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Uberlândia (MG): a entrada do loteamento fechado Royal Park é construída

principalmente para moradores que possuem carro (2010)

Autora: HERNANDEZ, I. R. S. O (2010).

Dentro de um loteamento fechado até a circulação a pé se torna inviável devido as distâncias entre as casas, porque as ruas não proporcionam uma circulação adequada. Por exemplo, o morador do loteamento fechado Paradiso que fica no ponto A deverá andar, aproximadamente 1.000 metros para chegar até o ponto B.

Figura 2 - Uberlândia (MG): loteamento fechado Paradiso (2010) Fonte: Google Earth (2010).

Considerando o mesmo loteamento verificamos que o morador do ponto A deverá andar 1000 metros para chegar até a portaria do loteamento e 300 metros para chegar até os equipamentos de lazer. Percebe-se que a concepção do traçado foi idealizada para o morador chegar de carro e ir até sua residência de carro e para os demais deslocamentos diários utilizará novamente o carro. Não se consideraram as distâncias que os funcionários domésticos terão que percorrer12. Os funcionários dos loteamentos responsáveis pela manutenção, normalmente circulam em automóvel ou moto.

Esses comentários têm como finalidade chamar a atenção para a prioridade e para a necessidade que o veículo particular tem assumido na nossa vida, refletindo inclusive no traçado urbano. Para morar em um loteamento fechado, a família deve ter veículo próprio, sendo que o comum é possuir, no mínimo, dois carros.

12 As funcionárias domésticas já têm manifestado recusa em trabalhar nos loteamentos fechados devido à

distância que têm que percorrer dentro do próprio loteamento. O mesmo tem ocorrido com outros profissionais, como manicures, que já estão recusando trabalhar em loteamentos fechados porque além da distância que tem que andar, suas bolsas são frequentemente revistadas ao entrarem e ao saírem, o que gera um desconforto considerável.

Nenhuma família que depende de transporte coletivo vai morar num loteamento fechado situado no Setor Sul de Uberlândia, por exemplo. Quem não possui, no mínimo, um carro fica, seletivamente, excluído de morar nesses loteamentos fechados.

Além de privilegiar a utilização de veículos particulares, que deveria ser seriamente combatido devido à poluição do ar e à mobilidade urbana, esses loteamentos fechados não conseguem contribuir nem com um sistema interno de vias públicas que serão efetivamente utilizadas pelos moradores. Essas vias públicas internas não se transformam em pontos de encontro, não há nenhum planejamento para que isso venha a ocorrer. São ruas sem vida, sem circulação de pessoas. Em Uberlândia, temos até loteamentos fechados em que as vias internas foram todas concebidas em forma de coul de sac que é o caso do loteamento Gávea Hill, o que demonstra que a concepção das vias públicas visa atender apenas ao interesse do morador de uma rua, pois nem sequer se considerou um micro sistema de circulação no interior do loteamento. A figura a seguir ilustra este caso:

Figura 3 - Uberlândia (MG): ruas em forma de coul de sac no loteamento Gávea Hill (2010) Fonte: Google Earth (2010).

Não há nenhuma espécie de comércio ou prestação de serviços dentro de um loteamento fechado, pois o uso previsto pela Lei Complementar nº 245 de 2000 (art. 26.) é exclusivamente residencial.

Na visão de Jacobs (2000, p. 29), “Ao pensar numa cidade, o que lhe vem à cabeça? Suas ruas. Se as ruas de uma cidade parecem interessantes, a cidade parecerá interessante; se elas parecem monótonas, a cidade parecerá monótona”. A citada autora demonstra o quanto as ruas são importantes para a vida da cidade e inclusive para a segurança pública. É interessante analisarmos essa questão rua x segurança, porque a tendência atual é as pessoas evitarem as ruas devido à violência imaginada e/ou real. O loteamento fechado tem prosperado em virtude do marketing da violência urbana que nos mostra que ela tende a aumentar, por isso o ideal é se esconder em volta de muros. A figura do loteamento fechado simplesmente ignora por completo que a via pública é essencial para uma vida social saudável e com seus diversos usos, irá conferir à população a segurança que ela tanto almeja. Para Jacobs (2000, p. 30), “Manter a segurança urbana é uma função fundamental das ruas das cidades e suas calçadas”. Ainda nas grandes metrópoles, essa função das ruas deve existir. Não é o fato isolado das pessoas que circulam nas ruas se conhecerem que trará segurança às ruas e sim a própria vida das ruas, com suas diversas atividades. Jacobs (2000, p. 30) entende que: “O principal atributo de um distrito urbano próspero é que as pessoas se sintam seguras e protegidas na rua em meio a tantos desconhecidos”.

A existência do loteamento fechado implica a não utilização das vias públicas por seus moradores, pois eles já fizeram a opção de não usar as vias públicas quando decidiram morar num local cercado por muros e, certamente, ensinarão a seus filhos que as ruas são perigosas e todos os percursos da família serão feitos por veículo próprio e jamais por meio de transporte público.

Como conseqüência, temos a propagação da crença de que a violência está nas ruas, por isso temos que evitá-las se quisermos segurança. Segundo Jacobs (2000, p. 30), “Não é preciso haver muitos casos de violência numa rua ou distrito para que as pessoas temam as ruas, as pessoas as usam menos, o que torna as ruas ainda mais inseguras”.

