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UM PONTO DE REFERÊNCIA NO MAPA: A EDUCAÇÃO LITERÁRIA

9 Livros sem palavras.

3. LITERATURA INFANTIL: UM CÉU TODO A EXPLORAR

3.1 UM PONTO DE REFERÊNCIA NO MAPA: A EDUCAÇÃO LITERÁRIA

A mediação da leitura literária possibilita que a Literatura Infantil se configure como um aporte estético para a produção de um olhar sensível sobre o mundo, pois pelo contato com ela, que é múltipla e variada, a criança toma conhecimento do mundo e reconhece realidades semelhantes e distintas da sua. Pela experiência com a literariedade, consegue se perceber como parte desse mundo de linguagem, ampliando seu olhar sensível sobre a realidade que a cerca.

Ao perceber a Educação Infantil como espaço privilegiado de saberes e fazeres16, encontro no conceito do letramento literário,

inserido no contexto educacional, a possibilidade da ampliação das habilidades de leitura, de alargamento de repertórios e de experiência estética da criança leitora.

Letramento literário é o processo de apropriação da literatura enquanto linguagem em suas práticas sociais, entendido como um processo, porque é contínuo, um movimento que nunca se encerra, continuando por toda a vida, conceito que surgiu amparado pelo

16 Os espaços da Educação Infantil são apropriados para saberes e fazeres,

porque, como primeira etapa da educação básica, são os primeiros espaços institucionalizados dos quais as crianças fazem parte, podendo, dessa maneira, estabelecer os ambientes que, por excelência, instituem o acesso das crianças ao mundo do conhecimento, bem como, possibilitam, na interação, a troca de saberes com seus pares, propiciando a elas sentirem-se produtoras de cultura.

conceito de letramento proposto pela pesquisadora Magda Soares (1998).

Para Soares (1998, p. 39), o conceito de letramento surgiu no Brasil para discutir e compreender o termo literacy, utilizado nos países de língua inglesa, e o termo literacia, usado em Portugal, e é “o resultado da ação de ensinar e aprender as práticas sociais de leitura e escrita: o estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita e de suas práticas sociais”.

Ao concordar com a definição proposta pela autora, observo que a tarefa de ensinar designada ao professor em sala de aula é ampliada. A ação de alfabetizar (ensinar o código escrito) está encapsulada por uma prática maior: a de proporcionar à criança a introdução ao mundo da cultura escrita, ou seja, capacitá-la para reconhecer-se em um mundo letrado, encaminhando-a para a leitura de todos os códigos visuais e verbais que a cercam. Assim, não basta mais somente decodificar as letras, palavras, frases e textos.

Desse modo, o letramento abrange uma vasta gama de práticas culturais em diferentes níveis, possibilitando diferentes maneiras e graus de interação de cada sujeito com a leitura e a escrita. Como exemplo disso podemos pensar no sujeito que mesmo sem domínio do código escrito está imerso em contextos letrados, em contato com diferentes tipos de textos em diversos suportes.

Magda Soares (1998) elencou a relevância desse conceito, no qual a leitura e a escrita ultrapassam os muros educacionais, e, dentro dessa perspectiva, outros autores expandiram o conceito de letramento ao pensarem na sua relação com a literatura. Para tanto, criaram o conceito de letramento literário que se constitui de práticas de leitura literária e tem como foco primordial a formação de um leitor literário que saiba:

[...] escolher suas leituras, que aprecie construções e significações verbais de cunho artístico, que faça disso parte de seus fazeres e prazeres. Esse leitor tem de saber usar estratégias de leitura adequadas aos textos literários, aceitando o pacto ficcional proposto, com reconhecimento de marcas lingüísticas de subjetividade, intertextualidade, interdiscursividade, recuperando a criação de linguagem realizada, em aspectos fonológicos, sintáticos, semânticos e situando adequadamente o texto em seu momento histórico de produção. (PAULINO, 1998, p. 8).

Rildo Cosson (2012) compartilha da concepção do letramento apontada por Soares (1998) e também a traz para a especificidade da literatura quando diz que o letramento literário, como prática social, é responsabilidade das instituições educacionais, e que a preocupação em manter a literatura nos espaços de ensino é escolarizá-la sem que perca suas características e seu poder de humanização.

