• Nenhum resultado encontrado

CONSIDERAÇÕES FINAIS

UM POUCO DE POESIA

Faremos uso das palavras do escritor pernambucano João Cabral de Melo Neto em sua obra Morte e Vida Severina, porque considero que ele retrata muito bem a violência social que se reflete em outras violências, inclusive em violências interpessoais

Um retirante percorrendo o sertão, o agreste e o litoral de Pernambuco, apresenta a crueldade da ‘vida severina’ que termina com uma morte também ‘severina’.

Somos muitos Severinos Iguais em tudo na vida,

Morremos de morte igual, mesma morte severina: Que é a morte que se morre

De velhice antes dos trinta, De emboscada antes dos vinte, De fome um pouco por dia

Parece que a vida não tem valor ou sentido e que a morte é o único caminho. Essa resignação do retirante pode servir como representação do que acontece com a mulher em situação de violência – sentir-se paralisada e sem forças para agir, não ver saída, manter-se em silêncio.

Na medida em que o retirante vai fazendo sua caminhada em busca de uma vida melhor, vai se decepcionando com o que encontra:

Desde que estou retirando Só a morte vejo ativa, Só a morte deparei E às vezes até festiva; Só morte tem encontrado Quem sonhava encontrar vida, E o pouco que não foi morte

Foi de vida severina (aquela que é menos vivida que defendida).

Já cansado da caminhada e sem encontrar o que gostaria – trabalho para refazer e viver bem a vida – o retirante pensa em suicidar-se pulando de uma ponte sobre o Rio Capibaribe e conversa sobre isso com um morador de um dos mocambos do mangue:

Seu José, mestre carpina, Que diferença faria

Se em vez de continuar Tomasse a melhor saída: A de saltar numa noite, Fora da ponte e da vida? O morador do local responde: Severino, retirante,

Muita diferença faz Entre lutar com as mãos E abandoná-las para trás.

Esse pode ser também um dilema vivenciado pelas crianças, adolescentes e mulheres vítimas de atrozes violências físicas, emocionais, sexuais... já se tem estudado que a violência pode deixar como conseqüência o desejo de morrer e até mesmo pode levar ao suicídio, porque toca a estrutura da pessoa e pode afetar sua capacidade de resiliência. Assim, podemos ver como é fundamental ações que tenham como finalidade a superação da violência e a construção da paz.

Como ressalta João Cabral de Melo Neto no final do seu texto, não há apenas a “ponte da morte”, há também a “ponte da vida” – esta representa a possibilidade de superação, o processo sempre possível de retomada, de mudança de rumo, de busca de alternativas.

Severino, retirante,

Deixe agora que lhe diga: E eu não sei bem a resposta Da pergunta que fazia,

Se não vale mais saltar Fora da ponte e da vida; Não conheço essa resposta, Se quer mesmo que lhe diga; É difícil defender,

Só com palavras, a vida, Ainda mais quando ela é Esta que vê, severina; E não há melhor resposta Que o espetáculo da vida: Vê-la desfiar seu fio,

Que também se chama vida, Ver a fábrica que ela mesma, Teimosamente, se fabrica, Vê-la brotar como há pouco Em nova vida explodida;

Mesmo quando é assim pequena A explosão, como a ocorrida; Mesmo quando é uma explosão Como a de há pouco, franzina: Mesmo quando é a explosão De uma vida severina.

É possível saltar da “ponte da morte” para a “ponte da vida”. Consideramos sempre possível romper o silêncio, buscar ajuda, usar os recursos (mesmo pequenos, “severinos”) de que se dispõe para romper o ciclo da violência. Que possibilitem às pessoas/às mulheres “acordarem para a vida”. Usando ainda as palavras do poeta: “Acordar é ter saída. Acordar é re-acordar-se ao que ao nosso redor gira. Mesmo quando alguém acorda para um fiapo de vida.”

BIBLIOGRAFIA

ARAÚJO, Maria de Fátima; MARTINS, Edna Júlia Scombatti e SANTOS, Ana Lúcia dos. Violência de gênero e violência contra a mulher. In ARAÚJO, Maria de Fátima e MATTIOLI, Olga (Orgs.). Gênero e Violência. São Paulo, Arte e Ciência, 2004, p. 17-35.

