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2. Enquadramento Teórico

2.1 Um olhar sobre o desenho

Arthur D. Efland (1929 - ) num artigo intitulado “Change in the conceptiond of art Teaching” (2005), escreve como várias teorias estéticas estão intimamente ligadas a teorias de aprendizagem e estas com teorias implícitas. E com isto conclui que existem vários modelos de educação artística: mimética, a arte é uma forma de imitação, ligada ao behaviorismo onde se aprende por imitação com uma moralidade tradicional de controlo social; pragmático onde a arte é instrumental, bem como aprendê-la com o objetivo de uma reconstrução social; expressivo, onde a arte é uma forma de autoexpressão que se aprende através do crescimento emocional e o crescimento emocional permite aprender, profundamente ligado ao psicanalítico com o objetivo de atingir uma libertação social; por último, o formalismo, onde a arte é entendida como uma ordem formal, que se aprende cognitivamente através da realização de conceitos de forma a permitir um controlo tecnocrata dos especialistas. Posto isto, é importante afirmar que apesar da Lei de Bases da Educação, dos projetos educativos de cada escola, dos programas de cada disciplina e até da complexidade de cada turma determinarem grande parte da postura de um docente numa sala de aula, este não deixa de estar associado a uma ou várias teorias da educação e, como Efland escreve, a uma teoria estética e a uma ideologia implícita. No entanto, a escola e o mundo hoje em dia são muito complexos e não facilmente redutíveis a apenas quatro categorias pelo que será necessário apresentar aquelas que são as referências estéticas e teóricas relativas ao Desenho, disciplina lecionada nesta prática de ensino supervisionada.

Segundo Luís Filipe S. P. Rodrigues (1971 - ) no livro “Desenho, criação e consciência” (2010):

O conceito de desenho é transitório, apesar de a sua essência não ser muito variável – o sentido poderá ser o mesmo, mas não as ideias que definem a sua especialidade. Poderíamos dizer que, na essência, o desenho se processa em função de um sentido, baseado na delimitação de um espaço, cuja consequência se traduz na formação de uma imagem que se apresenta como simulação do imaginado ou do concreto. (…) O processo de preencher uma folha, delimitando o espaço, dá existência ao que aparentemente é ausente, mas que existe numa outra realidade, que pode não ser material (…) ele é, no sentido lato, a definição de uma forma em oposição ao vazio – a existência em oposição à inexistência.

30 Ou seja, ao longo dos tempos o conceito de desenho foi transitório, e num mundo pós-moderno o desenho tem uma relação dialética com o mundo e as pessoas que sobre ele pensam. Por exemplo, no dicionário Priberam da língua portuguesa desenhar é descrever, pintar, deixar entrever, mostrar-se, aparecer, transparecer, destacar-se, é em suma um processo é dar forma a uma matéria plástica. Uma forma simples de descrever a prática sem a relacionar com as ideologias e teorias de aprendizagem referidas por Efland. No entanto, Manuel Castro Caldas (1954 - ), na comunicação: “Sobre o gesto que reúne e aquilo que o encoraja (desenho e modelo revisitados)” (2007) diz-nos que:

No desenho, a meu ver, estamos perto do nível do problema, da problematização. No desenho há, por assim dizer, menos distrações. Tudo é mais claro, mas tudo é também mais económico e, por via dessa economia mesmo, podem entrever-se mais possibilidades, mais coisas em estado potencial, como numa espécie de gráfico do pensamento plástico, qualquer coisa que nos fala de territórios onde ocorre a génese da forma, territórios que não são propriamente nem interiores nem exteriores – na verdade são mecanismos de ligação, operando conexões… (Caldas, M. C. apud Wandschneider, M., 2007, p.11 )

Assim, o autor guia-nos naquilo que defende serem as definições de desenho segundo a criação moderna e contemporânea. Aquela em que vivemos, e aquela que deve a educação encarar como realidade.

Mais atual, se bem que não exatamente novo, seria estudar o desenho como um mecanismo: não um aparato técnico, mas um mecanismo em funcionamento, revelado pela observação das suas funções especificas, entendido mediante o que põe em jogo, mediante sobretudo, outros mecanismos que poe em movimento. (Caldas, 2007, p.15)

Definindo o desenho como um processo mental, que se produz no pensamento, enquanto ato consciente para lá do reflexo da manualidade, criando um monólogo entre o autor e o registo. O desenho está para além da representação objetiva, mas não existe sem entendimento.

O melhor desenho, ou o melhor do desenho, traz-nos não uma preparação técnica laboriosa ou uma observação sem falhas – com vista à reconstrução, à reelaboração final de uma verdade exterior e pré-existente – mas uma exploração visível (visível muitas vezes até na sua invisibilidade física) de uma modalidade de verdade. E esta exploração, sem dúvida, é uma modelação, já que, pressupondo a plasticidade essencial de toda a verdade, pressupõe a plasticidade potencial de toda a forma. (Caldas, 2007, p.15)

31 Simplificando e tornando mais acessível, Mario Bismarck (1959 - ), numa comunicação intitulada Desenhar é o desenho (2001), transforma o desenho em verbo, o desenhar em desenhado e deixa claro aos modernos e contemporâneos que o desenho deve ser percecionado:

(…) como processo, do desenho como verbo, do desenho como acção, como capacidade de processar informação, de se conjugar a elasticidade do pensar, na acção de fazer, ver, rever, errar, recuar, destruir, reconstruir, corrigir, alterar, diversificar, divergir, selecionar, clarificar, formar, conformar, deformar, reformar, prosseguir… desenhar. (Bismarck,2001, p.56)

Continua afirmando que estamos a falar de operar não da ópera, não da obra, (Bismarck, 2001) do confronto, da comparação, da guerra em que o atelier ou a sala de aula são o campo de debate em suma do processo não dos resultados.

