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3 HISTÓRIA, MEMÓRIA, CULTO E VENERAÇÃO AOS DOCUMENTOS

3.2 Um boletim para todos que entendem a “grande missão

Na fase inicial, ou pelo menos na decisão de editar o Boletim, observa-se a influência de uma outra instituição: o Arquivo Nacional. Isto pode ser identificado nas palavras de Mbá de Ferrante no editorial do Boletim número zero, ao explicar que a inspiração para a publicação do boletim surgiu em 1974 quando ouviu um relato de uma experiência feita por Raul Lima, Diretor do Arquivo Nacional, no I Congresso de Arquivologia realizado no Rio de Janeiro. De acordo com Mbá de Ferrante, ao retornar do congresso,

(...) retomei a rotina do trabalho diário empolgado pela idéia e meti mãos à obra: montei dezenas de espelhos, selecionei originais, inventariei colunas, criei seções, redigi muitos textos ... mas os revi, insatisfeito, confesso sem restrições, sempre à mesma conclusão: no meu exigente julgamento não correspondiam, ao padrão pretendido para esta publicação,

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TRINDADE, Etelvina Maria de Castro. Paranidade ou paranismo? A construção de uma identidade regional. In: Revista da SBPH, Curitiba, n. 13, p. 65-74, 1997.

nem tão pouco, ao menos, em parte, a expressão da lição tão perfeitamente ministrada pelo ilustre Diretor do Arquivo Nacional.16

Nos parágrafos seguintes do editorial, Mbá de Ferrante reafirmava a relação com o Arquivo Nacional homenageando o seu diretor, Raul Lima, e estendia as homenagens à Associação dos Arquivistas Brasileiros, “para que dessa forma possamos atingir a todos os que, em todos os recantos do país, compreendem, efetivamente, o significado da grande Missão dos Arquivos”.17

Pode-se identificar nesta última frase o público para quem o Boletim é dirigido: todos aqueles envolvidos com arquivos em todos os recantos do Brasil. Trata-se de um vasto grupo que incluía desde os leigos e também os arquivistas e todos os pesquisadores que se utilizam de documentos. Dentre os leigos, interessava atingir especialmente o público jovem, pois segundo Mbá de Ferrante, as finalidades precípuas do boletim eram “divulgar e revelar, aos leigos em destaque, mas principalmente os jovens, os tesouros do acervo deste Arquivo, que guardam coisas marcantes da História do Paraná. E fatos que formam a própria memória desta nossa mais que centenária instituição”.18

Deve-se considerar aqui que tal interesse em atingir o público leigo se contrapõe ao público especializado que efetivamente freqüentava o Arquivo, em geral pesquisadores da história.19

Se a intenção afirmada nos editoriais era atingir um público amplo, leigo e jovem, no segundo número do boletim é possível identificar para quem ele foi inicialmente distribuído. Ao noticiar a repercussão do primeiro Boletim, afirmava-se:

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BOLETIM DO ARQUIVO DO PARANÁ, n. 0, 1976, p. 3.

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BOLETIM DO ARQUIVO DO PARANÁ, n. 0, 1976, p. 3. As referências sobre a “missão dos arquivos” se inspiram na “Declaração de Princípios da I Reunião Interamericana sobre Arquivos”, realizada em outubro de 1961 em Washington, onde se afirma o seguinte: “Os arquivos cumprem missão indispensável em toda sociedade, e nenhuma instituição pode substituí-lo nessa missão”. A íntegra dessa Declaração foi publicada na contracapa de todos os Boletins.

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BOLETIM DO ARQUIVO DO PARANÁ, n. 15, 1984, p. 3.

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Uma parte do público do Arquivo, àquela de freqüentava a sala de consulta do Arquivo Permanente pode ser identificado em uma coluna intitulada “Quem está pesquisando o que”, publicada no final de todos os Boletins, na qual são relacionados os nomes de pesquisadores e assuntos consultados na Divisão de Pesquisa do Arquivo. Observa-se nessa coluna que grande parte desses pesquisadores pertencia às instituições acadêmicas de pesquisa, especialmente dos cursos de História. Deve-se ainda notar que a publicação dessa coluna dá visibilidade às consultas ao Arquivo Permanente e ignora (e portanto torna invisível) as outras consultas direcionadas ao Arquivo Intermediário.

Assinalamos com justificado júbilo a acolhida dispensada ao BAP n° 0. Sem dúvida das mais calorosas e, confessamos, além da nossa expectativa. Figuras destacadas da vida pública, dos meios culturais e do setor administrativo nos distinguiram com manifestações que, ao agradecer, asseguramos que valem pelo melhor estímulo para que tenha seqüência a editoração do BAP, (...) 20

A partir das congratulações reproduzidas na seqüência da nota percebe-se que o lançamento do boletim encontrou repercussão especialmente junto às autoridades políticas paranaenses, ao diretor do Arquivo Nacional e diretores de outros arquivos estaduais, prefeitos e dirigentes de outras instituições culturais paranaenses, tais como Fundação Cultural de Curitiba, Academia Paranaense de Letras, Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico Paranaense.

Não se pode desconsiderar ainda que, enquanto instituição vinculada ao Estado, e mais ainda, como lugar de escrita do estado, os discursos proferidos também estivessem necessariamente voltados para a própria estrutura administrativa e política estadual, de quem o Arquivo depende, tanto em termos políticos, administrativos como financeiros. Como já se discutiu anteriormente, havia uma preocupação em sensibilizar e convencer os demais servidores públicos sobre o valor e a importância do Arquivo.

A distribuição do Boletim para todos os recantos do Brasil não deixa de ser um mecanismo de propaganda do próprio governo do Paraná. Nos Boletins, além de constar os formais créditos institucionais, a própria divulgação das atividades do Arquivo e mesmo de algumas matérias explicitamente elogiosas, cumprem com a função de propagandear ou reafirmar uma imagem de eficiência administrativa e modernidade do Estado do Paraná.

No Boletim 4, dentre os vários textos sobre a inauguração da nova sede, foram transcritos artigos que haviam sido publicados em outros jornais. Um deles, intitulado “Pedestal de um Governo”, publicado no Jornal Correio de Notícias, iniciava elogiando o governador Jayme Canet Junior, o qual deveria continuar “a fazer o que está fazendo nestes últimos meses de governo, isto é, que marque com sua presença a colheita das sementes que plantou e que estão frutificando em inaugurações de obras altamente significativas para a consagração de um

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quadriênio.” E após relacionar várias obras inauguradas pelo governo de Jayme Canet Junior, sobre a nova sede do Arquivo a nota dizia:

Há porém, um aspecto surpreendente dessa administração que não esperávamos jamais merecer um registro particularmente enfático como característico de suas preocupações políticas. Queremos nos referir ao apoio que acaba de dar ao patrimônio cultural e histórico do Paraná, com a inauguração outro dia de um edifício próprio, especialmente construído e destinado a abrigar o Departamento Estadual de Arquivo e Microfilmagem, o primeiro no gênero que se constrói no Brasil como iniciativa verdadeiramente inédita no campo da pesquisa e da documentação histórica.

Neles [os gloriosos ‘Papéis Velhos’ dos Arquivos] nossos filhos terão oportunidade de encontrar inclusive, uma documentação, dignificante do governo de hoje, que construiu a nova sede do Arquivo do Paraná, como um verdadeiro pedestal de consagração de sua grande obra.21

Afinal, em relação às afirmações positivas dos atos do governo veiculadas nos Boletins, não se pode esquecer que os arquivos também se constituem em um mecanismo de legitimação do estado e são, simultaneamente, agências do poder simbólico.