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Peças publicitárias em discurso

4.1 Um breve traçado pela trajetória da análise

Nesta pesquisa, nos utilizamos de seis peças publicitárias como corpus de análise. Dentro desse gênero, foram analisados os campos verbal e não-verbal, isto é, o linguístico e o imagético, os quais compõem o todo de uma peça publicitária, além dos sons. Essa relação do linguístico com o visual e o sônico funciona como estratégia discursiva que estabiliza sentidos. No campo verbal, buscamos analisar os discursos produzidos pelos personagens das peças publicitárias selecionadas, o dito e o não dito por trás de cada enunciado. Além da análise dos enunciados como um todo, também consideramos determinadas palavras isoladamente, seu significado literal e as fugas e deslizamentos de sentido dessa literalidade a partir do contexto em que estão inseridas, como, por exemplo, a palavra “diva”, usada em uma das peças publicitárias que compõem o corpus. É válido salientar que a partir de palavras como esta foram levantadas questões como; em que sentido determinada palavra foi empregada? Este sentido está ligado à definição do termo “divindade”?

Em relação ao campo visual, isto é, o efeito que cada imagem produz, buscamos analisar o cenário das peças publicitárias, as vestimentas dos personagens, o jogo de figuras dispostas, bem como maquiagem e cabelo. A partir dessas imagens, questões fundamentais para a análise foram levantadas, como, por exemplo, a imagem da mulher na sociedade e como essa imagem foi e vem sendo construída ao longo da história; como a construção dessa imagem influencia o discurso produzido pelas peças publicitárias analisadas.

Ainda em relação às materialidades discursivas do corpus analisado aqui, ele é composto por duas campanhas audiovisuais e quatro impressas, dos quais nos valemos de sons, imagens e enunciados, que buscam convencer o público a quem se destina da ideia de que a mulher é a única ou a principal responsável pelos cuidados com a casa, no que concerne à limpeza, mesmo que ela trabalhe fora e ajude a manter ou mantenha financeiramente a casa, algo muito comum hodiernamente.

A fim de mobilizar os sentidos e as significações que emergem das peças publicitárias para realização da análise, o fizemos por meio de uma subdivisão dos movimentos enunciativos de nossa materialidade discursiva. Dessa forma, primeiramente estabelecemos o corpus de análise, o que foi possível a partir da historicidade de sua materialidade constitutiva, isto é, o processo histórico de dominação masculina, inferido pela nossa percepção enquanto pesquisadoras21. Logo, a princípio deduzimos que os dizeres que perpetuam, ainda nos dias

atuais, o discurso machista, advêm de todo um processo histórico de dominação masculina, como aponta Bourdieu (2010), no qual desde os primórdios eram destinados à mulher os afazeres que não recebiam o devido reconhecimento, enquanto aos homens eram destinadas tarefas públicas, isto é, vistas e reconhecidas pela sociedade. Em razão desta construção histórica, propor afazeres domésticos a homens seria uma forma de ferir sua virilidade e inverter as relações de poder, apontadas por Foucault (1988).

O segundo movimento enunciativo que compreendemos e nos ajudaria na análise, foi tomar as peças publicitárias analisadas como arquivo, conceito trabalhado por Foucault (1987), a fim de identificar as práticas discursivas que emergem dessas peças publicitárias, mostrando as relações de poder inerentes ao discurso machista. O terceiro movimento foi o das significações das práticas discursivas no interior do arquivo, identificando-as. Por fim, o quarto e último movimento enunciativo que nos guiou, no interior de nossa materialidade discursiva, foi o das relações de poder presentes nos sentidos do discurso machista, pois, segundo Foucault (1996), o discurso é atingido por interdições as quais manifestam instantaneamente seu vínculo “com o desejo e com o poder” (p. 10).

Tendo em vista que nossa análise é de natureza interpretativa, há alguns elementos que denotam um caráter logicista na estrutura da análise, já que mesmo antes de realizar a apreciação de nosso corpus, tínhamos em mente características que deveriam estar presentes a fim de que fosse possível a escolha da materialidade linguística com a qual trabalharíamos. Para

tanto, os estereótipos em relação à mulher, os quais estão enraizados na sociedade, foram primordiais para a estruturação desse caráter lógico.

Por estarmos trabalhando com peças publicitárias relativamente curtas, já que se tratam de comerciais veiculados em canais abertos de televisão, – no caso daqueles audiovisuais – logo, têm duração aproximada de trinta segundos, optamos por analisá-los em seu todo. Ainda assim nossas materialidades se constituem por meio de recortes, pois, como supracitado, este conceito se define a partir do gesto interpretativo do analista na seleção do corpus de análise. Dessa forma, além de analisarmos o campo verbal, almejamos ainda abarcar os campos visual e sônico, por acreditarmos que se complementam, dialogam entre si.

Tendo em vista que as materialidades que compõem nosso corpus se constituem de imagens e enunciados, estas foram escolhidas por meio da interpelação que sofremos, de forma a instaurar nosso objeto discursivo, o discurso machista. É essa interpelação que sugere a seleção das peças publicitárias por meio de um processo de clivagem em busca de sentidos do discurso machista nas materialidades discursivas definidas a princípio.

Por meio da análise que fizemos, percebemos que a mídia, por exemplo, utiliza-se de recursos diversos para camuflar ou até refutar o que só podemos comprovar por meio de análises ou de um olhar atento. Dentre eles estão recursos sonoros e de gênero textual, como o humor, identificado nas campanhas que compõem o nosso corpus: Toda Brasileira é Uma Diva, e Eu torço sim. É importante ressaltar que estes recursos objetivam desviar o foco dos expectadores para o que realmente interessa à empresa que promove determinado comercial. Em algumas das peças publicitárias analisadas, as próprias mulheres se discursivizam e, portanto, se subjetivam como aquelas que são responsáveis pelos afazeres domésticos, chegando a isentar o homem de tal responsabilidade. Isso acontece porque essas mulheres e, até mesmo as empresas publicitárias, em alguns casos, não percebem a injunção machista em que se encontram, denunciando-a em suas práticas discursivas.