À escola, assim como a creche e a pré-escola, cabe a função de possibilitar à criança o acesso a múltiplos códigos, suportes e linguagens, possibilitando, dessa maneira, o reconhecimento de campo vasto de gêneros discursivos. Assim, nesse espaço acontece a formação do leitor literário, que adentra por meio da experiência do literário “a discussão sobre valores estéticos” (PAULINO, 2010, p. 118), concepção fundamental do letramento literário, no qual o trabalho da leitura se opera para além do sentido das palavras. Para Cosson (2012, p. 120), o ensino da literatura é um “[...] processo de formação de um leitor capaz de dialogar no tempo e no espaço com sua cultura, identificando, adaptando ou construindo um lugar para si mesmo”. Quem corrobora com esse pensamento é Pereira (2007, p. 44), quando afirma que:

[...] o letramento literário deve assumir cada vez mais seu caráter de jogo – de ação livre, executada como expressão de imaginação e catarse, articulada nos níveis do possível, do impossível, do vivido e do contingente, sentida como algo que desconstrói os estereótipos do cotidiano e instaura o círculo mágico do prazer.

Da mesma forma, o termo educação literária é conceituado como sendo a aprendizagem para a leitura e compreensão de textos literários, que forma um leitor que não somente decodifique os textos, mas compreenda que eles são uma construção cultural e histórica e que lhes atribua sentidos, relacionando os textos literários com que é vivido e compartilhado com a sociedade.

As instituições educativas, entre eles as da Educação Infantil, são espaços privilegiados de acesso a produções culturais e, na atualidade, o grande desafio que os professores enfrentam é possibilitar o encontro das crianças com o conhecimento. Sônia Kramer (2005), em entrevista concedida à Angélica Miranda, afirma a importância do papel do professor na formação do leitor, especialmente a formação do leitor de literatura. A autora acredita que:

[...] Como um professor que não se torna leitor e não tem uma sensibilidade estética com relação à produção artística pode ser capaz de fazer com que a criança produza sua palavra, tenha acesso a uma escrita rica, tenha gosto pela leitura e vontade de escrever? [...] [é preciso] tomar coragem, abrir o livro, tirá-lo da prateleira, sacudir a poeira e, junto com as crianças, descobrir o mundo da leitura. (KRAMER, 2005, p. 6; 8).

A formação do leitor literário deve objetivar não somente a ampliação da consciência sobre seu lugar no mundo, mas também a possibilidade da escolha de suas leituras, que ele saiba apreciar as construções estéticas, assim como afirma Graça Paulino (2010, p. 149), que o letramento literário pela formação do leitor “permite uma ampliação da consciência do leitor sobre o seu ‘estar no mundo e uma intensificação da atividade imaginante, através das possibilidades criativas da linguagem – oral ou escrita”.

Para a autora, o letramento literário pressupõe a participação de um leitor que se coloca no processo de criação do texto, que o fazer estético do leitor é tão importante quanto a do autor. Dessa maneira, a formação do leitor se faz tão essencial para que este, por meio da constituição de um repertório textual, adquira habilidades linguísticas e repertório de mundo, de tal forma que, muito mais do que fruir um livro ou deliciar-se com a poesia, o leitor deve aprender a se posicionar frente uma obra literária, questionando padrões e ampliando sentidos, pois o aprendizado crítico da leitura literária se dá pelo encontro com os textos literários e esse “princípio de toda experiência estética, é o que temos denominado aqui de letramento literário” (COSSON, 2012, p. 120). O letramento literário configura-se, então, como a interação do sujeito leitor, de sua própria história e repertório, com a história e cultura nas práticas sociais letradas.

A educação literária, que não está atribuída somente às instituições educacionais, mas são os lugares mais significativos para que aconteça é o fato de serem as instâncias nas quais as ações serão pensadas e planejadas, a partir do fazer pedagógico, orientadas para que assegurem e instaurem a aprendizagem. Essa educação literária almejada só acontece quando o leitor tem contato direto e constante com todas as possibilidades de composição de textos literários, e pode se efetivar desde muito cedo, desde a educação infantil, criando a possibilidade da vivência da experiência estética.

