• Nenhum resultado encontrado

Um arquivo de empresa ou um arquivo de família?

No documento O arquivo da Casa Ferreira (1751-1896) (páginas 65-70)

3. O Arquivo da Casa Ferreira

3.2. Um arquivo de empresa ou um arquivo de família?

Como está explícito no título deste trabalho, os documentos que nos propomos tratar são os dos Arquivo da Casa Ferreira, entre 1751 e 1896.

Foi considerado o ano de 1751, porque é tradição na empresa assumir-se o estabelecimento da casa comercial neste ano. Que casa comercial? Não sabemos, ao certo. De acordo com Gaspar Martins Pereira, esta data poderá estar relacionada com um antepassado da família, José Ferreira, de Loureiro, que se teria lançado no comércio de vinhos em 1751141. Contudo, não foi, até à data,

possível recuperar um documento que o confirme uma vez que, também segundo a tradição, a documentação que o poderia fazer desapareceu aquando de um incêndio nos escritórios da Régua, em 1812142. Ainda segundo o mesmo

autor, pode, também, considerar-se a hipótese da aquisição dos Armazéns da Cruz, cuja data coincide. Neste caso, com prova documental existente no Arquivo143.

Já em relação à data final, não restam dúvidas: foi considerado o ano da morte de D. Antónia, 1896, altura em que a sua firma comercial – D. Antónia Adelaide Ferreira – se transforma numa sociedade dividida entre os seus dois filhos, com a designação A. A. Ferreira, Sucessores, formalizada em escritura pública de 1 de Outubro de 1896144.

Não sem razão, usámos a designação «Arquivo da Casa Ferreira», considerando a «casa» como uma «unidade social, simbólica e física»145, cujos documentos,

141 Ver Árvore Genealógica da Família Ferreira.

142 LIMA, J. J. de — Os Ferreiras da Régua. Porto: [s. d.] (exemplar fotocopiado existente no Arquivo Histórico da Casa Ferreirinha).

143 Conf. documentos de D. Antónia Adelaide Ferreira, Pasta 578 (AHCF). 144 Conf. documento existente no AHCF (AAF, Ui. 708, Doc. 837).

145 PINA-CABRAL, João de [et al.] — A casa do Noroeste – introdução e comentários a um encontro

Fig. 6 – Estante com livros da Casa Ferreira (antes da organização).

Fig. 7 – Estante com os dossiês da Casa Ferreira (antes da organização).

numa época anterior à vigência do «Código Comercial» (1833), tanto remetiam para a vida privada como para a vida comercial146. Aliás, a própria D. Antónia,

no seu testamento de 1889, refere a administração «da minha casa comercial e não comercial», assim como a «casa do Porto e [a casa de] Trás-os-Montes»147.

Os documentos da Casa Ferreira denotam isso mesmo, sendo possível, numa primeira abordagem, identificar duas zonas distintas da documentação:

a) Os livros, maioritariamente referentes aos negócios148, com séries claramente

definidas, por exemplo, respeitantes à gestão da Contabilidade: Caixa, Diário, Balancetes, Contas-correntes…;

b) Os documentos avulsos (que estão organizados por membro da família e ordenados alfabeticamente e cronologicamente) que, numa primeira

146 Na família dos séculos XVIII-XIX, é evidente a falta de distinção entre o espaço social e o espaço económico-produtivo (os escritórios da Casa Ferreira da Rua de S. Francisco, por exemplo, funcionavam na casa que servia, também, como habitação). Mais ainda, contrariamente à família contemporânea que se comporta como uma unidade de consumo, a família da época Moderna funciona como uma unidade de produção (económico-social). No caso da família Ferreira, constituindo uma verdadeira rede familiar/empresarial.

147 Testamentos de D. Antónia, Pasta 553 (AHCF).

148 De referir que, além do negócio do vinho do Porto, há registos, por exemplo, das Companhias de Navegação a Vapor de António Bernardo Ferreira II, primeiro marido de D. Antónia.

Fig. 8 – Os escritórios da Régua da Casa Ferreira, na Rua dos Camilos. Foto de Alberto Cerqueira, 1928. AHCF (AAF, álbum 5, n.º 141).

abordagem, parecem mais directamente relacionados com a família. Neste caso, os documentos foram reunidos em dossiês temáticos: Quintas, Casas, Armazéns…

Será, então, possível distinguir entre os documentos de cariz empresarial e os de cariz familiar?