BARBIER, René. A pesquisa-ação na instituição educativa. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1985.

BARRET, Michele. Feminismo. In BOTTOMORE, Tom, OUTHWAITE, William (org.). Dicionário do Pensamento Social do Século XX. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1996.

BAUER, Martin e GASKELL, George (editores). Pesquisa qualitativa com texto,

imagem e som: um manual prático. Trad. Pedrinho A. Guareschi. Petrópolis - RJ,

Vozes, 2002.

BEHRING, Elaine Rossetti e BOSCHETTI, Ivanete. Política Social: fundamentos e

história. São Paulo, Cortez, 2006.

BOGDAN, Robert e TAYLOR, Steven. Introdução aos métodos da pesquisa

qualitativa. Mimeo, Fortaleza, 1980.

BOSELLI, Giane. Delegacia de Defesa das Mulheres: permanências e desafios. Mimeo, 2005. Disponível no site www.cfemea.org.br, acesso em 14/12/2006. Parte da Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais: Instituições, gênero e poder, Universidade Estadual de São Paulo, 2003.

BOURDIEU, Pierre A economia das trocas simbólicas. 5. ed. Tradução de Sérgio Miceli. São Paulo, Perspectiva, 2000.

_______________. A dominação masculina. 2. ed. Tradução de Maria Helena Kühner. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1999.

CALDERÓN, Adolfo Ignacio e GUIMARÃES, Rosamélia Ferreira. Família a crise de

um modelo hegemônico. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, Cortez, n. 46,

1994, p. 21-34.

CARVALHO, Maria do Carmo Brant de (Org.). A família contemporânea em

debate. São Paulo, EDUC/Cortez, 2000.

COMBES, Danièle e HAICAULT, Monique. Produción y reprodución, relaciones sociais de sexo y de clase. In: BORDERÍAS, Cristina (Org.)Las mujeres y el

Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher. Convenção de Belém do Pará, 1994.

CORDEIRO, Rosineide de Lourdes Meira. Apanhar dói e machuca: as

ambivalências das mulheres sobre violência de gênero. Dissertação de

Mestrado em Serviço Social, UFPE, Recife, 1995.

CORREA, Mariza. Repensando a família patriarcal brasileira. São Paulo, Brasiliense, 1984.

COSTA, Jurandir Freire. Violência e Psicanálise. 3.ed. São Paulo, Edições Graal, 2003.

CRUZ NETO, Otávio. O trabalho de campo como descoberta e criação. In: MINAYO, M.C.S (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 21.ed. Petrópolis, Editora Vozes, 2002, p. 51-66.

EDLESON, Jeffrey e EISIKOVITS, Zvi (compiladores). La mujer golpeada y la

família. Buenos Aires, Ediciones Granica, 1997.

FALEIROS, Vicente de Paula. Redes de exploração e abuso sexual e redes de

proteção. Mimeo. Trabalho apresentado no IX CBAS – Congresso Brasileiro de

Assistentes Sociais. Goiânia, julho de 1998 – Anais – Vol.1 – p. 267-271.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 7.ed. Petrópolis, Vozes, 1987

FRAGA, Paulo Denisar. Violência: forma de dilaceramento do ser social. In. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, Cortez, n. 70, 2002, p. 44-58.

FRANCH, Mônica; BATISTA, Carla e CAMURÇA, Sílvia. Ajuste estrutural, pobreza

e desigualdade de gênero. Um caderno feminista de informação e reflexão para

organização de mulheres. 2.ed. Recife, Iniciativa de gênero/SOS Corpo, Gênero e Cidadania, 2003.

GEHLEN, Vitória e OSTERNE, Maria do Socorro. A condição paradoxal que

constitui o feminismo: dilemas sobre igualdades e diferenças. In Serviço Social

& Sociedade, São Paulo, Cortez, n. 84, 2005, p. 140-168.

GILL, Rosalind. Análise de Discurso. In: BAUER, Martin e GASKELL, George (editores). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Trad. Pedrinho A. Guareschi. Petrópolis, Vozes, 2002, p. 244-270.

