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3 A CAPTURAÇÃO DAS IDADES DA VIDA PELAS CIÊNCIAS:

3.2 Um novo domínio de intervenções na interface psicologia e educação

A educação ocupa lugar central em muitos dos teóricos dedicados aos estudos psicológicos sobre desenvolvimento, considerando que, em acepção lata, é possível apreendê-la como o processo, através do qual, seres humanos exercem, uns sobre os outros, certo domínio, visando o desenvolvimento de habilidades, capacidades e conhecimentos indispensáveis aquele tempo histórico.

Essa aliança da psicologia com a educação é reveladora da gradativa

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centralidade desses dois domínios da cultura nos projetos educativos das sociedades ocidentais após os oitocentos, sendo o primeiro domínio tomado como “modelo de conhecimento verdadeiro” e o segundo como “meio privilegiado de formação cultural”, conforme expõe Oliveira, (2003, p. 102).

A aliança entre esses domínios do conhecimento e da ação, será preconizada com maior vigor no século XX, no Ocidente, por diferentes autores, oriundos de diferentes tradições e matrizes, todos comprometidos com estudos psicológicos sobre o desenvolvimento

Edward Thorndike (1910) é um deles e, ao afirmar que “educação é tarefa concernente às mudanças que se processam no intelecto, caráter e comportamento dos homens”, apontava para a necessidade de os psicólogos avançarem com suas investigações sobre o desenvolvimento das funções psíquicas como base para a educação formal. Há aqueles, porém que mesmo atuando na ciência psicológica e na educação faziam restrições ao uso indiscriminado dos fatos em uma ou outra realidade. Porém, nem as restrições feitas por William James (1892), apontando o clima de euforia e mitificação em torno da chamada “nova ciência psicológica”, impediu tentativas de transposição direta de descobertas científicas da psicologia à educação. Em seus discursos para professores, nas conferências realizadas a convite da Harvard Corporation, em 1892, publicadas em — Talks to Teachers — James (1899) afirmou ser contrário à aplicação direta das leis da mente aos programas, planos e métodos de ensino escolares por considerar a psicologia como ciência e o ensino como arte. Segundo o autor, seria preciso uma mediação inventiva que permitisse aplicar os princípios psicológicos à formalidade da educação escolar porque a velha psicologia, do tempo de Locke, somada à fisiologia do cérebro e dos sentidos e alguns detalhes de introspecção, além da teoria da

evolução, representava muito pouco para o uso educacional. James aborda as batalhas dentro de sala de aula e as estratégias de guerra usadas pelo professor ao lidar com a mente do aluno, comparando-a com a mente de um inimigo que precisa ser sitiada. Reconhecia a importância do estudo do desenvolvimento da criança, afirmando que o mesmo enriquecia as vidas dos professores, porém, discutia as possibilidades de o professor conjugar, sem conflitos, as atitudes como docentes com as atitudes como observador psicológico. Evidenciava, em suas conferências, não ser ponto pacífico que o melhor contribuinte aos estudos psicológicos da criança seria o melhor professor e vice-versa, alertando seus ouvintes (e, depois seus leitores) para a mitificação entusiástica sobre a aplicação direta da psicologia à educação.

Além de Thorndike e James, há de se destacar dois estudiosos que, de territórios diferenciados, em termos de filiações político-ideológicas e filosófico- epistemológicas, se posicionaram como defensores da aplicação da psicologia à educação: Liev S. Vigotski (1896-1934) e E. Claparède (1873-1940). Os autores irmanavam-se, em suas pesquisas, pelo uso dos mesmos métodos de investigação (método instrumental)39.

Vigotski (1926/2003) afirmava que se o processo educativo, por ser concreto, consistia em estabelecer novos nexos, que sempre seriam nexos materiais e concretos, então consistiria à psicologia a tarefa de informar à educação quais são as condições a serem observadas para que se alcancem os objetivos propostos. Não caberia à psicologia definir os objetivos da educação, pois estes têm sua origem

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Apesar das diferentes nomeações, este método apresentava-se na época como um dos caminhos viáveis para a apreensão do desenvolvimento psicológico. Segundo Vygotsky (1999, p. 98-99), o método instrumental ou histórico-genético era um método “que proporciona à investigação do comportamento um ponto de vista histórico [...] “ e os principais âmbitos de observação em que se pode aplicar com êxito o método instrumental eram a psicologia histórico-social e étnica, a investigação das funções psíquicas superiores (formas superiores de memória, atenção, pensamento verbal...) e a psicologia infantil e pedagógica.

nos ideais de cada época em estreita ligação às estruturas econômicas e sociais vigentes. Por isso, o autor criticava as proposições educativas que anunciavam o desenvolvimento de uma personalidade harmônica e integral como objetivo da educação porque:

[...] isso não significa absolutamente nada para a escolha dos nexos a serem utilizados no processo educativo. Conseqüentemente, quando formulamos de forma científica os objetivos da educação, estamos estabelecendo de forma concreta e exata o sistema de conduta que queremos plasmar em nosso educando (VIGOTSKI, 2003. p. 80).

