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Um bairro, uma história: contexto local e gênese do Banco Palmas

Já perto de concluir minha pesquisa de campo, fui numa manhã de feriado ao Conjunto Palmeiras para realizar uma entrevista. Lá encontrei em pleno contentamento Augus- to Barros Filho – seu Augusto, líder comunitário e um dos fun- dadores da Asmoconp19 –, o qual, em sua casa, me contou com

alegria que o lugar fora elevado à condição ofi cial de bairro. Era apenas o começo de uma longa conversa em que uma das lideranças mais marcantes da história do Conjunto Palmeiras evocaria as memórias das lutas travadas pelo movimento so- cial local nas décadas de 1970 e 1980.

O título ofi cial de bairro foi concedido, após diversas in- vestidas de reivindicação ao poder público municipal, no dia 31 de outubro de 2007, em audiência realizada na Câmara de Vereadores. Mas já havia um tempo signifi cativo, a contar, pelo menos, desde meados dos anos 1990, que o Conjunto Palmei- ras reunia as características de um bairro, por seu contingente populacional – 25.000 moradores20 –, pelo sentimento de per-

tença dos que lá habitam e pelas condições de infraestrutura urbana arduamente conquistadas através das lutas locais.

19 Seu Augusto hoje integra a Associação Benefi cente de Valorização à Vida (ABVV), entidade comunitária que ele fundou após desligar-se da Asmoconp. Não obstante a quebra de vínculo direto com a Asmoconp, seu Augusto conti- nua apoiando o trabalho desenvolvido por essa organização.

Seu Augusto estava radiante, orgulhoso. Segundo ele, como bairro o Conjunto Palmeiras terá uma delimitação geo- gráfi ca mais reconhecida, com autonomia territorial em rela- ção ao Jangurussu, onde estava situado antes da concessão do título. Assim, segundo ele, haverá mais clareza no direciona- mento de serviços e políticas públicas para o lugar.

Na caminhada do ponto de ônibus até a casa de seu Au- gusto, segui olhando as ruas do bairro e admirando a paisagem ao meu redor, onde se notam ruas com traçado bem defi nido, nas quais transita um serviço de transporte público relativa- mente satisfatório, se comparado ao que se percebe em outros bairros pobres da cidade de Fortaleza–CE. É fato: os morado- res do Conjunto Palmeiras têm como retorno de suas lutas um lugar em processo de urbanização já expressivo, onde hoje se apresenta uma paisagem certamente bem diferente da que se confi gurava no passado, quando os primeiros moradores ali foram estabelecidos, em 1973.

Em relatos de lideranças, ouvi várias vezes dizer que o Conjunto Palmeiras era, no começo de sua ocupação, precon- ceituosamente conhecido como palmeira dos índios21, deno-

minação que signifi cava um lugar pantanoso, marcado pela presença numerosa de palmeiras de carnaúba (Copernicia pru- nifera) e pelo abandono a que fi caram submetidos os morado-

21 A referência ao nome do bairro quando proferida por moradores e lideranças comunitárias do lugar às vezes se manifesta pela expressão Conjunto Palmeiras, outras vezes como Conjunto Palmeira – forma mais comum no ambiente da Asmoconp e do Banco Palmas – ou apenas como Palmeira. Ofi cialmente, o bairro está registrado como Conjunto Palmeiras. Uma explicação possível para o uso do nome do bairro com a palavra palmeira no singular alude à necessidade de evitar que a origem do nome do bairro seja confundida com uma homenagem ao clube de futebol Palmeiras. Outra versão aponta para uso da palavra no singular como forma de valorizar o símbolo que deu origem ao nome do bairro, a palmeira de carnaúba (Copernicia prunifera).

res lá instalados, sem serviço de transporte, energia elétrica, água tratada e encanada, esgotos, escola, posto de saúde, sem nenhuma infraestrutura urbana.

O bairro localiza-se na periferia de Fortaleza, zona sul, com distância de aproximadamente 18 km em relação ao centro da cidade, que fica na zona norte. Está situado vizinho ao Conjunto São Cristóvão – que se enquadra na área correspondente ao bairro Jangurussu – e ao trecho da Rodovia BR 116 que contorna parte do bairro Messeja- na. Há 39 anos iniciava-se o assentamento das primeiras famílias, oriundas de diferentes áreas de risco da cidade e também de regiões centrais onde a especulação imobili- ária já impulsionava a expulsão de famílias assentadas em espaços que passaram a interessar no processo de “mo- dernização” da capital do Ceará. Assim, o povoamento do Conjunto Palmeiras deu-se a partir de uma ação executa- da pela Prefeitura Municipal de Fortaleza, em plena vigên- cia do autoritarismo desenvolvimentista que caracterizou o governo dos militares.

