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2. KAMAIURÁ, UM POVO DO ALTO XINGU

2.3 UM POVO, DUAS ALDEIAS

Atualmente os Kamaiurá estão divididos em duas aldeias: Ypawu e Morená. A segunda se desmembrou da primeira em fins da década de 70, quando Sucuri mudou-se com sua família e foi acompanhado por outras, num movimento comum de divisão de aldeias, seja por pressão demográfica, seja por pressão política. Seus filhos e sobrinhos se apressam em dizer que não foi uma cisão por motivos políticos, no entanto. Habitam a aldeia Morená pouco menos de 100 índios; 328 habitam a aldeia Ypawu. (UNIFESP, 2003). Esta divisão importa ao nosso trabalho porque as decisões tomadas por suas lideranças em relação à educação escolar são sempre discordantes umas das outras. Enquanto os Kamaiurá de Morená freqüentavam os cursos de formação promovidos pelo ISA, enviando sempre professores desde o início, em 1994, e mantendo uma escola especialmente construída para este fim, os Kamaiurá de Ypawu se recusavam a fazê-lo, contestando o tipo de ensino que era transmitido aos professores índios, considerado como fraco e guetizante. Discordavam também quanto ao local de realização dos cursos, o Posto Pavuru e Posto Diauarum, localizados no Baixo Xingu, terra dos Trumai, Juruna, Kaiabi e Suyá. Ainda em 2003 essa diferença de opinião mostrou-se mais uma vez presente: os índios do Alto Xingu exigiam um sistema de saúde próprio para eles, separados do Médio e Baixo Xingu. O atendimento médico que desde 1965 era realizado pela UNIFESP no Parque inteiro, teve que ser dividido. Os Kamaiurá de Ypawu passaram a ser atendidos por outros médicos que não os da UNIFESP, juntamente com as outras nove etnias que formam o Alto Xingu, mas os Kamaiurá de Morená preferiram aderir ao atendimento da UNIFESP direcionado aos índios do Médio e Baixo Xingu.

FIGURA 4. A aldeia Ypawu, com a casa dos homens no centro. Foto: Acervo Associação Mavutsinin

A aldeia que selecionamos para a pesquisa foi Ypawu (Figura 4) composta por 16 casas residenciais, dispostas em círculo (uma fica afastada dele), no formato tradicional a todas as casas do Alto Xingu, ou seja, ovalado, sem paredes, com um teto de sapé que desce até o chão, feito meia bola (Figura 5). Variam de família para família o tamanho, podendo medir de 30 a 40 metros de comprimento, 18 metros de largura e 9 a 10 de altura. A abertura que serve de porta tem 1,5 m de altura e está disposta simetricamente em cada lateral da casa. Apesar de não haver paredes internas que a dividam, o espaço interno, que vai de uma porta até a outra numa faixa de 2 metros, aproximadamente, corresponde à área social da casa, sendo as extremidades o local onde se amarram as redes, dividido por famílias, entre solteiros e casados. Atrás de cada casa foi instalada uma torneira, que recebe

água de um poço artesiano através de uma caixa d’água situada na entrada da aldeia, construída pela FUNASA e UNIFESP há poucos anos. Na casa do cacique encontramos o rádio amador, instrumento de contato com o mundo dos brancos e entre as aldeias do Parque.

FIGURA 5. O interior de uma casa em construção. Foto: Jailton Carvalho

Contamos pelo menos 12 aparelhos de TV e 14 rádios, distribuídos pela aldeia, ainda que para fazê-los funcionar houvesse apenas 3 geradores de eletricidade movidos a óleo diesel. O maior desses geradores, comum a toda a aldeia, estava quebrado há meses, aguardando um técnico que viesse de Canarana para consertá-lo, enquanto os dois menores, particulares, serviam a umas três casas cada, o que fazia com que em dia de jogo da seleção

brasileira de futebol, uma pequena multidão afluísse para as duas casas que possuíam televisão e eletricidade ao mesmo tempo.

Uma pista de pouso de avião está localizada na entrada da aldeia, ainda não regularizada, mas em bom estado de conservação, o que permite alguns pousos diretamente na aldeia sem passar pelo Posto Leonardo. No centro da aldeia está a casa dos homens, construção tradicional, de sapé, mais ou menos 6 metros quadrados, com uma abertura lateral voltada para o sol nascente e onde um tronco deitado ao chão faz as vezes de banco no qual se sentam e se reúnem os homens mais experientes da aldeia à tarde para fumar e conversar. Próximo à casa dos homens, encontramos a gaiola para o gavião real, construção típica do Alto Xingu, de formato cônico, de 3 metros de altura. Enquanto estivemos na aldeia, em janeiro de 2004 havia também ao lado da casa dos homens um “apenap” (Figura 6), que vem a ser o local cercado por tocos de árvores serrados a 30 cm do chão e amarrados em forma de dois semicírculos côncavos. Era onde estava enterrado Karautá, morto dois dias antes de chegarmos à aldeia. Por ter certo status, além dos dias de luto, no qual a escola está fechada, ele tem direito a um ritual em sua homenagem: o Quarup.

FIGURA 6. Apenap. Marca o local onde são enterrados os mortos. Foto: Jailton Carvalho

Enquanto estive na aldeia, a escola permaneceu com as portas fechadas em respeito ao luto da família de Karautá. No último dia de minha visita, uma comissão de lideranças foi à casa da família do falecido pedir autorização para tirarem o luto. A morte e o luto são momentos nos quais toda a tradição xinguana vem à tona com muita força, por envolver questões relacionadas com o sobrenatural, com a feitiçaria e o poder e o relacionamento com outras etnias.

Também no centro da aldeia encontra-se o campo de futebol, com suas duas traves, fato comum a todas as aldeias do Parque. Os Kamaiurá mantêm duas equipes: o “Kamaiurá” e o “Apyap”.

Fora do círculo de casas há uma escola (Figuras 7 e 8), feita de madeira e teto de sapé; uma Unidade Básica de Saúde, construção típica do Baixo Xingu, com paredes de madeira roliça e teto de sapé, na qual está instalada uma placa solar que garante energia para aparelhos de inalação, lâmpadas, etc. Formato semelhante tem a Associação

Mavutsinin, casa um pouco maior, onde se comercializa artesanato e centraliza a contabilidade das transações financeiras da aldeia. Há ainda alojamento, também chamado de “Hotel”, também construção retangular, com paredes de madeira e teto de sapé, um pouco maior que a escola e cuja finalidade era hospedar ecoturistas, projeto polêmico dos Kamaiurá, nunca levado a cabo, mas sempre presente quando a idéia é levantar fundos. Fundos necessários para combustível e manutenção do caminhão, do trator, do barco com motor de popa e da conta telefônica.

FIGURA 7. A Escola Mawa’aiaká, situada fora do círculo da aldeia e fora dos padrões alto xinguano de construção. Foto. Taciana Vitti

FIGURA 8. Interior da Escola Mawa’aiaká. Foto: Taciana Vitti.

Abaixo, a relação dos habitantes da Aldeia Ypawu, por sexo e idade em 2003.

Sexo Feminino 0 – 10 11 - 20 21 - 30 31 - 40 41 e + Total 62 42 20 20 27 171 Sexo Masculino 0 – 10 11 - 20 21 - 30 31 - 40 41 e + Total 61 40 20 10 26 157

Fonte: Departamento de Medicina Preventiva UNIFESP, 2003.

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