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A pedagogia não científica, partindo do estabelecimento de ideais, normas e leis, iria gerar uma utopia educativa, ao passo que a pedagogia científica, partindo do estudo do desenvolvimento real do organismo a ser educado e da interação desse organismo com o ambiente que o educa, gera uma possibilidade real de avanço no nível do desenvolvimento humano. Vigotski (1926/2003), ao reconhecer que o processo de educação é um processo psicológico, destaca o valor da ciência psicológica, afirmando que a mesma ajuda o educador a “compreender as leis gerais das reações e as condições de sua formação”. Dada sua filiação filosófica e política, o autor russo critica, ao longo da obra, as perspectivas idealistas e racionalistas da psicologia que abordavam a psique de forma isolada do comportamento e diz que essa psicologia nunca poderia ser aplicada à educação, pois para ele educação era:

[...] a influência e a intervenção planejadas, adequadas ao objetivo, premeditadas, conscientes, nos processos de crescimento natural do organismo. Por isso, só têm caráter educativo o estabelecimento de novas reações que, em alguma medida, intervenham nos processos de crescimento e os orientem (VIGOTSKI, 2003. p. 82).

Na perspectiva de Vigotski (1926/2003) os objetivos e as tarefas da educação diziam respeito à pedagogia e os meios de realizar esses objetivos e tarefas diziam

respeito à psicologia pedagógica. A psicologia útil à pedagogia, para ele, só poderia ser uma psicologia como ciência biossocial, uma ciência que colocasse em cena leis de modificação do comportamento humano e os meios de dominar essas leis. Afirmava ser importante distinguir a pedagogia experimental (campo da pedagogia em que investiga, experimentalmente, problemas pedagógicos e didáticos) da psicotécnica pedagógica (ramo da psicotécnica dedicado à pesquisa psicológica aplicada à educação). A "psicotécnica pedagógica" seria apenas uma metade da psicologia pedagógica; a outra metade seria a psicologia da cultura, que ele se propunha desenvolver, em estreita conexão aos pressupostos do materialismo histórico.

Claparède (1940), assim como Vigotski, trabalhou intensamente na relação psicologia, pedagogia e educação e, em sua obra Educação Funcional, faz críticas aos métodos de ensino que se baseavam mais em “preocupações lógicas do que psicológicas”. Revelava-se um adepto entusiasta da aplicação da psicologia à educação, apontando, em sua obra, as razões que geraram a aproximação entre educadores – práticos – e psicólogos – cientistas.

Esses educadores – vários dos quais, é verdade, estão ao par do movimento psicológico e biológico, mas cuja maioria, no entanto, é de simples práticos, o que aumenta ainda o interesse de sua aproximação com os psicólogos – êsses educadores preconizam, pois, por oposição ao processo estéril da sobrecarga escolar, uma pedagogia que apele para os móveis internos do aluno (CLAPARÈDE, 1940, p.100).

Vinculado aos funcionalistas, Claparède foi um dos responsáveis pelo fato de as teses psicogenéticas terem circulado no Brasil a partir do movimento escolanovista e afirmava que

[...] pelo menos os que observam e refletem – chegaram, por caminhos completamente diversos, à mesma conclusão dos biogeneticistas e dos pragmatistas. A desoladora ineficiência dos métodos escolares usuais, dos

quais só se pode tirar alguma coisa constrangindo os alunos e que só conseguem, realmente, sobrecarregar-lhes a memória, sem nenhum proveito para o desenvolvimento intelectual e moral; o fato de que a extensão da instrução não trouxe diminuição da criminalidade; uma espécie de intuição das necessidades psicológicas, esses fatores todos os levaram a pensar que se estava no mau caminho empregando métodos exteriores à criança e que seria preferível suscitar a atividade mesma da criança, afim de que seu desenvolvimento fosse mais livre, mais espontâneo (CLAPARÈDE, 1940, p. 99).

Apresentar as relações entre psicologia e educação a partir de dois expoentes da psicologia, separados por barreiras de várias ordens, mas unidos no fato de serem representantes expressivos da ciência psicológica nas primeiras décadas do século XX, possibilita dizer que a aplicação da psicologia científica à educação foi um fato expressivo na história da educação de crianças e jovens em âmbito internacional. À medida em que os educandos foram sendo agrupados, nas escolas, em função das idades da vida, ou seja, em função de suas condutas peculiares, de suas particularidades próprias, suas condições de crianças, adolescentes ou jovens ganharam destaque e, dessa forma, a psicologia das idades se tornaria ferramenta útil aos envolvidos com o problema de “intervir planejadamente nos processos de crescimento natural” desses sujeitos escolarizáveis.

