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Um complemento: a fotografia

No documento O Mundo Tomo2 anexos (páginas 56-59)

No final da década de oitenta a reprodução de uma fotografia na imprensa diária de Lisboa era uma raridade absoluta. Eduardo Shwalbach, conta nas suas memórias, das dificuldades que teve, por altura da morte do rei D. Luís (1889), em aceder a um retrato do seu sucessor, e da forma expedita como resolveu a situação enquanto director do jornal regenerador Tarde: “ dentro em pouco a aclamação de D. Carlos, e eu barafustava, arrepelava a imaginativa a pensar na forma de arranjar outro suplemento com um grande retrato, de todo desconhecido, do novo monarca. Andava nesta continua lucubração quando de repente vejo á porta duma tabacaria uma ilustração francesa com um aparatoso retrato do general Boulanger a cavalo. Lampeja-me no cérebro uma ideia maravilhosa, compro a Ilustração, mando chamar o Pastor e digo-lhe «meu amigo substitui neste retrato do Boulanger a cabeça dele pela cabeça de D. Carlos, põe-lhe um capacete e veste-lhe uma farda nossa de generalíssimo- aqui temos um retrato do rei D. Carlos a cavalo, que ele nunca tirou, mas que lhe ofereço!» ”14. E com alguma

precipitada imodéstia o jornalista conclui: “ a gravura do acontecimento rápida e precisa

54 inaugura-a a Tarde e com ela conquista de todo aura popular, duplicando-lhe, triplicando-lhe as tiragens (...) ”15.

Na década de noventa tirar um retrato fotográfico assumia ainda foros de acontecimento. Veja-se como nas suas memórias o repórter Esculápio o associa ao seu primeiro momento de “glória”, em 1894: “ A minha estreia definitiva em teatro trouxe- me grande fama e novas revelações. O capitalista senhor Guerra (...) tirou-me um retrato, obra-prima que ainda conservo”16.

Uma abordagem, mesmo que superficial, da imprensa no início do século XX, permite detetar a importância, no conjunto da imprensa portuguesa, e não só na diária, do recurso à reprodução fotográfica. Talvez a melhor forma de o entendermos seja lembrar como esta podia constituir objeto de notícia. Em 1901, o jornal Novidades escrevia na sua primeira página, num suelto: “ Um operador da Photographia Portuguesa, da rua do Poço dos Negros, tirou ontem, no arsenal da marinha, e a seu pedido, clichés da oficialidade em serviço na inspeção do arsenal, tendo á frente o respetivo inspetor o Sr. Contra almirante Cipriano Lopes de Andrade. Hoje tirou também clichés, um com um grupo de oficiais da majoria general da armada, com o Sr. Conde de Paço d'Arcos, major general, outro com a oficialidade da direção geral da marinha (...) destinadas a um grande álbum, que aquela fotografia vai oferecer a Suas Majestades (...) ”17. O O Mundo, no mesmo ano, na sua secção “Notícias”, também

anotava: “ Publicou-se ontem no nº16 do semanário O Cyclista, ilustrado com o retrato de José Maria Dionísio, o primeiro vencedor das provas de 100 quilómetros (...) ”18. Era

ainda vulgar os jornais político partidários felicitarem e agradecerem aos seus colegas, pela inserção de fotos com retratos dos correligionários. Vejam-se alguns exemplos insertos no jornal o O Mundo: “ o nº2 da 3ª série do Boletim da Associação Comercial dos Lojistas publica o retrato do nosso prezado amigo e correligionário, Sr. Domingos Luiz Coelho da Silva”, em 4 de outubro de 1905; a Revista de Paris “ estampa, na sua primeira página, um delicioso retrato de Magalhães Lima (...) ”, em 4 de abril de 1905; “ A Vanguarda publicou ontem, o retrato deste distinto médico [Augusto José das Neves] ”, em 6 de abril de 1906. Noutras ocasiões anunciava-se previamente que determinado periódico iria introduzir o retrato de alguma figura partidária. Foi o que

15 Idem.

16 Ibidem, p.127. 17 No dia 3 de julho. 18 No dia 1 de abril de 1901.

55 aconteceu, por exemplo, quando o O Mundo publicita uma homenagem feita a Afonso Costa: “ É no próximo domingo que o Povo de Guimarães publicará o retrato deste nosso querido amigo acompanhado dum artigo do diretor do Mundo” (em 6 de abril de 1904).

