• Nenhum resultado encontrado

Um glossário à medida das necessidades da Facebook Inc.

Capítulo III – A NEOLOGIA DO SERVIÇO FACEBOOK E DA FACEBOOK INC.

V. – (in the context of social media) indicate one's approval of or support for (someone or something) by means of a particular icon or link 'more than 15,000 Facebook users had liked

4. Generating a social glossary: O observatório de neologia da Facebook Inc.

4.2. Um glossário à medida das necessidades da Facebook Inc.

Como processo de e resultado da observação da inovação lexical dos utilizadores, o SG é desenhado de acordo com as e responde às necessidades e objectivos da FB Inc., em parte comungada/os com outras empresas do mesmo domínio de actividade e valor no mercado, em parte exclusiva/os à FB Inc. pela necessária competitividade e diferenciação comercial. São necessidades e objectivos de natureza privada, empresarial, comercial e prática, distinta/os portanto da/os que, em geral, guiam os comuns ON – científicos, educacionais, institucionais, teóricos e práticos.

Esta especificidade do SG há-de reflectir-se no/as (i) financiamento do projecto – em princípio privado –, (ii) vínculo ou sintonia a políticas linguísticas estatais – não obrigatório/a, (iii) fontes do corpus – quantidade, diversidade, propriedade e acesso –, (iv) corpus – dimensão e heterogeneidade –, (v) categorias de representação do neologismo – sobretudo sociais, centradas em traços pessoais e comportamentais do utilizador (criador) da palavra –, (vi) nas finalidades do SG – vocacionadas para a melhoria do serviço e da experiência do utilizador e para os parceiros comerciais, (vii) na difusão e disponibilidade pública dos resultados obtidos – restrita, acessível apenas a alguns – e (viii) na disponibilidade de informação sobre o projecto – quase inexistente.

O corpus do SG, como típico corpus assente em big data, desafia a própria ideia de corpus, pela sua abertura, dinamicidade, heterogeneidade e infinitude. A cada segundo, minuto, hora e dia são gerados pelos milhões de utilizadores do FB um número incomensurável de dados, para os quais a FB Inc. parece ter capacidade tecnológica e financeira para os estruturar e optimizar, operacional e comercialmente.

Se a definição de big data assenta na assimetria entre a exponencial disponibilidade de dados e a existência de métodos para os tratar (cf. Cap. II, 8.), isto é, para os tornar utilizáveis, donde valiosos, tal assimetria reduz-se ou não existe de todo para as grandes EII do sector de processamento de dados, como a FB Inc. ou a Google LLC, as quais constituem a própria vanguarda tecnológica no assunto em causa.

Quanto às categorias de representação do neologismo no SG (passo 240), note- se, por um lado, a ausência da categoria elementar, para os ON tradicionais, de processo de formação do neologismo e, por outro, a inclusão de grande quantidade de categorias assentes em aspectos sociais, pessoais e comportamentais do autor, transmissor e/ou utilizador do neologismo.

No documento de patente, as utilizações previstas para o SG destinam-se especificamente a um dos lados do mercado da FB Inc., os seus parceiros comerciais, referidos como third-party systems (sistemas de terceiros). É junto deles que a FB Inc. pretende vincular os dados do SG que considera pertinentes: “third-party systems may “subscribe” to social glossary in order to receive updates as new textual terms are added.” [Hauser et al., 2016, secç. De. Par. Em., par. 11-16]; “particular embodiments may provide a more generalized third-party interface to add to and update the social glossary, e.g., by using an API.” [ibid.: secç. De. Par. Em., par. 30].

Em 2010, aquando da retirada online da sua aplicação de análise linguística Lexicon – “a tool where you can see the buzz surrounding different words and phrases on Facebook Walls” [FB, 2008b: pa. 1], similar à Google Trends (Google) –, a FB Inc. comunicava junto dos utilizadores estar focada no desenvolvimento de ferramentas de análise vocacionadas para os seus parceiros comerciais: “We are removing the Lexicon product from Facebook for the time being. We may bring components of Lexicon back in the future, but we are focusing development on our analytics tools for Page owners, advertisers and Platform developers” [Axon, 9 fev 2010] (Anexo 27).

O SG, pelo mapeamento que elabora das relações entre utilizador e neologismo, parece materializar o interesse da FB Inc. acima referido, ao possibilitar a estruturação de padrões sócio-linguísticos e sócio-comportamentais, os quais constituem um valor inestimável para o estabelecimento de políticas de marketing e publicidade. A este propósito, as observações de Severo [2013: 466] sobre o modo como a Google e outras EII formam saberes por meio da actividade que exercem, aplicam-se por inteiro à FB Inc. e seu modelo de negócio:

No contexto digital, tais aparelhos, procedimentos e tecnicas de poder-saber sao amplamente utilizados pelo Google, o que se evidencia pela sua capacidade de registro contínuo e detalhado de dados, percursos, relaçoes e informaçoes, sendo que todos eles sao transformados em saberes sobre os sujeitos, os desejos, o consumo, os Estados e as

relaçoes. Muitos desses saberes sao apropriados por empresas, transformados em produtos e devolvidos aos usuarios na forma de publicidade personalizada (BUZATO; SEVERO, 2010).

Ou seja, para os parceiros comerciais da FB Inc., o FB constitui um banco de dados especializado, propriamente, na caracterização sócio-comportamental dos seus utilizadores, tal como O'Reilly afirmava sobre a Google: “Google isn't just a collection of software tools, it's a specialized database. Without the data, the tools are useless; without the software, the data is unmanageable.” [O'Reilly, 2005: 1. Net vs. Goo.]. Também em Gouadec é possível encontrar a função de instrumento de poder que a criação e detenção de um glossário como o SG pode representar: “Mais la maîtrise terminologique peut devenir l'instrument d'un pouvoir: pouvoir du traducteur ou du rédacteur dont la terminologie, qu'il tient secrète, lui garantit des parts de marché et qu'il ne diffusera qu'au moment où il sera sur le point de se faire doubler.” [1990: 9].

A marca distintiva do SG, enquanto ferramenta e material linguística/o criada/o pela FB Inc., pode assim ser resumida no estabelecimento de uma relação precisa entre utilizador e palavra – por esta ordem e não a inversa –, constituindo a(s) palavra(s) uma entre as inúmeras variáveis de caracterização exaustiva e 'social' dos utilizadores. O mesmo é dizer que com o SG a observação da inovação lexical assume um carácter instrumental.

Com o SG, a FB Inc. estabelece um grande corpus de neologia que, para lá das já referidas finalidades expressas pela FB Inc., e levando em conta a sua actividade e modo como vem optimizando os dados gerados pelos utilizadores, poderá igualmente servir propósitos associados a: (i) melhorias na tradução automática dos vários serviços da FB Inc. (FB, Instagram e WhatsApp); (ii) políticas de língua relativas ao controle da linguagem (violenta, racista, sexista, etc) ou a estratégias de conteúdo; (iii) criptografia e segurança de computadores; (iv) reconhecimento de fala, entre outros.

Refira-se por último que, à parte do documento de patente do SG e das notícias de imprensa, restritas a março de 2016, não nos foi possível encontrar informação adicional sobre o SG, nomeadamente nos vários websites da FB Inc., donde a possibilidade de se concluir que o SG integra o back-end do FB (cf. Cap. I, 3.1.), isto é, a parte do FB apartada das interacções dos utilizadores, donde do seu conhecimento.