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Um Barril de Pólvora

No documento Celso Furtado: a construção do nordeste (páginas 32-48)

As contradições sociais e tensões políticas no Nordeste, na década de 1950 e início da de 1960, manifestaram-se mais agudamente em Pernambuco, o maior produtor de algodão, de açúcar e o estado mais industrializado da região. E o centro do torvelinho regional foi, sem dúvida, a cidade do Recife. A capital de Pernambuco, que em 1940 tinha 348 mil habitantes, uma década depois chegava a ter 524mil23. Porém, o significativo aumento da população explicava-se não propriamente pelo desenvolvimento econômico da cidade, mas pelo êxodo rural: trabalhadores da terra fugidos das secas e, principalmente, expulsos da zona açucareira, que alterava as formas tradicionais de trabalho. E, à medida que nem a indústria e nem o comércio local tinham condições de absorver esses migrantes, a população desempregada ou sub-empregada acabava se concentrando em

23 É importante que se diga, também, que o caso de Recife não era isolado. Outras capitais nordestinas apresentaram crescimento significativo de população entre 1950 e 1960, algumas até proporcionalmente maior do que Recife. Estes foram os casos de Salvador com um aumento de 57% e Fortaleza com 90%. Em números absolutos, isto representou cerca de 750 mil habitantes para as três capitais juntas. COHN, 1976:79.

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RE L A T Ó R I O D E PE S Q U I S A Nº 2 4 / 2 0 0 4 precárias construções sobre palafitas, fincadas na lama dos rios – os mocambos da cidade do Recife24:

“Segundo o Censo dos Mocambos de Recife, a população que neles morava somava um total de 164.837 pessoas, o que correspondia a 50% da população total da cidade. Dessa população, 28% entravam na categoria de desemprego disfarçado. Se a ela somarmos os desempregados propriamente ditos – que alcança a proporção de 5,3% dos 10.435 indivíduos de mais de 15 anos de idade – o total de desempregados alcança a proporção de 1/6 da população total do Recife. Este quadro serve de base para se ter uma noção mais nítida da magnitude da aceleração desse processo de crescimento da população marginal em Recife, se levarmos em conta que o volume de migração para essa cidade vem aumentando rapidamente: entre 1920 e 1940 o saldo migratório foi de apenas 77.000 pessoas; entre 1940 e 1950 de 113.700: e entre 1950 e 1958 teria chegado a 111.900, com uma média anual de 14.876”. (COHN,1976:78)

24 Joseph A. Page, em seu livro A Revolução que Nunca Houve- Nordeste do Brasil: 1955-1964 (Rio de Janeiro, Editora Record, 1972), fornece uma visão impressionista dos mocambos, que vale a pena resgatar: “Colônias de casebres, chamados mocambos, agrupam-se na lama ao longo das margens dos

rios, para serem arrastados por uma ocasional inundação durante as chuvas, sempre renascendo, entretanto, quando as águas baixavam. Um constante fluxo de camponeses da zona do açúcar e do interior alimentava essas fétidas pústulas humanas. Um caso típico era o Coque, aninhado entre os dedos de terra que acenavam para as águas pardas do rio Capibaribe. Diminutos casebres de madeira, com teto de telhas ou cobertos com papelão, abrigavam uma comunidade que crescera até ultrapassar 20.000 pessoas. Pequenos botes e jangadas constituíam, no Coque, o modo mais conveniente para alguém entrar e sair, desviando-se das privadas colocadas sobre estacas que mergulhavam descuidadamente na água." E numa outra referência aos mocambos, o relato da formação de uma das

mais miseráveis comunidades do Recife: “Brasília Teimosa exemplifica como apareceram essas

comunidades paupérrimas. Fugitivos das secas de 1958 começaram a ocupar um aterro que se projetava dentro do porto do Recife, construído para abrigar tanques de petróleo. A polícia vinha e derrubava os casebres. Quando a polícia saía, os proprietários voltavam para reconstruí-los. Finalmente as autoridades desistiram e um aglomerado de casas miseráveis espalhou-se ali como uma chaga.” PAGE,

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RE L A T Ó R I O D E PE S Q U I S A Nº 2 4 / 2 0 0 4 Os habitantes destes mocambos, construídos nos alagados à beira do Capibaribe e do Beberibe, fornecerão os tipos humanos para o “ciclo do caranguejo”, descrito por Josué de Castro x a simbiose entre o homem e o lixo, na repetição do ciclo da pobreza, em que homens se alimentavam de caranguejos (e, também, siris e aratus), que, por sua vez, se nutriam dos dejetos humanos lançados na lama dos rios:

“E com esta carne feita de lama, elas[as pessoas] fazem a carne de seus corpos e a carne dos corpos de seus filhos. São 100.000 indivíduos, 100.000 cidadãos feitos de carne de caranguejo. O que seus corpos expelem retorna à lama, para se tornar de novo carne de caranguejo”25.

