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LÍNGUAS DE SINAIS

6.1 UM ESTUDO DE CASO LONGITUDINAL

As pesquisas linguísticas em aquisição da linguagem podem seguir algumas metodologias. Alguns estudiosos da área como cientistas e linguistas, já utilizavam estudos longitudinais e transversais para a composição dos seus dados de línguas orais. Para o primeiro, são consideradas as produções das crianças durante algum tempo de suas vidas, de modo que transcritas em períodos servem para posterior análise. Na metodologia do tipo transversal os sujeitos são observados em grupos, de acordo com suas características comuns, como faixa-etária, entre outros aspectos e desse modo também se organizam em bancos de dados ou arquivos destinados à pesquisa.

Diante disso, optamos por descrever e analisar os dados coletados das marcações não-manuais de uma criança surda, filha de surdos.46 Ao conferir o material das gravações da criança em fitas de vídeo (recurso existente na época para a obtenção dos dados longitudinais), encontramos registros de um ano e sete meses do menino, ou seja, das primeiras filmagens realizadas. A partir disso, determinamos o período para nossas análises.

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Essa criança é o menino Léo, conforme já mencionamos. Os dados do menino já existiam antes que déssemos início a nossa pesquisa, porém, a sua transcrição foi realizada através de um sistema diferente daquele escolhido neste trabalho (o ELAN). As notações foram realizadas em documentos do Word a partir de observações dos vídeos em um aparelho de televisão. Nessa época, a equipe de transcritores era composta de bolsistas não-surdos, usuários da língua de sinais, e por bolsistas surdos, os quais contribuíram para o registro e para as revisões das transcrições. Esses trabalhos foram e ainda são coordenados pela professora Dra. Ronice Muller de Quadros, nesta Universidade.

desejável em crianças surdas, filhas de pais surdos é de um ano a quatro anos de idade”(p.52), para a presente pesquisa foi realizada a transcrição do período de 1;07 a 2;02, mas o material contendo as gravações do período sugerido pelas autoras existe e continuará disponível em processo de transcrição para a constituição de um banco de dados de língua de sinais47. É importante levar em consideração que o procedimento de transcrição que evolve o uso de um programa específico e moderno e a escolha pelo sistema de notação da língua são trabalhosos e demorados.48

As gravações em vídeo das interações linguísticas de dados espontâneos do menino com sua família foram realizadas, inicialmente, uma vez por semana e tiveram a duração de aproximadamente uma hora, com algumas variações. Constam nas filmagens as brincadeiras da criança com os materiais disponibilizados pelo projeto coordenado pela professora Dra. Ronice Muller de Quadros, além das situações habituais como o banho, as refeições e o contato com amigos e parentes. Esse ambiente, vale lembrar, é parte fundamental no processo de aquisição como “desencadeador desse processo (‘gatilho’). Nele a criança põe em uso a sua capacidade para a linguagem uma vez que é exposta a uma ou mais línguas.” (QUADROS, 2008, p.64). Assim, a situação das filmagens se constitui de pessoas que interagem espontaneamente com ela na língua de sinais, por exemplo: sua mãe, seu pai, seu irmão, o cinegrafista, e algum eventual participante surdo da família ou próximo a ela, sem que haja indução ou controle diante dos “erros” da criança. Tal ambiente condiz com a idéia de que “[...] a aquisição não se desenvolve através de correções ou de instruções. É um processo seletivo e não instrucional.” (KATO, 1995, p. 67).

Embora através desse método não se consiga coletar uma grande quantidade de produções interessantes das estruturas ou dos fenômenos analisados, pois nos intervalos de tempo entre as filmagens perdemos situações naturais de produção da criança que seriam dados importantes para análise, ele é ainda o mais utilizado nas pesquisas em

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Na Universidade Federal de Santa Catarina, sob a coordenação da Professora Dra. Ronice Müller de Quadros e financiamento do CNPq, está sendo implementado um banco de dados de produção de crianças adquirindo a LSB, referido como “Banco de Dados do Grupo de Estudos de Aquisição da Língua de Sinais Brasileira – GEALSB.” Atualmente, os corpora constituídos dispõem de dados coletados longitudinalmente de crianças surdas e ouvintes adquirindo a LSB. As transcrições realizadas ficam a disposição de pesquisadores à medida que são completadas e revisadas na língua de sinais através do ELAN, sistema de transcrição adaptado para a língua de sinais. Os dados da presente pesquisa, portanto, integram esse banco de dados.

