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2. Crimes contra a ordem tributária e a sonegação fiscal no Brasil

2.3. Um panorama da sonegação fiscal no Brasil

Feitas essas considerações acerca da Lei n. 8.137/90 no que tange aos crimes contra a ordem tributária, importante agora discutir o quadro da sonegação fiscal no Brasil, visto que a pena aplicada a esses crimes e a dificuldade de punir os seus transgressores impactam diretamente na evasão de receita pública oriunda da arrecadação fiscal em virtude da sonegação.

Primeiramente, faz-se mister destacar alguns dados estimativos da carga tributária brasileira para, posteriormente, elencar a estimativa do desvio da arrecadação. Segundo dados da Receita Federal do Brasil69 e do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ/Ministério da Fazenda)70, bem como de alguns outros órgãos, estima-se que a carga tributária brasileira tenha chegado a 36,6% do Produto Interno Bruto (PIB) do país71, sendo este um valor elevado se comparado com outros países da América Latina, conforme podemos ver na Tabela 1.

68 RODRIGUES, Raphael Silva. Breves comentários acerca dos crimes contra a ordem tributária. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3654/Breves-comentarios-acerca-dos-crimes-contra-a-ordem-tributaria#>. Acesso em: 20 de maio de 2016.

69 Análise da Arrecadação dos Tributos Federais. Receita Federal do Brasil. Dez/2014

70 Boletim de Arrecadação Estadual (CONFAZ/Ministério da Fazenda)

71Sonegação no Brasil – Uma Estimativa do Desvio da Arrecadação do Exercício de 2014.

Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional – SINPROFAZ. 2015.

TABELA 1 – CARGA TRIBUTÁRIA BRUTA NOS PAÍSES DA AMÉRICA LATINA, MÉDIA 2007-2008 (Em porcentagem do PIB)

PAÍS CARGA TRIBUTÁRIA BRUTA

Argentina 29,9%

Bolívia 20,9%

Chile 21,1%

Colômbia 15,6%

Costa Rica 22,8%

Equador 15,4%

El Salvador 14,8%

Guatemala 12,0%

Haiti 9,9%

Honduras 16,7%

México 9,8%

Nicarágua 21,9%

Panamá 16,5%

Paraguai 13,2%

Peru 17,3%

República Dominicana 15,5%

Uruguai 23,2%

Venezuela 15,6%

BRASIL* 36,6%

Fonte: Elaboração própria com dados de Evasión y equidad en América Latina – Jiménez, Sabain &

Podestá (2010) e Receita Federal do Brasil

*Dados referentes ao ano de 201472

Ainda que esse número, se comparado aos países da América Latina, pareça excessivo, os países da Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE) possuem uma média de Carga Tributária Bruta de 36,2% do PIB, número que se aproxima dos valores do Brasil.

Entretanto, não se pode estabelecer uma relação direta de tributação com o Índice de Desenvolvimento Humano de um país, visto que o Brasil figura em 75º no Ranking IDH Global 201473, enquanto grande parte dos países-membros da OCDE estão entre os países com maior IDH no ranking e há

72Em 2007, o Brasil apresentava uma estimativa de carga tributária bruta de 34,3% do PIB.

Sonegação no Brasil – Uma Estimativa do Desvio da Arrecadação do Exercício de 2014.

Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional – SINPROFAZ. 2015

73 Relatório de Desenvolvimento Humano 2015. PNUD

países da América Latina com menor carga tributária que possuem IDH superior ao do Brasil.

Ademais, o Brasil opta, no tocante à base de incidência tributária, por tributar majoritariamente o consumo, chegando ao valor de 51,02% da arrecadação de 2014, e a tributar minoritariamente a renda e o patrimônio74 – que correspondem a 18,02% e 4,17%, respectivamente – conforme tabela 2.

TABELA 2 – CARGA TRIBUTÁRIA POR BASE DE INCIDÊNCIA (Em porcentagem da arrecadação total)

Base de Incidência Porcentagem da Arrecadação

2013 2014

Renda 18,11% 18,02%

Previdência e Seguridade Social 25,03% 25,18%

Propriedade 3,94% 4,17%

Bens e Serviços 51,20% 51,02%

Transações Financeiras 1,68% 1,61%

Outros 0,04% 0,00%

Fonte: Elaboração própria com base em dados da Receita Federal do Brasil

Enquanto no Brasil há um maior enfoque, por opção do legislador, da tributação sobre o consumo, na média dos países da OCDE é possível observar outras escolhas quanto à base de incidência, conforme gráfico 1.

74 Carga Tributária no Brasil 2014: Análise por Tributos e Bases de Incidência. Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros – CETAD. Receita Federal do Brasil. Out/2015.