Como já se disse, este quadro de grave crise social era, em larga medida, resultado das transformações pelas quais passava a estrutura de produção canavieira. Nos campos úmidos da Zona da Mata, onde se concentravam as maiores usinas, o avanço da cultura da cana sobre as terras das lavouras de subsistência havia se acelerado nos anos 50, levando à diminuição dos trabalhadores permanentes e ao aumento da força de trabalho temporária, dos corumbas ou catingueiros e dos volantes. Segundo dados disponíveis, o trabalhador permanente que, em 1950, representava 50,3% da mão-de-obra da lavoura canavieira, em 1960 não era mais do que 34,7%. Um grande número de moradores e

25 PAGE, 1972:23. No prefácio ao seu livro Homens e Caranguejos ( São Paulo, Brasiliense, 1967), Josué de Castro reforça estas imagens referindo-se à “lama dos mangues do Recife, fervilhando de

caranguejos e povoada de seres humanos feitos de carne de caranguejo, pensando e sentindo como caranguejo. Seres anfíbios – habitantes da terra e da água, meio homens e meio bichos. Alimentados na infância com caldo de caranguejo: este leite de lama. Seres humanos que se faziam assim irmãos de leite dos caranguejos.”(CASTRO, 1967:12) Sem dúvida, uma imagem dos mocambos da cidade do Recife e

de seus habitantes muito diversa da veiculada por Gilberto Freyre, a partir da ótica idealizada da casa- grande, em seu livro Sobrados & Mocambos: “as aldeias de mocambos desse tipo surgem aos nossos

olhos com uma doçura de povoações de ilhas do Pacífico – as mais romantizadas pelos viajantes, pelos poetas e até pelos antropologistas. O seu ar é o de casas inteiramente à vontade entre as palmeiras e a beira-mar ou da água doce. Algumas são até lacustres: palhoças trepadas em pernas de pau dentro d’água ou dos mangues”. FREYRE, 2001: 30.

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RE L A T Ó R I O D E PE S Q U I S A Nº 2 4 / 2 0 0 4 foreiros expropriados de suas lavouras26 buscou as terras menos férteis e mais distantes, chegando quase ao Agreste, numa tentativa de recriar as condições de pequeno sitiante. A maioria, no entanto, mergulhada numa irremediável proletarização, procurou as regiões próximas às usinas, onde passou a trabalhar como volantes ou, então, rumou para os centros urbanos onde o subemprego e o desemprego a esperavam. Por isto não há que se estranhar a afirmação de que Recife era

“um dos grandes centros de prostituição do mundo. Em julho de 1961, um monge francês, que conduziu extensa pesquisa sobre o assunto no Brasil, estimou que havia 30.000 prostitutas em Recife. Destas, ele calculou que 20% trabalhavam em tempo integral, enquanto as restantes tinham empregos regulares em bares ou restaurantes, ou mesmo trabalhavam como empregadas domésticas em casas particulares”. (PAGE,1972:24)

Em síntese, pode-se dizer que, neste período, Pernambuco foi palco de uma intensificação do domínio do capital que, na lavoura canavieira, atualizou de modo violento as condições de exploração do trabalhador rural, eliminando as formas não- capitalistas de extração de excedente (“cambão”, “condição” etc.). Em lugar das relações arcaicas de trabalho, implantou-se a apropriação moderna do sobre-trabalho, sob a forma da mais-valia. Em vez do cambão e do foro, novas modalidades de exploração do trabalhador, que surgiram condicionadas a salários aviltados (“trabalho por tarefa” pago com valores abaixo do mínimo regional), à inexistência de direitos trabalhistas e à

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O processo de expropriação de foreiros e moradores da Zona da Mata, que em violência e radicalidade ganhava os contornos de um processo de acumulação primitiva de capital, “ia desde a mobilização da

mão-de-obra para as atividades exclusivas da lavoura comercial (reduzindo o tempo dedicado à subsistência) à proibição pura e simples do sítio ou roçado e da criação de animais até o aumento constante do foro e as pressões diretas e violentas, como a destruição das lavouras brancas pelos capangas dos engenhos e usinas, tinha como objetivo colocar, tanto o trabalhador rural como o camponês em inteira disponibilidade para o capital, transformando-os numa mercadoria a ser adquirida no mercado, em troca de um salário”.(AZEVEDO, 1982:51)

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RE L A T Ó R I O D E PE S Q U I S A Nº 2 4 / 2 0 0 4 impossibilidade de qualquer acesso à organização sindical, duramente combatida por usineiros e proprietários de engenhos, que mantinham jagunços armados sob seu soldo e comando.