O processo de assentamento da população deu-se numa superfície demarcada em 180 hectares. A área foi dividida em 100 quadras com 36 lotes de 200 m2 cada. O

tamanho dos lotes foi reduzindo-se à medida que a popu- lação crescia, passando para 160 m2 e chegando até a 120

m2. Inicialmente, 1,5 mil famílias foram removidas para o

loteamento, provenientes da favela do Lagamar, Aldeota, Poço da Draga, Arraial Moura Brasil e favela Verdes Ma- res. As causas da remoção dessas famílias variam: algu- mas estavam desabrigadas em decorrência de enchentes, sobretudo as que foram retiradas do Lagamar, e outras passaram por processos de desapropriação de terrenos nas

favelas de origem, sendo que, em determinados casos, a desapropriação ocorreu em áreas de crescente especulação e valorização imobiliária22.

Em 2003, o Conjunto Palmeiras23 completou 30 anos

de história, data em que sua população já somava, aproxima- damente, 30.000 habitantes; em sua maioria, moradores se- mianalfabetos, vivendo no mercado informal, dos quais 80% apresentavam renda familiar estimada abaixo de 2 salários mínimos. Em termos de infraestrutura urbana, o bairro que

22 Cf. Associação (1990), Melo Neto Segundo e Magalhães (2003a;

2003b).

23Como foi dito no início deste capítulo, o Conjunto Palmeiras estava

ofi cialmente inserido, até o fi nal de outubro de 2007, na área do bairro Jangurussu. Essa situação difi cultou, por décadas, a sistematização de dados socioeconômicos que tratassem de forma desagregada a realidade específi ca da população do Conjunto Palmeiras. Registro aqui tal difi culdade como algo também vivenciado pela Asmoconp e pelo Banco Palmas, o que refl etiu também em minha pesquisa no que concerne à necessidade de uma caracterização mais precisa do contexto socioeconômico do bairro, no sentido de perceber e diferenciar a realidade do lugar antes e depois da implantação do Banco Palmas. Todavia, contei com informações sistematizadas em documentos produzidos pela Asmoconp e pelo Banco Palmas, como fontes que se alimentam de dados qualitativos e de levantamentos próprios realizados na área quando da elaboração e execução de projetos de intervenção local focados na geração de trabalho e renda e/ou com outras fi nalidades. Em relação aos números supracitados, esses não correspondem a uma atualização precisa. Após o desmembramento do Conjunto Palmeiras do bairro Jangurussu, a contagem precisa do contingente populacional fi cou, de início, ainda mais difícil, haja vista que ainda não havia uma contagem ofi cial sistematizada e publicada, o que veio depois com os levantamentos demográfi cos realizados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística (IBGE). Determinadas lideranças consideram que a população local abrange uma área ampla formada pelo Conjunto Palmeiras, Palmeiras II e Planalto Palmeiras, totalizando,

hoje conta com 35 anos em nada se assemelha ao loteamento iniciado nos anos 1970. As lutas da comunidade organizada levaram à conquista de energia elétrica, abastecimento de água, drenagem, calçamento e pavimentação de ruas, cons- trução de escolas, praça, transporte público, dentre outros equipamentos e serviços.

Ao transitar pelo bairro, percebo a visibilidade de um mercado local onde se movimentam diversos pontos de negó- cio, tais como mercearias, mercadinhos, lanchonetes, locado- ras de vídeo, bares, lojas de material de construção, vendas de frutas, verduras e legumes, açougue, farmácias, posto de com- bustíveis, revendedores de gás de cozinha, pequenas unidades informais de produção, lojas de vestuário, além de estabeleci- mentos de serviços, tais como salões de cabeleireiros, acesso a jogos de informática e internet, dentre outros. Ademais, o bairro conta com a presença de diversas organizações: igrejas, entidades e associações populares, Centro de Nutrição, Centro Social Urbano, postos de saúde etc.