GREGORI, Maria Filomena. Cenas e queixas. São Paulo, Paz e Terra/ANPOCS, 1993.

GROSSI, Miriam Pilar. Rimando amor e dor: reflexões sobre a violência de vínculo afetivo-conjugal. 1ª reimpressão. In. GROSSI, Miriam Pilar e PEDRO, Joana Maria (Orgs.). Masculino, Feminino, Plural: gênero na interdisciplinaridade. Florianópolis, Ed. Mulheres, 2000, p. 293-313.

_________________. Novas/velhas violências contra a mulher no Brasil. In. Revista de Estudos Feministas, Número Especial, Outubro/1994, p. 473-483.

GROSSI, Miriam Pilar; MINELLA, Luzinete Simões e LOSSO, Juliana Cavilha Mendes. Gênero e violência: pesquisas acadêmicas brasileiras (1975-2005). Florianópolis, Ed. Mulheres, 2006.

GUERRA, Viviane. Violência de pais contra filho: a tragédia revisitada. 5.ed. São Paulo, Cortez, 2005.

HARTMANN, Heidi. Capitalismo, patriarcado y segregación de los empleos por sexos. In: BORDERÍAS, Cristina (Org.) Las mujeres y el trabajo. Barcelona, ICARIA/FUHEN, 1994.

HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. 4.ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra.

IAMAMOTO, Marilda V. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e

formação profissional. 4.ed. São Paulo, Cortez, 2001.

INÁCIO, Miriam de Oliveira. Violências contra mulheres e esfera familiar: uma

questão de gênero? In: Presença Ética: Ética, Política e Emancipação Humana.

Revista Anual do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Ética – GEPE/Pós-graduação em Serviço Social da UFPE, Ano III, nº. 03, 2003.

IZUMINO, Wânia Pasinato e SANTOS, Cecília MacDowell. Violência contra as

mulheres e violência de gênero: notas sobre estudos feministas no Brasil.

Revista E.I.A.L. Estudios Interdisciplinarios de América Latina y el Caribe, Vol. 16, n. 1, 2005.

KALOUSTIAN, Sílvio Manoug (Org.). Família brasileira, a base de tudo. 5.ed. São Paulo, Cortez Editora Brasília, UNICEF, 2002.

LAVINAS, Lena. Gênero, cidadania e políticas urbanas. In: RIBEIRO, Luiz César (Org.) Globalização, fragmentação e reforma urbana: o futuro das cidades

Lei 11.340/Lei Maria da Penha. In: Portal da Violência contra a mulher. www.patriciagalvao.org.br. Acesso em 23/11/2006.

LOURAU, René. A análise institucional. Tradução de Mariano Ferreira. Petrópolis - RJ, Editora Vozes, 1975.

MACHADO, Lia Zanotta. Feminismo, academia e interdisciplinaridade In: COSTA, Albertina de Oliveira e BRUSCHINI, Cristina (Org.) Uma questão de gênero. Rio de Janeiro, Rosa dos Tempos, 1992.

MENEZES, Karla. Gênero na educação. In: Revista Lilás. Recife, Coordenadoria da Mulher da Prefeitura do Recife, janeiro/2004, p. 05.

MINAYO, Maria Cecília de Souza (Org.). Pesquisa social: teoria, método e

criatividade. 21.ed. Petrópolis - RJ, Editora Vozes, 2002.

MOREIRA, Maria Ignez Costa; RIBEIRO, Sônia Fonseca e COSTA, Karine Ferreira. Violência contra a mulher na esfera conjugal: jogo de espelhos. In. BRUSCHINI, Cristina e COSTA, Albertina de Oliveira (Orgs.). Entre a virtude e o pecado. Rio de Janeiro, Rosa dos Tempos. São Paulo, Fundação Carlos Chagas, 1992.

MOTA, Ana Elizabete. Cultura da crise e seguridade social. São Paulo, Cortez, 1995.

NETTO, José Paulo. Capitalismo Monopolista e Serviço Social. São Paulo, Cortez, 1992.

___________________. A conjuntura brasileira: o Serviço Social posto à prova. São Paulo, Cortez, 1992. In: Serviço Social & Sociedade, São Paulo, Cortez, n. 79 2004, p. 5-26.