Esse espaço que se situa entre a ideia e a sua imagem, esse espaço que trabalha a ideia, que a reconfigura, que coloca em evidencia o fazer, que convoca e coloca em confronto o passado e o futuro, o conhecimento e o desconhecido, o conhecimento e o reconhecimento, a tradição e o novo, as linguagens gráficas, as suas convenções e as suas limitações, esse é o espaço onde o desenho se faz, esse é o espaço operativo do desenho, é ai que o desenho se resolve. (Bismarck,2001, p.55)

Esta é uma visão onde o erro é valorizado enquanto processo, um meio de atingir resultados, onde a procura é valorizada e não desencorajada. Esta é uma forma de conceptualizar o desenho, esta é a teoria estética que leva naturalmente a uma teoria de aprendizagem inclusiva. Ou seja, “o desenho tende a deixar visíveis os vestígios gráficos do pensamento, as marcas residuais dum percurso ou de uma errância, os seus arrependimentos, facultando a legibilidade de uma memoria visualizada, da sua procura de criação de sentidos”. (Bismarck,2001, p.56)

Tal como no desenho, o ensino e o ensino do desenho devem levantar as questões, criar os problemas que possibilitem as respostas, plurais, com os mecanismos de ligação necessários à descoberta individual de cada modalidade de verdade, onde percecionar é um campo de elevação.

No desenho moderno – ou melhor, no olhar moderno sobre o desenho – o olhar retrocede em vez de avançar, olha não para o que veio a seguir ou da-de vir, mas para o misterioso fundo de onde vem o que efetivamente surge, que é certamente o mistério do desejo e dos insondáveis caminhos de uma verdade

32 que pode ser negociada, de uma verdade que não pode senão ser negociada. (Caldas, 2007, p.17)

Como dizia o escultor Richard Serra (1938 - ) numa entrevista à cineasta Lizzie Borden (1950 - ) intitulada “About Drawing: An Interview” (1977) não existe como desenhar, existe apenas o desenho, numa tentativa de explicar a verdade ajustada, a plasticidade. É não só por isso, mas também porque o desenho é económico, o principal, o evidente, “o grosso do assunto” que este é uma disciplina tão essencial no ensino das artes. Mas essa disciplina está historicamente ligada ao modelo, e nas escolas ainda é a forma como se opera, pelo que não podemos falar de um sem falar de outro neste caso. “O modelo - se o queremos considerar ainda – é a imagem (…) que ao mesmo tempo nos induz (…) e nos guia na realização desse ato magico onde o mundo se deixa reunir na imagem.” (Caldas, 2007, p.21)

Mas se o desenho é o “espaço de disponibilidade [que] se institui como processo, como acto e não como resultado” (Caldas,2007) teremos que encarar o modelo como a motivação, como a possibilidade ou o intermediário.

Se uma plenitude se entrevê e afirma no desenho ela não é certamente fenomenal, mas algo como o fundo não-fenomenal da plenitude – uma imagem da proveniência da plenitude, de como no modelo entrevemos ou acreditamos ter encontrado uma porta para começar a reunir o que está separado. (…) modelo e desenho resultam não tanto de uma convicção de que a plenitude existe, mas da experiência de que ela insiste. (Caldas, 2007, p.19)

Se encaixarmos o modelo no domínio do histórico e não no domínio do natural como sugere Castro Caldas, o afastarmos dos tabus e inconcebíveis objetivos como são o copiar ou o imitar para atingir uma perfeição, uma perfeição observada, e o trouxermos para os olhares modernos e contemporâneos teremos que aceitar que este, tal como o desenho, fica também longe do acabado, do autónomo ou do definitivo.

Apagar, desfigurar, re-compôr, reformular, desvirtuar a falsa plenitude da linguagem, obriga-la a dobrar-se sobre si própria e reaparecer transfigurada, ilegível, aberta, é esta a compulsiva tarefa do desenho de que o modelo é motivação e motivo (…). (Caldas, 2007, p.21)

33 Ou seja, ao falarmos de modelo como “o exterior, o já construído, aquilo cuja autonomia deve ser respeitada ou observada, não agrada à arte moderna, toda ela fundamentada numa valorização do processo, da metamorfose, do transitório e do inacabado.” (Caldas, 2007, p. ) Dessa forma devemos encarar o modelo, antes de mais, como:

(…) o que está lá para ser imitado, para que se possa representar o que, apenas por via da imaginação, sem a observação, seria difícil de conceber inteira ou totalmente. A sua passividade, porém, não é absoluta: casualmente o modelo pode subitamente sugerir uma nova ideia, um novo angulo ao artista. (Caldas, 2007,p.13)

Então, diríamos que relacionar modelo e desenho necessita da mesma logica, da mesma regra para funcionar. Se conferirmos plasticidade e autonomia ao desenho teremos que conferir também ao modelo. E assim “longe de ter desaparecido, o modelo se tornou invisível – ou melhor, transparente, que é, como dizia o poeta, a forma moderna do invisível.” (Caldas, 2007)

Uma ética do desenho (e uma estética do desenho, como distingui-las?) centra- se, inevitavelmente, no seu caracter de testemunho, na presentificação do esforço de compor, e poderia resumir-se a um mandamento: onde para o documento começa a idolatria.” (Caldas, 2007, p.21)