Hoje o Conjunto Palmeiras tem uma visibilidade im- pressionante na cidade de Fortaleza, no ambiente acadêmico local, na mídia. Tornou-se conhecido nacional e internacional-

aproximadamente, entre 42.000 e 45.000 moradores. É importante ressaltar, porém, que a atuação intensiva do Banco Palmas concentra- -se na área habitualmente denominada Conjunto Palmeiras. As fontes consultadas para acessar os dados aqui apresentados foram: entrevistas realizadas por mim com lideranças locais; Associação dos Moradores do Conjunto Palmeiras (Asmoconp). Desenvolvimento local sustentável: o exemplo da Associação de Moradores do Conjunto Palmeiras com o Banco Palmas. Fortaleza: Asmoconp; PRORENDA, 2000; MELO NETO SEGUNDO; MAGALHÃES (2003a; 2003b); SILVA JR., Jeová Torres. Avaliação de impactos e de imagem: Banco Palmas 10 anos. (Relatório de Pesquisa). Juazeiro do Norte–CE: LIEGS/UFC, 2008. (Mimeo).

mente. Tal visibilidade não se deve mais, no momento atual, à precariedade alarmante que marcou as condições de moradia no lugar entre as décadas de 1970, 1980 e início dos anos 1990. Também não se explica mais em virtude da radicalidade das lu- tas locais que marcaram tais períodos. A projeção do Conjunto Palmeiras como referência para se pensar a questão das condi- ções de habitabilidade urbana e a temática do desenvolvimento local deve-se hoje, sobretudo, à presença do Banco Palmas24 no

fomento à economia solidária no bairro.

É interessante transitar pelas ruas do Conjunto Palmei- ras e ver, nos diferentes tipos de estabelecimentos citados aci- ma, a frase: “Aceitamos palmas”, informando que ali circula uma moeda local. A entrada no bairro já leva a perceber isto. Logo antes do posto de combustíveis, à margem esquerda da Avenida Castelo de Castro, via pública que liga o Palmeiras ao bairro vizinho, São Cristóvão, avista-se uma placa publici- tária, onde se lê uma saudação de boas-vindas e informação sobre a moeda palmas.

Mas o cenário de fama em que hoje se insere o bairro não faz perder de vista as singularidades contidas nas memó- rias de sua história. Uma história que se inicia numa cidade marcada por um processo de crescimento demográfi co inten- so, observado principalmente a partir dos anos 1970, e tam- bém pela especulação imobiliária, fatores determinantes na confi guração socioespacial de um grande centro urbano onde se percebe o fenômeno da concentração de renda manifesto na apropriação desigual dos espaços para a habitação.

24 O Banco Palmas localiza-se na sede da Asmoconp, na Avenida Val Paraíso, 698, Conjunto Palmeiras, Fortaleza–CE.

Segundo dados fornecidos em 2008 pela Federação de Bairros e Favelas de Fortaleza (FBFF), à época, a capital do Ce- ará era a 4a maior cidade brasileira em número de habitantes25,

onde um terço de sua população vivia em favelas que, ao todo, somavam 624 áreas. A migração de famílias do interior do es- tado para a capital é uma das causas desse fenômeno. Tais fa- mílias geralmente não dispõem de condições econômicas para adquirir um imóvel por compra nem para pagar aluguel, tendo como saída a ocupação de terrenos particulares sem utilização e, o que é mais comum, a construção de barracos em áreas de risco, situadas à margem de rios e canais ou em encostas de morros. O fenômeno em questão também se deve à reprodução de situações de pobreza nas novas gerações. Os fi lhos oriundos de famílias que já vivenciaram a ocupação de um terreno urba- no em área de risco casam e constituem nova família, gerando uma constante demanda por esse tipo de habitação.