Foi esta massa heterogênea de trabalhadores miseráveis e expropriados, sem quaisquer direitos sociais e políticos, que alimentou e fez explodir a tensão social em Pernambuco, nos anos 50 e 60, sob a forma das Ligas Camponesas e de outras modalidades de articulação dos trabalhadores do campo, principalmente, na Zona da Mata. Aí o movimento social combinou tanto as formas de luta dos moradores e foreiros, que resistiam ao processo de expropriação das lavouras de subsistência, como, também, a mobilização dos assalariados, desvinculados de qualquer acesso à propriedade da terra, em defesa da extensão dos direitos trabalhistas e da organização sindical no campo. Conhecidos e largamente estudados, o movimento das Ligas Camponesas e a arregimentação sindical dos trabalhadores rurais, no Nordeste, são aqui referidos, apenas em seu significado político mais amplo, como expressão das mudanças nas relações de produção na Zona da Mata e do aguçamento dos conflitos sociais daí decorrentes, tendo em vista a recuperação das contingências históricas decisivas que cercaram o projeto de desenvolvimento do Nordeste e a proposta de intervenção planificadora de Celso Furtado, ao final dos anos 50. Sem entrar no mérito dos limites e contradições destes movimentos, do seu potencial revolucionário, do confronto ideológico entre as tendências políticas que disputaram a condução das ligas e a organização sindical no campo, o que se quer é chamar a atenção para a emergência das massas rurais como sujeitos políticos, que colocou em xeque a rígida estrutura fundiária e as soluções de compromisso que, desde 1930, sustentavam o pacto entre as antigas e novas elites e a

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RE L A T Ó R I O D E PE S Q U I S A Nº 2 4 / 2 0 0 4 “paz agrária” no Nordeste. O que se pretende, com as referências aos movimentos populares no campo, é salientar que, à medida da incapacidade da organização oligárquica tradicional de responder às demandas sociais, a nova ordem capitalista x em versão monopolizada e imposta no plano nacional a partir de um novo núcleo hegemônico x cobrou iniciativa de novos atores sociais que, tendo em vista um projeto de modernização e desenvolvimento, nos moldes de uma nova racionalidade burguesa, procurará estabelecer em outras bases a subordinação dos trabalhadores às classes proprietárias e a destinação de um novo papel ao Nordeste na divisão nacional do trabalho, agora comandada pelo Centro-Sul, que fazia do espaço nacional integrado seu lugar de investimento, produção e realização do capital.

As Ligas Camponesas tiveram suas origens mais remotas na atuação do PCB, ao final da década de 40, quando, na tentativa de ampliar suas bases de atuação além das cidades, o partido pretendeu construir uma “aliança operário-camponesa”27. Fundadas em vários estados brasileiros e tentando quase sempre a sua transformação em sindicatos, as Ligas não chegaram a ganhar força própria, em virtude, entre outros, do retorno do PCB à ilegalidade (1947) e a intensificação da violência repressiva dos fazendeiros. Após este

27 Assunto controverso, a atuação do PCB no campo, no Nordeste, foi largamente relatada nas memórias de alguns militantes – Gregório Bezerra, Memórias - Segunda Parte: 1946-1969. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1979; Paulo Cavalcanti, Da Coluna Prestes à Queda de Arraes. São Paulo, Alfa- Ômega, 1978 – e analisada em trabalhos acadêmicos, como o de Élide Rugai Bastos, Ligas

Camponesas: Estudo Sobre a Luta dos Camponeses em Penambuco (Tese de Mestrado, FFLCH-USP,

1980), ou o de Fernando Antônio Azevedo, As Ligas Camponesas (Rio de Janeiro, Paz e Terra), publicado em 1982. É deste autor a informação de que as “Ligas e associações rurais foram fundadas [pelo PCB] em quase todos os estados brasileiros, reunindo em torno de si algumas dezenas de milhares

de trabalhadores rurais e camponeses. Em Pernambuco, as mais fortes e de maior expressão parecem ter sido as ligas ou associações rurais de Escada, Goiana, Pau D’Alho e a da Iputinga (situada nos arredores de Recife e dirigida por um antigo militante comunista, José dos Prazeres, que teria um papel importante na criação da Liga da Galiléia, em 1955). Apesar de constituídas e registradas como associações civis, a maior parte delas tentou se transformar em sindicatos, esbarrando, porém na resistência dos grandes proprietários e na negativa do Ministério do Trabalho”. AZEVEDO, 1982:56-