A “ fotografia” não era um objeto banal, constituindo o postal ilustrado o suporte mais vulgar para a sua divulgação pública, ao ponto da sua venda avulsa poder constituir a base de uma recolha de fundos (veja-se como em 1903, o O Mundo, noticiava, na sua segunda página: “ Ao preço mínimo de 400 réis estão à venda nesta redação 24 retratos-álbum de Ernesto Silva, oferecidos pelo fotografo Júlio Novaes, para o produto da venda ser entregue à família do finado lutador. A fotografia é a melhor que existe de Ernesto Silva”19).

A valorização da imagem fotográfica é ainda visível pelo multiplicar de iniciativas institucionais e partidárias que recaem em publicações ilustradas que assinalam eventos atuais. Lembremos como o partido republicano celebrou a visita do presidente da república francesa a Portugal: “ Como ontem noticiámos, publicar-se-á com o título acima, por ocasião da visita de Loubet, em 1904, a Portugal, o número único de um jornal comemorativo, que será exclusivamente colaborado pelos principais escritores do Partido Republicano. Além do retrato de Loubet – o melhor que até hoje se conhece do ilustre Chefe de Estado – a Republica Portuguesa inserirá também outras gravuras de homenagem ao prestigioso democrata (...) ”20.

Servem estas “notas” para salientar a importância que assume o reforço da “ilustração” dos jornais diários no período que estudamos. Tanto mais que a introdução desta nova prática jornalística, embora se mantenha centralizada no “retrato”, vai tender a diversificar-se, em alguns títulos, pela introdução de novas formas de “ilustração” da atualidade. E se num primeiro momento se assiste à afirmação de um esforço “gráfico” de carácter meramente decorativo, pela introdução de fotos “ alusivas” ao conteúdo noticiado (objetos, edifícios, documentos, mapas, etc.), num segundo, a partir do final da década de noventa, já surge o fotojornalismo cobrindo e noticiando um acontecimento.

19 No dia 1 de julho.

56 Não por acaso a figura do repórter fotográfico constitui também objeto de “ notícia”. Veja-se a propósito como o O Mundo noticía, em 1906, um jantar no hotel

Avenida Palace com o ministro do Brasil: “ Durante o almoço foram tiradas muitas fotografias”21. Ou ainda, como o Novidades, dá conta, em 1905, da visita dos duques de

Connaught, referindo:“ Entre os curiosos vários fotógrafos armados e equipados para os melhores clichés”22.

Em suma, temos razões suficientes para considerar da maior importância o estudo da progressiva ilustração, desde logo fotográfica, dos jornais diários do nosso período.

No entanto, uma análise rigorosa deste campo de atuação dos jornais, não era possível de realizar em tempo útil. Procurando contornar este obstáculo, optamos por proceder a uma abordagem menos apurada, que se detém em dados quantitativos que permitem acompanhar a introdução dos elementos ilustrativos dos jornais. Desta forma, contabilizamos o número de fotos, mapas e gravuras, presentes nas primeiras páginas dos jornais das nossas duas amostragens, sem porém registar alguns aspetos, que mereceriam estudo aprofundado, como a sua dimensão ou disposição. Quanto aos conteúdos tivemos como preocupação fundamental detetar a forma como o fotojornalismo se foi insinuando na imprensa diária de Lisboa.

A análise genérica da ilustração jornalística acompanhará assim a avaliação mais detalhada que fizemos dos títulos.

2. Os títulos “ grandes” nos jornais de negócio e nos jornais

No documento O Mundo Tomo2 anexos (páginas 56-59)

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