Outra causa relacionada ao processo de favelização de Fortaleza é a especulação imobiliária que também ocor- re através da ocupação ilegal de terrenos, especifi camente no que concerne à ação de indivíduos que, ao conseguirem um assentamento, seja por meio da chamada “invasão” ou através de políticas públicas habitacionais, terminam ven- dendo o imóvel adquirido, passando a buscar novos espaços para ocuparem novamente. Essa prática, bastante comum, gera um fenômeno que se convencionou chamar “indústria da invasão” de terrenos urbanos, denominação que produz

25 A classifi cação de Fortaleza como 4a maior cidade do Brasil fundamenta-se em números sistematizados pelo IBGE, através das estimativas das populações residentes realizadas em 2006. Segundo tal fonte, a Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) concentra 3.415.455 habitantes e o município de Fortaleza abriga um total de 2.416.920 moradores, fi cando abaixo, em termos populacionais, respectivamente, das cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador.

efeitos pejorativos em relação aos movimentos sociais que lutam pelo acesso à terra urbana, haja vista que determina- dos processos de ocupação fundamentam-se no direito legí- timo à habitação, reconhecido constitucionalmente.

Há que se considerar também o fenômeno da “expul- são branca”, que ocorre em áreas com tendência a tornarem- -se vulneráveis à especulação imobiliária, atingindo sobre- tudo famílias que, por insufi ciência ou ausência de renda, não dispõem de recursos para continuar morando em áreas que passaram por processos de urbanização, onde a implan- tação de determinados equipamentos e serviços implica a cobrança de taxas. Consequentemente, as famílias mais po- bres são levadas a negociar seus imóveis, passando a ocupar outros terrenos em áreas de risco, reproduzindo quadros de habitabilidade precária ou miserável.

É importante salientar que a cidade de Fortaleza é cená- rio de um processo de favelização cujas raízes remontam aos anos 1930, quando o fl uxo migratório de famílias que partiam do sertão cearense em direção ao litoral começa a tornar-se fato notório, resultando inicialmente, dentre outros fatores, na ocupação desordenada da zona costeira oeste.

Na obra Mar à Vista: estudo da maritimidade em For- taleza, o geógrafo Eustógio Dantas (2002) atenta para a segre- gação espacial que caracteriza o processo de crescimento da cidade, observando uma confi guração onde se destacam os espaços ocupados pela elite das áreas ocupadas pelos pobres, fenômeno que revela a força do capital no processo de especu- lação e valorização da terra urbana; processo esse em que so- bressaem interesses relacionados à lógica do crescimento eco- nômico e às preferências habitacionais das classes abastadas.

O autor observa ainda que a política pública de organiza- ção do território urbano em Fortaleza nos anos 1970 levou ao reforço da lógica de segregação dos espaços da cidade, fato que resultou na adoção de políticas de controle social materializa- das na tentativa de erradicação das favelas em áreas que passa- vam a interessar no processo de especulação mobiliária e que tendiam a valorizar monetariamente imóveis visados pelos in- teresses habitacionais e de lazer da elite. Segundo o autor, parte da população assentada no loteamento denominado Conjunto Palmeiras é oriunda dessa intervenção governamental em es- paços urbanos próximos às áreas centrais (DANTAS, 2002).

As políticas de controle social e as tentativas de erradica- ção de favelas contextualizam-se no período da ditadura militar, instaurado a partir de 1964, ano em que foram criados, pela Lei Federal no 4.380, de 21 de agosto de 1964, o Sistema Financeiro

de Habitação (SFH) e o Banco Nacional de Habitação (BNH). No livro Os Labirintos da Habitação Popular: conjunturas, pro- gramas e atores, a socióloga Elza Braga (1995) analisa esse mo- mento histórico, ressaltando a importância que a política de mo- radia então alcançava na sustentação da ordem social vigente.

Considerando-se a lógica desenvolvimentista que mar- cou o período da ditadura militar, é importante observar que a preocupação do governo com a política habitacional não surgia como resposta sensibilizada às necessidades da população em- pobrecida. Havia, sobretudo, um cuidado em conter a expansão de espaços onde se difundiria a possibilidade de perturbação da funcionalidade social então imposta (BRAGA, 1995).

O processo de assepsia urbana é, de fato, um fenômeno comum aos modelos de confi guração das cidades no Brasil, principalmente nos grandes centros (TOSCANO, 2003). As políticas voltadas para a chamada “modernização” de vias pú-

blicas, aliadas ao enobrecimento de determinadas áreas urba- nas, produzem, ao mesmo tempo, tentativas de erradicação de favelas, acelerando a especulação imobiliária que, por sua vez, impulsiona a formação de novas favelas. No caso da cidade do Rio de Janeiro, para citar mais um exemplo do fenômeno em questão, a história revela que ali se desenvolveram de modo emblemático as características de crescimento urbano aqui mencionadas, num processo que remonta ao início do século passado (MATTOS, 2007; ZALUAR, 2007).