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RE L A T Ó R I O D E PE S Q U I S A Nº 2 4 / 2 0 0 4 período, as iniciativas de constituição de associações de camponeses e trabalhadores rurais foram tímidas e sempre violentamente reprimidas. A movimentação no campo ressurgirá em Pernambuco, em outro contexto e com caráter diverso, apenas nos anos 50. Em Pernambuco, na primeira metade da década de 1950, o ponto de partida para a mobilização social dos trabalhadores rurais foi, como se sabe, a criação da Sociedade Agrícola de Plantadores e Pecuaristas de Pernambuco (SAPPP) do Engenho Galiléia, no município de Vitória de Santo Antão, logo conhecida como Liga Camponesa da Galiléia28. Segundo a versão mais difundida, a SAPPP surgiu como uma associação civil beneficente de ajuda mútua para assistência médica, jurídica, criação de escola e auxílio funerário para seus associados, assim como para aquisição de implementos agrícolas e reivindicação de assistência técnica governamental29. A Liga da Galiléia ficou conhecida quando os proprietários do engenho, vendo-a como “foco de subversão”, ameaçaram os camponeses com a interdição judicial da Sociedade, a repressão policial, o aumento do foro anual e a expulsão em massa dos foreiros do engenho. Alguns “galileus” buscaram, 28 Segundo informações de Elide Rugai Bastos, os proprietários do Engenho Galiléia tinham deixado de plantar cana-de-açúcar desde o final da década de 40, quando arrendaram os 500 hectares às 140 famílias que, utilizando força de trabalho familiar, passaram a cultivar a terra combinando lavoura de subsistência com produção mercantil de alimentos. “Nesse engenho, no ano de 1954, o aluguel anual

estabelecido por hectare era de CR$ 6 000,00. Na região, no mesmo ano, o preço de venda da terra variava entre CR$10 000,00 e CR$ 15 000,00. Isso eqüivale a que o pagamento de dois anos de renda corresponda ao valor da terra arrendada. Nesse ano o foreiro José Hortêncio, não podendo pagar os CR$ 7200,00 de renda atrasada que devia, é ameaçado de expulsão pelo dono da terra. Procura José dos Prazeres, antigo membro do Partido Comunista[...]. Este, percebendo que não se tratava de caso isolado, mas que a situação é vivenciada por inúmeros foreiros do engenho, propõe-lhe a formação de uma sociedade, com o fim de adquirir um engenho para que todos se livrem do pagamento da renda e da ameaça de expulsão. Era maio de 1954.

Ao fim do mesmo ano, Hortêncio reunira um pequeno grupo de foreiros, entre os quais José Francisco de Souza, administrador do engenho, conhecido como Zezé da Galiléia, que exercia forte liderança. Sob orientação de José dos Prazeres, fundam a sociedade [...]”. BASTOS, 1980:32-33.

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RE L A T Ó R I O D E PE S Q U I S A Nº 2 4 / 2 0 0 4 então, ajuda em Recife, recebendo o apoio do advogado e deputado pelo Partido Socialista, Francisco Julião, que passou a representá-los judicialmente, e de um comitê político interpartidário, que se encarregou de denunciar na imprensa e na tribuna parlamentar a situação do Engenho Galiléia. (AZEVEDO, 1982:62) O caso da Liga Galiléia se estendeu até 1959, quando, depois de longa mobilização e pressão política, a Assembléia Legislativa aprovou o projeto de lei do deputado Carlos Luiz de Andrade, do PSB, que desapropriava o engenho30.

Há que se ressaltar que, a partir de 1959, as ligas não só se expandirão para outros estados31, como também modificarão profundamente seu caráter inicial, à medida que sua organização e sua orientação política passaram a ser disputadas por vários segmentos da esquerda, além do PCB, – grupos que divergiam das posições do PCB, principalmente os que incorporaram a experiência cubana e a teoria da guerra de guerrilhas, além de algumas facções da IV Internacional (trotsquistas) – e por alguns setores da Igreja