ORLANDI, Eni. Discurso e leitura. 5.ed. São Paulo, Cortez; Campinas – SP, Editora da Universidade Estadual de Campinas, 2000.

OSTERNE, Maria do Socorro Ferreira. Violência nas relações sociais de gênero e

cidadania feminina: análise das ocorrências na Delegacia de Defesa da Mulher de Fortaleza. Tese de Doutorado em Serviço Social, UFPE, Recife, 2005.

PATEMAN, Carole. O Contrato Sexual. Tradução de Marta Avancini. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1993.

PIERUCCI, Flávio. Ciladas da Diferença. São Paulo, Curso de pós-graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo, Editora 34, 1999.

PIMENTEL, Silvia. Perspectivas jurídicas da família: o Novo Código Civil e a

violência familiar. In: Serviço Social & Sociedade, São Paulo, Cortez, n. 71, 2002,

QUEIROZ, Fernanda Marques de. Não se rima amor e dor: representações

sociais sobre violência conjugal. Tese de Doutorado em Serviço Social, UFPE,

Recife, 2004.

ROCHA, Lourdes de Maria L.N. Poder judiciário e violência doméstica contra a

mulher: a defesa como função da justiça. In: Serviço Social & Sociedade. São

Paulo, Cortez, n. 67, 2001, p. 112-123.

SAFFIOTI, Heleieth I.B. Gênero, patriarcado e violência. São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 2004.

___________________ Violência de gênero no Brasil atual. In. Revista de Estudos Feministas, Número Especial, Outubro/1994, p. 443-461.

___________________. O estatuto teórico da violência de gênero. In. SANTOS, José Vicente dos. Violência em tempos de globalização. São Paulo, Huciter, 1999, p. 142-163.

___________________. Movimentos sociais: face feminina. In. CARVALHO, N. (Org.). A condição feminina. São Paulo, Vértice, 1988.

___________________. Exploração sexual de crianças. In. AZEVEDO, Maria Amélia e GUERRA, Viviane N. de A. (Orgs.) Crianças vitimizadas: a síndrome do

pequeno poder. São Paulo, Iglu Editora Ltda., 1989, p. 49-95.

SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. Recife, SOS Corpo, 1996.

SCHERER-WARREN, Ilse. Cidadania sem fronteiras: ações coletivas na era da

globalização. São Paulo, Huciter, 1999.

SILVA, Lygia Maria Pereira da (Org.). Violência doméstica contra crianças e

adolescentes. Recife, EDUPE, 2002.

SINGH, Priscila. As igrejas dizem não à violência contra a mulher. Publicação da Federação Luterana Mundial. Publicação no Brasil: São Leopoldo-RS, Ed. Sinodal, 2005.

SORJ, Bila e HEILBORN, M. L. Estudos de Gênero no Brasil. In. MICELLI, Sérgio et al. O que se deve ler em ciências sociais, 2000.

SPINK, Mary Jane (Org.). Práticas discursivas e construção de sentidos no

cotidiano: aproximações teóricas e metodológicas. 3. ed. São Paulo, Cortez,

2004.

SPINK, Peter. Pesquisa de campo em psicologia social: uma perspectiva pós-

construcionista. Revista Psicologia e Sociedade, volume 15, n. 2, julho/dezembro

TEIXEIRA, Analba Brazão, GROSSI, Miriam Pilar (Orgs.) Histórias para contar:

retrato da violência física e sexual contra o sexo feminino na cidade do Natal.

Natal, Casa Renascer; Florianópolis, NIGS, 2000.

TELES, Maria Amélia de A. e MELO, Mônica. O que é violência contra a mulher. São Paulo, Editora Brasiliense, 2003.

TONET, Ivo. Democracia ou Liberdade? Maceió, EDUFAL, 1997.

VINAGRE SILVA, Marlise. Violência contra a mulher: quem mete a colher? São Paulo, Cortez, 1992.

VITALE, Maria Amália Faller. Famílias monoparentais: indagações. In. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, Cortez, n. 71, 2002, p. 45-62.

ANEXOS

ANE XO 1

ROTEIROS DE ENTREVISTAS