Em relação ao contexto histórico das políticas de assepsia urbana realizadas em Fortaleza na década de 1970, Elza Braga focaliza esse período ao referir-se às políticas urbanísticas que objetivaram “modernizar” a cidade e aos processos organizati- vos que emergiram no cotidiano de populações segregadas em favelas. Em sua leitura desse fenômeno, ela destaca a experiên- cia vivenciada pelos moradores do Conjunto Palmeiras.

[...] A expulsão dos pobres era, naquela época, uma exigência do poder público municipal, na perspectiva de reutilizar tais espaços para desenvolver projetos ur- banísticos e, assim, contribuir para galgar o status de metrópole moderna, segregando a população favelada em áreas distantes do núcleo urbano.

Fortaleza, como também outras cidades brasileiras, foi cenário de numerosas mobilizações da população no fi nal da década de 70 e, nos anos 80, gestou dife- rentes formatos organizativos. É nesse contexto que surgem vários movimentos de bairros, dentre os quais merece destaque a Associação dos Moradores do Con- junto Palmeiras (Asmoconp) por aglutinar diferentes forças sociais, sedimentando aprendizados e saberes, que consolidaram, ao longo de três décadas, diferentes tempos políticos [...] (BRAGA, 2004, p. 60).

É importante notar que as memórias do processo de re- moção das famílias oriundas de diversas áreas da cidade para o assentamento do Conjunto Palmeiras revelam que a referida ação ocorreu em perfeita consonância com a política habitacional vi- gente no regime autoritário. No caso específi co de Fortaleza, a Prefeitura Municipal encarregou-se de reproduzir com fi delidade as diretrizes dessa política normativa, integradora e autoritária.

Em 1974, eu morava no Lagamar, aconteceu uma grande enchente, fi quei um mês no estádio Presidente Vargas, depois a prefeitura trouxe a gente para cá para o Palmeira, viemos num caminhão. Deram 500 telhas e 06 forquilhas e a gente se virou pra fazer o resto. [...]. Nessa época o prefeito era o Vicente Fialho... ele foi muito bom, dava feijão para a gente... era duro mas servia muito – depoimento de Do Carmo, moradora do Conjunto Palmeiras, extraído da Cartilha Memória de Nossas Lutas, v. I (ASSOCIAÇÃO, 1990, p. 7). Eu morava na favela Moura Brasil, tinha os que mo- rava no Poço das Dragas, Favela Verdes Mares, Mou- ra Brasil, Morro das Placas e esse mundo por aí. Aí o governo começa a construir grandes avenidas e retira as famílias de lá e jogaram no Palmeira – depoimento de Antonio, morador do Conjunto Palmeiras, extraído da Cartilha Memória de Nossas Lutas, v. I (ASSOCIA- ÇÃO, 1990, p. 7).

Outros moravam em terrenos particulares, foram despe- jados e trazidos para cá.

[...]

A Fundação dava um prazo de trinta dias para construir a casa, caso contrário, perderia o terreno – depoimento de Augusto Barros Filho, liderança comunitária do Con- junto Palmeiras, extraído da Cartilha Memória de Nossas Lutas, v. I (ASSOCIAÇÃO, 1990, p. 8 e 10).

Os depoimentos supracitados revelam que os primeiros moradores assentados no loteamento do Conjunto Palmeiras foram conduzidos para lá a contragosto, sem opção, sem po- der de escolha. É importante ressaltar, contudo, que esse fato, ocorrido em plena vigência do autoritarismo militar, não fez com que os sujeitos de uma história que então recomeçava – a ideia de recomeço tem aqui o sentido de ilustrar a situação de quem passou a enfrentar um “novo” processo de sociabilida- de em outro contexto de moradia, distante do ambiente das práticas cotidianas outrora vivenciadas nos lugares de origem – fi cassem numa atitude de passividade diante das manobras realizadas pelo poder público municipal.

A realidade de abandono, descaso e profunda precarie- dade em que foram largados os primeiros habitantes do Con- junto Palmeiras começou a alcançar visibilidade no contexto da cidade de Fortaleza quando seus moradores reconheceram a força e a potencialidade do poder de organização coletiva e pas- saram a demonstrar esse poder com radicalidade, sem medo,

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