Devido ao fato de a escolarização exigir, dos “organismos-indivíduos-alunos”, constante uso e atualização de processos psicológicos, por conta dos desafios de serem instruídos e socializados dentro da escola, formatou-se, junto aos estudiosos da ciência psicológica, uma necessidade de buscar maiores conhecimentos sobre os princípios e as direções do desenvolvimento e, dessa forma, consolidou-se a articulação geradora de terminologias próximas, mas diferenciadas, plenas de controvérsias e equívocos, tais como, psicologia pedagógica, pedagogia psicológica e psicopedagogia, psicologia educacional, psicologia da educação.

Fator também relevante na articulação educação-pedagogia-psicologia foi a crescente obrigatoriedade da escolarização em diferentes países, o que colocaria

em cena problemas específicos, decorrentes das solicitações que o ambiente escolar, com seus tempos e espaços específicos, faria aos educandos e educadores. Essas solicitações às crianças e adolescentes, transformados em sujeitos escolares, geravam desencontros, em função dos diferentes processos de socialização vividos no âmbito intra-muros e extra-muros, dando lugar a um conjunto de situações controversas de adaptação x inadaptação, sucesso x fracasso, aprendizagem x não-aprendizagem40, motivação x não motivação, disciplina x indisciplina. Ainda há carência de dados sobre as vinculações ciência-escolarização porque como afirma Warde:

[...] as construções históricas da psicologia neste século não ofertam repostas satisfatórias às perguntas sobre as razões pelas quais a psicologia operou no campo pedagógico não exatamente da forma preconizada pelos seus heróis-fundadores. De um lado, substituiu a filosofia na função normativa da educação, e não pautou as práticas pedagógicas nas práticas científicas (WARDE, in FREITAS, 1997, p. 307).

Apesar das possíveis dissonâncias entre expectativas e realizações, a trajetória histórica da conformação de um domínio de conhecimento afeto à análise dos processos de desenvolvimento, revelou a estreita articulação que se deu, entre psicologia e educação, desde o século XIX, e indica que, talvez, uma das conseqüências da formulação dessa nova ciência do desenvolvimento fosse ter de lidar com os desafios postos pela aplicabilidade da mesma em práticas sociais envolvidas com problemáticas do desenvolvimento humano.41

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A relação entre estudos psicológicos do desenvolvimento e problemas oriundos da escolarização se constituiu desde o século XIX em experiências concretas como a de Lightner Witmer, que em 1896, estabeleceu, na Universidade da Pensilvânia-EUA, uma clínica de atendimento infantil cujo objetivo era realizar diagnóstico e atendimento a escolares com problemas de aprendizagem, visando aplicar “princípios da nova ciência a aspectos concernentes ao cotidiano”. (Cairns, 1998, p. 54).

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Há indicativos em Cairns (1998, p. 59) de que ocorreram movimentos em prol do estabelecimento de centros de pesquisa sobre o desenvolvimento infantil, liderados por homens e mulheres, leigos, em função de suas paternidades e maternidades. Há relatos de que em 1917, um grupo de leigos reivindicou, em Iowa-EUA, a criação de um centro de estudos para o desenvolvimento infantil, com

Foram os estudos históricos sobre a fundação e expansão da psicologia do desenvolvimento, em seus primeiros tempos, no diálogo intenso com a educação, que permitiram compreender o porquê da presença de autores como Edward Lee Thorndike, Alfred Binet, John Dewey, James McKeen Cattell, William Stern nos artigos da RBEP que versavam sobre educação secundária. Essa presença deve-se menos aos estudos psicológicos específicos sobre desenvolvimento psicológico na adolescência e mais ao fato de os autores acima terem colaborado, de forma decisiva, para o avanço das relações entre estudos e intervenções educativas, abarcando tópicos ligados ao desenvolvimento, processos de aprendizagem e educação. Nessa direção, seria aberta uma possibilidade para a construção da psicologia da adolescência, capaz de sustentar e mesmo promover muitos discursos sobre educação secundária, ao longo do século XX, o que será tema do próximo capítulo.

base na idéia de que se a ciência, a partir da pesquisa, poderia melhorar a criação de espigas de milho e de porcos, poderia, também, melhorar a criação de crianças.

4 ITINERÁRIOS DOS ESTUDOS PSICOLÓGICOS SOBRE