A literatura deve ser ensinada com o objetivo maior que é “garantir a função essencial de construir e reconstruir a palavra que nos humaniza” (COSSON, 2012, p. 23). E como prática social, o principal espaço de acesso ao letramento literário são as instituições educativas, e muito mais do que um ato de prazer, deve ter o compromisso de conhecimento, assim como qualquer outro saber. Além disso, o letramento literário traz consigo a possibilidade de se “[...] aprimorar a capacidade de interpretar e a sensibilidade de ler um texto a tecedura da cultura” (COSSON, 2012, p. 103-104).

O objetivo primordial do letramento, como um “processo de apropriação da literatura enquanto linguagem” (COSSON, 2015, p. 1), é formar uma comunidade de leitores a partir da ampliação de repertórios de leitura, em um espaço de compartilhamento de experiências literárias, nas instituições educativas e fora delas. Nesse sentido, contextos nos quais se faz presente o letramento literário, os leitores não são somente consumidores de cultura, mas são sujeitos que dialogam com a herança cultural da qual participam.

A educação literária enquadra-se no objetivo primordial de que cada leitor, por meio da literatura e em contato com contextos diferenciados, reconheça narrativas multi e interculturais e estabeleça conexões relacionadas ao seu repertório literário, de modo que possa:

[…] activar los intertextos y las enciclopedias individuales para poder interpretar no solamente los textos literariamente y las menciones intertextuales que en cada obra existen, sino también saber cómo ellos se gestaron, cuál es el significado de los paratextos y de los condicionantes socio-político-culturales en los que se crearon, dado que muchas obras rompen los límites de su época y nos informan de tiempos pasados y futuros. (RECHOU, 2012, p. 362)17. Ao professor cabe a responsabilidade de fornecer os instrumentos e caminhos necessários para que os leitores, com autonomia, ampliem

17 “[...] ativar os intertextos e as enciclopédias individuais para poder interpretar

não somente os textos literários e as menções intertextuais que existem em cada obra, mas sim também saber como elas foram gestadas, qual o significado dos paratextos e das condições sociais, políticas e culturais em que foram criadas, uma vez que muitas obras rompem com os limites de sua época e nos informam dos tempos passados e futuros” (RECHOU, 2012, p. 362, tradução nossa).

horizontes de leitura. Isso se concretiza quando o letramento literário é compreendido como um processo de longa duração, que mais do que uma habilidade para ler os textos literários, “requer uma atualização permanente do leitor em relação ao universo literário” (COSSON; SOUZA, 2011, p. 103), e adote o princípio de:

[...] construção de uma comunidade de leitores. É essa comunidade que oferecerá um repertório, uma moldura cultural dentro da qual o leitor poderá se mover e construir o mundo e a ele mesmo. Para tanto, é necessário que o ensino da Literatura efetive um movimento contínuo de leitura, partindo do conhecido para o desconhecido, do simples para o complexo, do semelhante para o diferente, com o objetivo de ampliar e consolidar o repertório cultural do aluno. Nesse caso, é importante ressaltar que tanto a seleção das obras quanto as práticas de sala de aula devem acompanhar esse movimento (COSSON, 2012, p. 47-48).

Dessa maneira, concebo que o letramento literário começa ainda muito cedo para as crianças pequenas, que estão em contato com a leitura literária e também com o mundo de conhecimento que as cerca, pois a literatura como uma experiência de conhecer, diz-nos quem somos e nos mobiliza, abrindo caminhos que possibilitam conhecer-nos e expressarmo-nos no mundo por meio do literário, e fornece-nos “os instrumentos necessários para conhecer e articular com proficiência o mundo feito linguagem” (COSSON, 2012, p. 30).

A educação literária dá condições para que o leitor em formação possa ter acesso a diferentes experiências com a literatura e com a arte, de tal forma que, em uma comunidade de leitores, as diferenças e significados possam ser compartilhados, ampliando, assim, as leituras acerca da realidade. Sendo assim, um professor que vislumbra a educação literária deve ter como critério primordial proporcionar aos leitores amplas experiências para ampliar repertórios, dentre elas, a experiência literária de leitura das imagens como forma de letramento visual, ambicionando a sensibilização do olhar.

3.2 OLHANDO A PAISAGEM DO ALTO: LETRAR E EDUCAR O