Fonte: Elaboração própria com dados da Receita Federal do Brasil

* Média da OCDE considerando 25 dos países membros

A sonegação fiscal está presente em todas as sociedades e os elementos culturais, políticos e jurídicos interferem na frequência e intensidade da sonegação. Quando o país possui uma carga tributária elevada e a chance de o fisco detectar a sonegação é baixa, é economicamente racional para pessoas físicas e jurídicas sonegarem, como é o caso brasileiro e os dados sobre esta sonegação encontram grandes barreiras para serem estimados em virtude da complexidade do sistema tributário pátrio.75

A maioria dos trabalhos sobre a matriz tributária brasileira giram em torno dos princípios constitucionais tributários, das obrigações tributárias em geral e dos tributos em espécie, de modo que, historicamente, pouco tem sido discutido acerca da quantificação da receita pública não realizada em razão da sonegação.76

Ademais, existem grandes barreiras para a mensuração da evasão fiscal, como, por exemplo, a quantidade de dados disponíveis e sua baixa confiabilidade, até porque existe grande resistência do fisco na liberação

75Sonegação no Brasil – Uma Estimativa do Desvio da Arrecadação do Exercício de 2014.

Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional – SINPROFAZ. 2015.

76 Idem

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%

Brasil Média OCDE*

GRÁFICO 1 - CARGA TRIBUTÁRIA POR BASE DE INCIDÊNCIA (2013)

Renda Previdência e Seguridade Social Propriedade Bens e Serviços

desses dados. Apesar disso, alguns estudiosos têm se esforçado para estimar os valores que deixam de ser arrecadados em razão da sonegação fiscal.

Diante disso, o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (SINPROFAZ) realizou em 2015 uma pesquisa que resultou no relatório Sonegação no Brasil – Uma Estimativa do Desvio da Arrecadação do Exercício de 2014. Nesse relatório foram estimados alguns números sobre o panorama da arrecadação fiscal no Brasil com base em outros estudos como SIQUEIRA (2006), PAES (2011) e IBPT (2009).

Os números apresentados no presente relatório indicam uma estimativa de que a arrecadação brasileira poderia ser 23,6% maior se fosse possível eliminar a evasão tributária no ano de 2014, com todos os demais parâmetros utilizados nas pesquisas constantes, conforme tabela 3. Essa quantificação, ainda que estimada, revela a proporção dos danos causados ao erário pela sonegação fiscal, de modo que se estima que o Brasil deixa de arrecadar algo em torno de 8,6% do PIB com a evasão fiscal.77

TABELA 3 – PARÂMETRO PARA ESTIMATIVA DA SONEGAÇÃO FISCAL 2014

Tributo

Carga Tributária 2014 (R$

milhões)

% do Total

2014 % do PIB

Indicador de Sonegação Estimado (%

do Tributo)

Sonegação Estimada (R$

milhões) % do PIB

IR 304.519 16,2% 5,9% 28,0% 85.356 1,7%

IPI 50.828 2,7% 1,0% 33,4% 16.955 0,3%

IOF 29.789 1,6% 0,6% 16,6% 4.930 0,1%

II 36.694 2,0% 0,7% 24,8% 9.111 0,2%

Contribuições

Previdenciárias 373.063 19,9% 7,3% 27,8% 103.525 2,0%

Cofins 195.170 10,4% 3,8% 22,1% 43.191 0,8%

CSLL 65.534 3,5% 1,3% 24,9% 16.311 0,3%

PIS/PASEP 51.881 2,8% 1,0% 22,1% 11.481 0,2%

FGTS 104.744 5,6% 2,0% 27,8% 29.067 0,6%

ICMS 406.978 21,7% 7,9% 27,1% 110.454 2,2%

ISS 53.868 2,9% 1,0% 25,0% 13.478 0,3%

Outros 204.375 10,9% 4,0% 0 0,0%

Total 1.877.443 100,0% 36,57% 23,6% 443.859 8,6%

Fonte: SIQUEIRA (2006); PAES (2011); IBPT (2009); Análise da Arrecadação das Receitas Federais – Dezembro/2014 (RFB); Confaz.

77Sonegação no Brasil – Uma Estimativa do Desvio da Arrecadação do Exercício de 2014.

Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional – SINPROFAZ. 2015.

Como pode ser observado na tabela 3, a estimativa da sonegação fiscal no Brasil demonstra números muito elevados e ressalta a importância de se discutir esse panorama da evasão fiscal no país, levando em consideração toda a matriz tributária nacional, de modo a observar os vários aspectos que impactam diretamente nesses resultados apresentados, passando desde a efetividade do fisco em detectar as sonegações até elementos da culturais dos contribuintes.78

Considerando esse preocupante quadro apresentado, é preciso avaliar as consequências de algumas decisões acerca da limitação da multa punitiva aplicada na omissão de rendimentos no Imposto sobre a Renda com base no princípio da vedação ao confisco no que se refere à redução ou não da eficácia das multas de desestimular a evasão fiscal.

Para robustecer a discussão sobre o tema principal do presente trabalho, será feita a análise de um acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal 3ª Região que fixou limites máximos de quantificação das multas punitivas aplicadas sobre omissão de rendimentos com a finalidade de fraudar o fisco no próximo capítulo.

3. Análise sobre a redução da multa punitiva aplicada sobre omissão de