Além disso, a citada autora também afirma que a paz nas calçadas e ruas não é função única e exclusiva da polícia, a segurança advém da rede intrincada e espontânea dos seus usuários e faz a seguinte advertência: [...] “o problema da insegurança não pode ser solucionado por meio da dispersão das pessoas, trocando as características das cidades pelas características dos subúrbios” (JACOBS, 2000, p. 32).

Acreditamos que o isolamento das pessoas nos loteamentos fechados contribui para o aumento da violência, porque seus moradores se distanciam dos problemas urbanos, como se não fizessem parte da cidade. Esse isolamento, além de gerar uma certa hostilidade, devido a

seu aspecto fisicosocial de segregação, faz com que as pessoas não se sintam comprometidas com a qualidade da vida urbana, porque elas já estão protegidas.

Além de não usar as vias públicas da cidade, pois optaram em privatizá-las, os moradores dos loteamentos fechados também não pretendem utilizar os espaços públicos de recreação da cidade, porque privatizou-os também. Isso nos revela que tais moradores querem evitar o contato com os demais habitantes da cidade, eles querem ficar ilhados em suas fortalezas.

Esse descomprometimento com a qualidade da vida urbana é extremamente prejudicial para a coesão social e coesão espacial, porque implica em distanciamento físico-social. A proliferação de comportamentos individualistas é preocupante, porque a vida em sociedade exige que sejamos mais participativos e mais solidários. A sustentabilidade de uma sociedade é diretamente dependente do seu nível de coesão.

Jacobs (2000) nos adverte da necessidade de um zoneamento mais diversificado, mais heterogêneo, porque da diversidade surge a possibilidade de as pessoas se encontrarem, e é isso que proporcionará maior segurança a elas.

Segundo Jacobs (2000, p. 60), ainda que os contatos entre as pessoas se dê de forma absolutamente trivial: “a soma de tudo não é nem um pouco trivial [...]. Resulta na compreensão da identidade pública das pessoas, uma rede de respeito e confiança mútuos e um apoio eventual na dificuldade pessoal ou da vizinhança”.

A concepção do traçado do loteamento fechado revela que não há preocupação em estimular vínculos comunitários entre os moradores. Esse fator aponta que essa nova classe prefere a privacidade a encontrar casualmente com um vizinho. Esse fator não pode ser considerado como irrelevante ou ser ignorado, pois, embora essa nova classe esteja cercada por muros, ela está inserida na cidade e seu comportamento irá refletir na sociedade como um todo.

Esse distanciamento da elite face à população geral de uma cidade tem como conseqüência o desinteresse pelo bem comum, pelo bem público, o que à medida que for ficando mais intenso, tende a formar um espaço socialmente insustentável.

Rogers e Gumuchdjian (2005, p. 150) ao refletir sobre o assunto afirma que “Nunca estivemos tão eletrônica e fisicamente ligados, contudo, nunca tivemos tão socialmente separados. A liberdade individual reduziu nossa independência e, como conseqüência, nosso senso de interesse comum”.

Como podemos ver na Figura 4, temos uma ocupação urbana no Setor Sul de Uberlândia com 13 loteamentos fechados; mais ao sul um novo adensamento populacional com capacidade para 2.880 pessoas, sendo que em toda essa área não há espaços públicos de recreação que contribuam para a convivência entre essas duas classes distintas e nem um sistema viário, com ruas que proporcionem o encontro entre essas pessoas. As ruas que circulam os loteamentos fechados são ermas, não possuem serviços, lojas, comércios, não há nenhuma atividade que estimule a circulação de pessoas a pé nessas ruas.

Figura 4 - Uberlândia (MG): localização das áreas com predominância de loteamentos

fechados na cor verde e de novos adensamentos populares em vermelho (2010)

Fonte: Google Earth (2010).

Para Rogers e Gumuchdjian (2005, p. 152):

um novo espaço público seguro e não excludente, em todas as suas formas desde os grandiosos até os mais íntimos, é fator essencial para a integração e coesão social. A democracia encontra sua expressão física nos espaços multifuncionais de domínio público, na vitalidade de suas ruas [...]. Partilhar espaços púbicos derruba preconceitos e nos obriga a reconhecer responsabilidades comuns, ou seja, une as comunidades.

O citado autor compreende que uma cidade sustentável deve ser coesa, compacta, com um zoneamento diversificado, deve permitir e estimular o encontro das diferentes classes sociais em seus espaços públicos, inclusive nas ruas e que seja também “uma cidade bonita,

onde arte, arquitetura e paisagem incendeiem a imaginação e toquem o espírito” (ROGERS; GUMUCHDJIAN 2005, p. 167).

Acreditamos na força do belo, na importância da beleza da cidade, por isso criticamos a homogeneidade dos projetos arquitetônicos dos loteamentos fechados, que prejudicam a estética da cidade com seus muros interrompendo o conjunto arquitetônico natural da cidade.

O traçado de um loteamento fechado é um corte no tecido urbano que deixa cicatrizes sociais e estéticas para sempre, o que caracteriza um fator impeditivo da sustentabilidade urbana.