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Na subseção seguinte detalharemos acerca do processo de transcrição, dos sistemas utilizados, dos problemas e das dificuldades encontradas durante a pesquisa.

aquisição da linguagem. Grolla (2009) apresenta algumas metodologias de coleta de dados e seus problemas. Porém, destaca que

uma das vantagens dos dados de produção (tanto espontânea como eliciada) é que eles revelam a gramática da criança sem a necessidade de se fazer inferências a partir de respostas “sim” e “não”, como no caso de tarefas de julgamento [...]. Dessa forma, esses dados podem ser vistos como refletindo mais diretamente a gramática da criança, já que é muito improvável que [ela] coloque palavras juntas de uma forma particular acidentalmente (ao passo que dizer “sim” ou “não” numa tarefa de julgamento pode ser considerado acidental). Assim sendo, quando uma construção aparece sistematicamente na fala de uma criança, podemos inferir que tal construção é gerada pela gramática da criança e não é fruto do acaso. (p.30)

Ainda que esse não seja o melhor argumento para utilizarmos o método de produção espontânea, optamos por utilizá-lo, uma vez que já existiam arquivos de dados coletados com base em tal metodologia. De acordo com a mesma autora, os corpora obtidos, desse modo,

permitem uma análise da freqüência de uso de construções, auxiliando na análise de como a aquisição de tais construções se dá. Uma das maiores vantagens dos dados de produção espontânea é que eles podem fornecer um grande número de informações sobre vários aspectos do desenvolvimento gramatical das crianças. Eles ajudam na identificação de tendências gerais de desenvolvimento, fornecendo uma visão geral do curso da aquisição para uma língua em particular. [...] [também] incluem os enunciados dos interlocutores da criança, o que pode fornecer informações importantes acerca da freqüência de certas construções numa língua. Isso auxilia o investigador a determinar se um fenômeno em particular é difícil para a criança adquirir ou se simplesmente ela não aparece por conta de fatores particulares à língua sendo adquirida, como baixa freqüência. (p.24)

Assim, “os dados de produção espontânea podem fornecer informações acerca do curso de desenvolvimento de linguagem, variações individuais nesse desenvolvimento, aspectos específicos do input que a criança recebe e as situações do discurso nas quais a aquisição acontece.” (GROLLA, 2009, p. 25)

A tradição dos estudos que envolvem a aquisição de línguas, sobretudo as faladas, conta com o apoio das tecnologias existentes e acessíveis a cada época, quais

computadores e programas específicos para a coleta e transcrição dos dados. Mais interessantes se tornam essas tecnologias quando estamos tratando de uma língua que nos exige visualizar minuciosamente os seus elementos. Sobre isso, Quadros e Pizzio (2007) destacam que

[...] os avanços tecnológicos contribuíram muito para o aprimoramento das pesquisas lingüísticas. As primeiras investigações mais detalhadas foram realizadas no final da década de 1970, quando os pesquisadores, com o auxílio de gravações em vídeo, reproduziam os sinais na forma de desenhos, com setas e linhas indicando a direção do movimento. Havia uma preocupação em representar com precisão as formas básicas de configuração de mão realizadas, para o estudo gramatical da língua de sinais. Entretanto, essa técnica não era eficiente, pois despendia muito tempo, além de ser um procedimento caro. Outra técnica que apresentava as mesmas dificuldades da anterior é a que tentava reproduzir os movimentos da configuração de mão, onde um sinal era desenhado em seqüência, dando a idéia de continuidade e movimento (p.50)

Atualmente, utilizamos câmeras digitais que possibilitam a rápida transferência dos dados para os computadores, onde as imagens podem ser editadas, melhor visualizadas e arquivadas de maneira que seja garantido o seu registro visual. Em parte foi o que aconteceu com as filmagens do Léo, pois encontramos algumas falhas relacionadas à perda de qualidade dos vídeos e outras às técnicas de realização das gravações e ao manuseio dos equipamentos e das fitas.

Esses dados se encontram acessíveis e podem ser transcritos e analisados através do EUDICO – Anotador Lingüístico (ELAN), ferramenta essencial aos pesquisadores que necessitam transcrever dados de línguas. Através do ELAN pudemos dar início à constituição de um banco de dados, os quais passam a integrar os arquivos do GEALSB.

Na seção a seguir, trazemos em maiores detalhes o funcionamento do Anotador e brevemente apresentamos algumas maneiras de se fazerem os registros dos corpora de língua de sinais.