bens lesados.

A partir de 1990, a tutela coletiva dos consumidores passou a ser regrada pela Lei de Ação Civil Pública e pelo Código de Defesa do Consumidor. Com o passar dos anos, os operadores do Direito perceberam, na prática, a necessidade de modificação destas leis, para melhor adequação à realidade da sociedade de consumo atual. Em 2009 foi constituída uma comissão pelo Ministério da Justiça, composta de representantes do Ministério Público, da Magistratura e de acadêmicos, que elaborou um texto, que se transformou no Projeto de Lei nº 5.139 e foi apresentado pelo Poder Executivo ao Plenário do Congresso Nacional, através da Mensagem 238/2009, em 29 de abril, com o teor:

Apresentação da MSC 238/2009, do Poder Executivo, que submete à apreciação do Congresso Nacional, o texto do Projeto de Lei que "Disciplina a ação civil pública para a tutela de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, e dá outras providências”.13

Este projeto tratava não só da modificação das ações civis públicas, mas estava destinado a ser um verdadeiro Código de Processo Civil Coletivo, conforme discussões doutrinárias travadas à época. A título de ilustração, o Capítulo II, que tratava dos princípios da tutela coletiva e dizia em seu artigo 3º:

Art. 3º O processo civil coletivo rege-se pelos seguintes princípios: I - amplo acesso à justiça e participação social;

II - duração razoável do processo, com prioridade no seu processamento em todas as instâncias;

III - isonomia, economia processual, flexibilidade procedimental e máxima eficácia;

IV - tutela coletiva adequada, com efetiva precaução, prevenção e reparação dos danos materiais e morais, individuais e coletivos, bem como punição pelo enriquecimento ilícito;

V - motivação específica de todas as decisões judiciais, notadamente quanto aos conceitos indeterminados;

VI - publicidade e divulgação ampla dos atos processuais que interessem à comunidade;

VII - dever de colaboração de todos, inclusive pessoas jurídicas públicas e privadas, na produção das provas, no cumprimento das decisões judiciais e na efetividade da tutela coletiva;

VIII - exigência permanente de boa-fé, lealdade e responsabilidade das partes, dos procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo; e

IX - preferência da execução coletiva.

Porém, em 17 de março de 2010, após os trâmites regimentais no Congresso Nacional, o Deputado José Carlos Aleluia, Relator do Projeto, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara de Deputados, exarou o parecer vencedor, primeiramente mencionando que o texto “contém mais de 70 artigos, recebeu mais de 100 emendas nesta CCJC e três votos em separado, dois deles pela rejeição; que a matéria recebeu ainda três substitutivos” e no final votou pela “constitucionalidade, juridicidade e boa técnica legislativa, e, no mérito, pela rejeição do Projeto de Lei nº 5.139, de 2009, e do Substitutivo a ele apresentado”14.

Desta maneira, frustraram-se as expectativas de se ter um Código de Processo Civil Coletivo no Brasil, pelo menos momentaneamente. Porém, existem novos projetos de lei tramitando no Congresso Nacional com objetivo de adequação à lei de defesa dos consumidores brasileiros e principalmente, de proteção coletiva.

O terceiro capítulo desta pesquisa será dedicado ao estudo das alterações propostas e os benefícios que advirão das mesmas para a sociedade brasileira, no tocante à proteção individual e coletiva do consumidor.

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