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U MA P ROPOSTA DAS E SQUERDAS : G LOBAL F INANCIAL F ACILITY

II R EORDENAMENTO DA A RQUITETURA F INANCEIRA I NTERNACIONAL – UM DEBATE EM CURSO

II.4- U MA P ROPOSTA DAS E SQUERDAS : G LOBAL F INANCIAL F ACILITY

A proposta mais abrangente é a de constituição de uma instituição financeira global com o propósito de regular o sistema financeiro internacional, com vistas a evitar recessões globais, promover o desenvolvimento econômico sustentável, assegurar o pleno emprego, reverter a polarização entre a riqueza e a pobreza mundiais, e dar suporte aos esforços de política em todos os níveis para mobilizar e coordenar seus recursos econômicos. Tal proposta é apresentada por BRECHER et alli (1999), conformando-se a institucionalidade capitalista defendida pela esquerda – conforme os próprios autores definem –, fazendo frente à falta de mecanismos adequados de regulação em um contexto de finanças liberalizadas e de extremada instabilidade, cujos efeitos são sentidos mundialmente, mas com especial intensidade nos países em desenvolvimento.

Segundo os autores, tal instituição, a Global Financial Facility (GFF), estabeleceria um banco internacional para desempenhar funções de regulação monetária desempenhada inadequadamente pelos bancos centrais nacionais, posto que sua atuação é espacialmente limitada. Neste sentido, deveria:

 estabelecer, em cooperação com os reguladores nacionais, um sistema de requerimentos de reserva mínima para instituições financeiras não bancárias e operações transnacionais de corporações e bancos, restaurando o controle da oferta monetária global e nacional;

 coordenar esforços para reduzir as flutuações nas taxas de câmbio através da coordenação das políticas monetária e fiscal nacionais.

A GFF também estabeleceria um fundo público internacional de investimento, que deveria conter os ciclos econômicos globais por meio da adequada expansão ou contração de suas atividades.

Defende-se ainda a taxação de todas as transações financeiras internacionais, nos moldes da “taxa Tobin”, recursos estes que dariam suporte às atividades de tal fundo. Tal taxação reduziria a instabilidade os fluxos financeiros de curto prazo, ao mesmo tempo em que proveria recursos para investimento de longo prazo para o desenvolvimento sustentável de países pobres22.

Ademais, os autores advogam que as políticas a serem perseguidas pela GFF devem ser radicalmente diferentes daquelas preconizadas pelas instituições de Bretton Woods. E seriam:

22 No entanto, conforme avalia B

RUNHOFF (1998: 58-9), e com bastante pertinência para os nossos

propósitos, “toda reforma baseada em acordos que visem limitar a instabilidade monetária internacional, tributando a especulação, atinge os interesses dos que lucram com a instabilidade, mas pode obter o respaldo dos que são lesados pelos excessos do setor financeiro. Sem modificar a correlação de forças, nenhuma proposta de novas relações monetárias internacionais terá a

 encorajar os países a adotar política econômica baseada no crescimento e desenvolvimento doméstico, em lugar da austeridade doméstica;

 encorajar o deslocamento dos recursos financeiros globais da especulação para o desenvolvimento sustentável, mediante aplicação produtiva dos recursos;

 encorajar os países do G-7 a trabalharem juntos com vistas a estimular a demanda doméstica e prevenir a deflação global;

 encorajar a prática de taxas de câmbio mais estáveis;

 desenvolver meio para assegurar a liquidez global, tais como uma expansão do sistema de Direitos Especiais de Saque (Special Drawing Rights – SDR), com vistas a proteger a economia global, especialmente países de baixa renda, de crises de liquidez;

 perseguir outras medidas para assegurar uma demanda global adequada para o provimento do pleno emprego e redução da pobreza.

Estas proposições expressam pontos importantes que deveriam estar contidos em uma efetiva reforma do sistema capitalista global, pois imprime ao sistema capacidade regulatória adequada para gerir fluxos de capitais especulativos, que visam meramente a acumulação de riqueza abstrata, e que se movimentam livremente, impondo vetos ao exercício de política econômica doméstica, subordinando todos os objetivos de desenvolvimento econômico ao seu afã de acumular por acumular. É patente a necessidade de instituições supranacionais com poder regulatório sobre a totalidade das instituições

financeiras que operam em nível internacional, e que atuem com vistas à distribuição equânime da riqueza e à redução da pobreza em nível global.

Conforme apontam FRENKEL E MENKHOFF (2002), todas estas propostas de caráter

mais abrangente seguem um princípio básico de acordo com o qual a integração do mercado deveria andar de mãos dadas com a criação de uma ordem apropriada a esses mercados. No entanto, os governos não parecem dispostos a desistir de boa parte de sua autonomia nacional.

É preciso ter claro, ainda, que há constrangimentos que devem ser reconhecidos e superados com vistas a um reordenamento da arquitetura do sistema monetário-financeiro internacional. Dentre os principais constrangimentos assinalados por GARLIPP (2001b e

2002), podemos destacar: primeiro, o paradoxo existente entre a dimensão assumida pelos mercados de capitais mundialmente integrados em contraste com o caráter nacional das instituições reguladoras (exceto as instituições multilaterais – Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e BIS) e seu porte e capacidade de intervenção limitados. Segundo, o poderio financeiro dos Estados Unidos, país emissor da moeda que exerce a função de reserva universal de valor, o que configura uma mundialização financeira hierarquizada a partir do sistema financeiro norte-americano. Tais constrangimentos adquirem maior relevância quanto mais dificultam o enfrentamento, por meio das políticas econômicas domésticas, dos efeitos deletérios de um capital financeiro globalizado e hierarquizado a partir da lógica das finanças privadas americanas.

A factibilidade de um reordenamento da institucionalidade capitalista, na medida em que requer a superação de importantes constrangimentos impostos às economias em

desenvolvimento, com vistas a possibilitar a retomada de sua autonomia na definição de política econômica doméstica, é bastante questionada. As experiências de inserção subordinada dos países em desenvolvimento à globalização financeira não têm se mostrado capazes de promover o tão propalado desenvolvimento de suas economias, na medida em que persistem os fatores responsáveis pela instabilidade, aumentando a precariedade dos mecanismos nacionais de regulação. Como assinalam BRAGA e CINTRA (1999), “as perspectivas de desenvolvimento para estas economias requerem uma intervenção nacional e supranacional sobre o padrão vigente de ‘globalização financeira’, com vistas a estabelecer limites tanto à concorrência internacional predatória - que destrói capacidades produtivas nacionais por critérios de mera rentabilidade - quanto ao afã exacerbado de acumular por acumular, que caracterizam os atuais movimentos monetário-financeiros mundiais”.