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4. O NATURALISMO BIOLÓGICO: UM DESFECHO

4.1. O naturalismo biológico: quatro características

4.1.5. Um resumo

Finalizamos, dessa maneira, as quatro características do naturalismo biológico. Podemos acrescentar ainda algumas notas com relação ao misticismo e ao dualismo de propriedades, ao qual Searle é, segundo o próprio autor (2006, p. 24), relacionado em detrimento das suas afirmações sobre as características emergentes da consciência. Em que sentido podemos afirmar que a consciência é emergente? Ela é emergente enquanto resultado de um processo ocorre no e é causado pelo cérebro, através das atividades dos neurônios. Como relacionamos anteriormente, a consciência está para o cérebro assim como a liquidez está para a água. A consciência não pode ser reduzida à mera atividade neuronal. A este tipo de característica emergente, Searle dá o nome de concepção de emergência causal, ou “emergente 1” (2006, p. 162). Há, por outro lado, um outro tipo de natureza emergente muito mais radical, onde não apenas se detecta uma emergência de tipo 1, mas também a impossibilidade de explicação de tal fenômeno a partir das interações causais dos elementos que compõem aquilo do qual o fenômeno emerge. Tomemos como exemplo a própria consciência: ela emerge da interação entre os neurônios; os neurônios, nesse caso, são os elementos (a grosso modo) do cérebro, a partir de onde emerge a consciência. O fenômeno emergente do tipo 2, mais radical, não pode ser explicado tendo em vista nenhum desses elementos, e é como se ganhasse vida própria, causando coisas que não podem ser explicadas. Esse tipo de fenômeno, emergente 2, pode ser relacionado a uma mística e a um dualismo de propriedades, mas não o do tipo 1, o qual Searle está inclinado a defender.

Diante dos quatro pontos que expusemos, resta o questionamento: de que modo essas características compreendem a contribuição da tese do naturalismo biológico? Em primeiro lugar, o apontamento de uma terceira via, entre materialismo e dualismo sugere também que a filosofia da mente e, se formos adotar o ponto de vista searleano, também a IA em seu sentido forte, repense os suas categorias: até que ponto a rejeição do subjetivo é viável? Searle sugere, até mesmo, que dualistas

88 e monistas podem estar olhando para o lado errado, quando iniciaram a contagem de quantas propriedades ou substâncias podem existir, e acabaram criando um outro tipo de dualismo, que o autor chama de “dualismo de conceitos”, o qual consiste no ponto de vista que instaura a falsa dicotomia de que algo físico implica no não-mental e por sua vez, mental implica em não-físico. Tanto materialistas quanto dualistas concordam com essa oposição e, diante disso, até mesmo os materialistas poderiam ser associados aos dualistas, o que compele Searle a afirmar que “O materialismo é, portanto, em certo sentido, a mais fina flor do dualismo” (2006, p. 42).

O nosso segundo ponto acerca do naturalismo biológico carrega sua contribuição removendo o foco da suposta objetividade da realidade e da confiança em experimentos voltados apenas para a observação em terceira pessoa, relembrando a importância da subjetividade e das experiências pessoais e subjetivas de cada indivíduo consciente, já que todo e qualquer estado mental, é estado mental de alguém. A contribuição que o nosso segundo ponto carrega é ainda mais palpável do que apresentamos anteriormente, já que pode ser considerada como uma resposta a um dos pontos argumentativos de Turing em seu famoso texto Computing machinery and intelligence (1950). Turing, assim como Searle, após apresentar o coração de sua tese, definindo o que seria o que hoje chamamos de Teste de Turing (chamado pelo matemático de jogo da imitação), trata de apresentar uma série de objeções à sua argumentação, buscando refutá-las uma a uma, de maneira bem similar a Searle. Uma dessas objeções deve chamar nossa atenção de maneira diferenciada pela sua similaridade com o pensamento searleano; é chamada o argumento da consciência:

Este argumento está muito bem expresso no discurso “Lister” do Prof. Jefferson, de 1949, de onde transcrevo: “Somente quando uma máquina puder escrever sonetos ou compor concertos como resultado de pensamentos ou emoções sentidas, e não por via de ocorrência causal de símbolos, é que concordaríamos em que a máquina é igual ao cérebro – isto é, que não apenas os escreveu ou compôs como também sabia que os escrevera. Nenhum mecanismo poderia experimentar (e não meramente assinalar de modo artificial, por meio de uma engenhoca fácil) prazer pelos seus êxitos, tristeza quando suas válvulas queimam, deleite ante a lisonja; sentir-se infeliz por causa de seus erros, encantar-se com o sexo, ficar irritado

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ou deprimido por não poder alcançar o que deseja”88. (TURING,

1950, p. 443)

Turing, a fim de objetar a favor de sua tese, constrói o seu discurso com base numa defesa voltada apenas para um ponto de vista epistemológico, dependente única e simplesmente de observação comportamental: o mesmo afirma (1950, p. 443) que a única forma de saber que a máquina pensa é sendo a máquina, e como isso não é possível, a única via através da qual se tem acesso a tal conhecimento é através da observação do comportamento. Vimos, em 4.1.2., que o comportamento

por si só não é suficiente para determinar a existência de uma consciência.

O terceiro ponto, por sua vez, complementa aquele segundo, diferenciando uma abordagem ontológica (primeira pessoa) de uma epistemológica (terceira pessoa), sugerindo uma fórmula mais completa para que o problema mente-corpo seja solucionado: observando o comportamento em conexão com as interações causais que ocorrem na fisiologia do organismo em questão, responsáveis por fenômenos como a consciência e a intencionalidade.

Por fim, o quarto ponto, talvez o mais explícito na argumentação presente no Argumento do Quarto Chinês, evidencia a confusão que se instaura quando confundimos intencionalidade intrínseca com algo que funciona como-se fosse intencionalidade, além de enfatizar a importância desta para toda e qualquer proposta de duplicação de consciência: não basta apenas replicar amostras de inteligência, é preciso explorar as consequências de uma mente consciente de forma abrangente, sem que a intencionalidade seja marginalizada.

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