Obviamente, sendo impossível a entrevista aos interessados, teremos que confiar nos próprios documentos para nos darem pistas sobre a forma de gestão dos negócios desta família. E o que estes nos dizem é que a família contava com dois escritórios, um na Régua, outro no Porto, provavelmente, o primeiro com dependência hierárquica do segundo. Ambos geriam a vida empresarial mas também se encarregavam das questões da vida familiar.

No quadro seguinte (Fig. 9), elaborado com base nos documentos, é possível verificar que, embora em alguns períodos, se tenham mantido dois escritórios no Porto, na Régua só se conhece a existência de um; os funcionários não só transitavam entre casas como tratavam indiscriminadamente dos assuntos das casas comerciais e das casas pessoais (o que, aliás, também ocorria nos escritórios do Porto, sendo em muitos casos difícil a classificação de documentos como «particulares» ou «comerciais»).

A gestão das casas (pessoais) era, ainda, alargada aos caseiros e feitores das quintas que, assídua e periodicamente, prestavam contas ao escritório da Régua e aos encarregados dos armazéns (casas comerciais) que também prestavam contas aos respectivos escritórios (conf. Fig. 10).

Esta forma de gestão das «casas», assim como a colaboração empresarial que existiu entre vários membros da família torna difícil – senão impossível – a classificação deste arquivo como exclusivamente familiar ou exclusivamente empresarial, sendo necessária a sua abordagem como um sistema de informação complexo.

Fig. 9 – A mobilidade/partilha dos funcionários entre as várias casas

Casa comercial Escritórios do Porto Escritórios da Régua

JBF (1811-1853)

Bento Alexandre de Oliveira Dias – Em 1824 trata do Caixa e da correspondência estrangeira.

Joaquim Monteiro Maia – É amigo e colaborador de JBF.

ABFI (1810-1835)

Bento Alexandre de Oliveira Dias –

Dirige o escritório entre

aproximadamente 1819 e 1829.

Diogo José de Macedo – Dirige o

escritório entre 1829 e 1833.

Posteriormente, continua a trabalhar para todos os membros da família.

José Pereira Pedrosa – Dirige o escritório entre 1833 e 1834.

José João da Silva Azevedo – Dirige o escritório entre 1834 e 1856.

ABFII (1830-1844)

José João da Silva Azevedo – Em 1835, dirige o escritório.

Francisco José da Silva Torres – Co-dirige o escritório (1835).

Joaquim Monteiro Maia – Co-dirige o escritório (1835-1855).

É encarregado de negócios da família na Régua (c. 1840).

AAF (1844-1896)

José João da Silva Azevedo – Dirige o escritório entre 1833 e 1856.

António José Claro da Fonseca – a partir de 1856 (mantém-se após a morte de D. Antónia).

Joaquim Monteiro Maia – Procurador de D. Antónia.

Joaquim Correia Cardoso Monteiro – Dirige o escritório até 1859?

Francisco Correia (Cardoso Monteiro e Santos) – Substitui o seu pai – Joaquim Correia Cardoso Monteiro – como Administrador do escritório da Régua da D. Antónia (1859-1889?).

Negócios de

MRG

José João da Silva Azevedo – a partir de

1856 dedica-se aos negócios de

Margarida Rosa Gil.

Joaquim Correia Cardoso Monteiro (1856?- 1858?)

Fig. 10 – Perspectiva orgânica do negócio do vinho do Porto da Casa de D. Antónia Adelaide Ferreira, em 1856-1880149

149 Neste caso, durante o matrimónio de D. Antónia e Francisco S. Torres, mas que é aplicável a todos os elementos da família. In PEREIRA; Gaspar Martins; OLAZABAL, Maria Luísa — Dona

Antónia. [Porto]: A. A. Ferreira/BPI, 1996, p. 93.

Ad m inistrad or

(António José Claro d a Fonseca)

Caixeiros

Mestre d os arm azéns d e Vila N ova

Ad m inistração d o escritório d o Porto

Ad m inistrad or

(Francisco Correia Card oso Monteiro d os Santos)

Caixeiros

Mestre d os arm azéns d a Régu a Ad m inistração d o escritório d a Régu a Ad m inistrad ores d as Qu intas

Baixo Corgo Cim a Corgo e Dou ro Su p erior

Caseiros d as Qu intas Caseiros d as Qu intas

D. Antónia Adelaide Ferreira • Francisco José da Silva Torres

No documento O arquivo da Casa Ferreira (1751-1896) (páginas 65-70)

Documentos relacionados