30 O processo de desapropriação do Engenho Galiléia foi realizado sob estrito controle governamental, conforme uma proposta da Secretaria da Agricultura do governo de Cid Sampaio de desenvolver a colonização e o cooperativismo, na tentativa de neutralizar as tensões sociais mais agudas no campo. Para isto foi criada a Companhia de Revenda e Colonização (CRC), que atuaria nas áreas de maior conflito na Zona da Mata e do Agreste. No caso da Galiléia, o governo, após a desapropriação do engenho (fevereiro de 1960), entregou as terras à CRC que, em seguida, dividiu os 500 hectares de terra em lotes de 10 hectares, que seriam vendidos a 47 famílias. As demais famílias, algo em torno de 100, seriam remanejadas para novas terras compradas pelo Estado. Na verdade recomeçava, aqui, a luta dos “galileus”, pois o plano mostrou-se incapaz de resolver a questão agrária em Pernambuco. AZEVEDO, 1972:72-73. Cf. JULIÃO,1962.

31 Depois da desapropriação do Engenho Galiléia, as ligas se espalharam por Pernambuco, chegando a ter, em 1961, cerca de 10 mil associados reunidos em 40 sedes municipais. Estenderam-se também por outros estados, como Paraíba (a mais conhecida foi a liga do Sapé), Rio de Janeiro e Goiás. Em Pernambuco as mais fortes eram as ligas de “Igarassu, Jaboatão, Cabo, Vitória, Escada, Bom Jardim,

Água Preta, Pesqueira, São Bento do Una e Goiana, todas elas localizadas na Zona da Mata ou na região do Agreste”. No início de 1963 , as ligas contavam com núcleos regionais também no Paraná,

Minas Gerais, Acre e Rio Grande do Norte, Alagoas, Maranhão. AZEVEDO,1982:73, 95. BASTOS, 1980:102.

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RE L A T Ó R I O D E PE S Q U I S A Nº 2 4 / 2 0 0 4 Católica. Mas, se por um lado, a evolução das ligas de associações civis, em defesa dos interesses corporativos dos foreiros, para articulações políticas mais densas e radicalizadas denotavam o amadurecimento do movimento, por outro lado, as dissensões políticas internas (particularmente entre Julião e o PCB32), a repressão e as dificuldades de organizar e coordenar as ações no plano nacional, fizeram com que, no início de 1963, já apresentassem sinais de desarticulação e de perda da hegemonia no movimento social agrário, até mesmo no local de origem (Pernambuco).

Como se sabe, as formas de mobilização social nos campos nordestinos não se restringiram, tão somente, às ligas camponesas, dado o imenso contingente de trabalhadores que, já inseridos num sistema de produção capitalista de excedentes, afastavam-se irremediavelmente das condições de vida dos “moradores” e foreiros. Essa massa vai se mobilizar em torno da organização dos sindicatos rurais e da luta pela extensão da legislação trabalhista no campo e chamar a atenção de instituições que, à esquerda e à direita, vão disputar a orientação ideológica do movimento e, ao mesmo tempo, tentar neutralizar as Ligas Camponesas – o PCB, a Igreja Católica e os agentes da Liga Cooperativa dos Estados Unidos da América (CLUSA) que, como integrantes da Missão USAID, faziam parte do programa de ação da Aliança para o Progresso no Nordeste.33

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Sobre o assunto ver CAVALCANTI,1978:cap.XI; PAGE,1972:cap.VI; AZEVEDO,1982: cap. V. 33 Desde o início dos anos 60, era intensa a presença de norte-americanos em Pernambuco, vindos com a Missão USAID para “supervisionar” a aplicação dos US$ 131milhões das verbas da Aliança para o Progresso, destinadas ao Nordeste. Muitos atuavam, oficialmente, como técnicos, assessores e representantes da CLUSA, encarregada de criar cooperativas rurais e, sobretudo, obter informações e manter sob controle os movimentos sociais na região. Segundo, Joseph Page, a CLUSA, que teria vínculos estreitos com a CIA, desenvolveu contatos com setores da Igreja Católica que atuavam na organização de trabalhadores do campo, como o Serviço de Orientação Rural de Pernambuco (SORPE) e com o padre Antonio Crespo, além de canalizar recursos para a fundação de sindicatos rurais católicos.

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RE L A T Ó R I O D E PE S Q U I S A Nº 2 4 / 2 0 0 4 No caso da Igreja Católica, desde o Encontro dos Bispos do Nordeste, em 1956, em Campina Grande (experiência repetida em 1959, em Natal), verificou-se uma tomada de posição diante dos problemas sociais nordestinos, que se traduziu na defesa de medidas reformistas, capazes de diminuírem as injustiças sociais e promoverem a estabilidade e a paz no campo. Entre elas estava, principalmente, uma nova política fundiária, como instrumento essencial de correção das estruturas econômico-sociais injustas, o que,

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