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UM OLHAR SURDO SOBRE A RESOLUÇÃO 230 DO CNJ

Mariana Marques da Hora Estênio Ericson Botelho de Azevedo Nossa proposta é discutir o acesso à justiça pelas pessoas surdas, considerando a Resolução 230 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a partir de pesquisa bibliográfica e vivência na comunidade surda. Publicações sobre acessibilidade para surdos no Judiciário são incipientes no Brasil, daí a importância de chamarmos atenção para esta temática. Além disso, estamos em conformidade com o lema do movimento das pessoas com deficiência: “nada sobre nós sem nós”, pois, sendo surda e pai de surdo, legitimamos a participação da própria comunidade na construção e avaliação de políticas públicas para garantia de seus direitos.

O CNJ publicou a Resolução 230/2016, com o objetivo de orientar o Poder Judiciário e seus serviços auxiliares de acordo com a Convenção Internacional sobre Direitos da Pessoa com Deficiência (CDPD) e com a Lei Brasileira de Inclusão (LBI). Apesar de todo seu conteúdo ser extensivo aos surdos, observamos algumas determinações mais específicas: aceitar e facilitar o uso de línguas de sinais (Art. 4o, I); dispor de, no mínimo, 5% de servidores

capacitados para o uso e interpretação da Libras (Art. 4o, §2o); promover e custear cursos

internos de Libras (Art. 10, IV); proporcionar aos usuários com deficiência auditiva processo eletrônico acessível (Art. 7o) e nomear e custear tradutor-intérprete ou guia-intérprete, quando

houver surdo ou surdo-cego como parte do processo judicial (Art. 10, V e VII). O documento em estudo reforça os direitos das pessoas surdas, já normatizados na legislação brasileira, focando nos serviços jurídicos. A novidade ficou por conta da criação de Comissões Permanentes de Acessibilidade e Inclusão, nos Tribunais.

Conforme argumentado por MARTIN (2016), na prática não houve alterações significativas, visto que não há definições e prazos para capacitação de pessoal, nem determinações claras sobre questões orçamentárias, ou seja, não há praticidade nas determinações da Resolução. Pela bibliografia pesquisada e vivência na comunidade surda, sabemos que o cumprimento das normas esbarra em dificuldades e preconceitos institucionais, reproduzindo barreiras atitudinais e de comunicação. Contraditoriamente, no Judiciário há diversas situações de não cumprimento da Resolução analisada, não sendo garantida a acessibilidade plena aos surdos. Há relatos e situações presenciadas nos quais surdos são parte

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de processos judiciais sem que haja tradutores-intérpretes em todas as fases; não há comprovação ou percepção de que 5% dos servidores dos Tribunais sejam capacitados para atendimento em Libras, além de barreiras atitudinais por parte dos funcionários que atendem aos surdos, não raro tachados de agitados, agressivos, retardados, entre outros.

Políticas públicas constituem-se, nas democracias, com base na promessa de garantia da igualdade e da autonomia, todavia elas são permeadas de ações paliativas. Mesmo diante de avanços do ponto de vista legal, no contexto neoliberal, instituições não cumprem a legislação, mantendo barreiras, impedindo o acesso pleno pelas pessoas surdas aos serviços de que necessitam. Portanto, precisamos de pesquisas aprofundadas sobre a situação do acesso à justiça por surdos, realização de eventos para “ouvir” pessoas surdas e, principalmente, ações práticas, urgentíssimas, nas Instituições Judiciárias para superação desta problemática, quebrando o ciclo de audismo e/ou benevolência mascarada (LANE, 1992) que, historicamente, vem permeando a vida dos surdos.

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OS DESAFIOS DA PROFISSIONALIZAÇÃO DA PESSOA COM