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Um Vale com Tabaco, mas muito além da Fumicultura

No documento João Paulo Reis Costa (páginas 102-109)

2. A AGROECOLOGIA NO CONTEXTO DA AGRICULTURA FAMILIAR

3.1 Um Vale com Tabaco, mas muito além da Fumicultura

Assim, na confluência dessas necessidades, de uma produção agropecuária comprometida com o meio onde está inserida e da articulação de sujeitos e entidades que pensam e orientam as suas práticas junto à Agricultura Familiar na perspectiva da Agroecologia, foi criada a Articulação em Agroecologia do Vale do Rio Pardo (AAVRP), em outubro de 2013, após esse grupo participar de atividades promovidas pela vizinha Articulação em Agroecologia do Vale do Taquari (AAVT), existente desde 2008, numa rede de entidades que trabalham com produção orgânica e de base agroecológica naquela região22.

No Vale do Rio Pardo, a AAVRP vem se constituindo numa nova entidade na região, unindo um conjunto de entidades que a compõem. Uma articulação criada no

“coração” da fumicultura brasileira, em que o sistema integrado do tabaco se instalou em 1917, com a transferência da Souza Cruz, na época já pertencente à British American Tabacco - BAT, processo que se intensifica a partir da década de 1960, com a venda das demais empresas do setor, de capital regional, a empresas estrangeiras, tornando o Vale do Rio Pardo, pelo seu histórico produtivo, uma referência mundial na produção de tabaco, sendo a principal região do mundo em produção de tabaco em folha e também no beneficiamento da matéria-prima para a produção de cigarros.

A escolha dessa região para a realização de novos investimentos multinacionais no âmbito da produção e do processamento industrial do tabaco pelo capital internacional é justificada nesse contexto, por seus atributos territoriais, como: as condições ambientais diferenciadas favoráveis ao cultivo das principais variedades de sementes de tabaco, o conhecimento tácito, entre os agricultores, do cultivo do tabaco; a elevada qualidade e o baixo custo de produção do tabaco brasileiro decorrente do emprego da mão-de-obra familiar; o crescente aperfeiçoamento tecnológico do seu modo de produção e de processamento; a intensa regulação das relações de produção através do sistema integrado de produção. (SILVEIRA e DORNELLES, 2013, p. 13).

22 A Articulação de Agroecologia do Vale do Taquari (AAVT) é uma rede de entidades que apoia a agroecologia na região. São entidades de representação dos produtores, institutos de pesquisas e ensino e organizações de apoio aos agricultores e consumidores. Atualmente é formada pelas seguintes entidades: Associação Agroindustrial de Forquetinha - Agroflor, Associação de Mulheres Colinenses, Associação Ecobé, Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor, Comissão Pastoral da Terra, EMATER/RS/ASCAR, Grupo de Produtores Ecologistas Forqueta, Secretaria de Agricultura de Arroio do Meio, Secretaria de Agricultura de Colinas, Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Arroio do Meio, Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Colinas, UERGS e UNIVATES. (AAVT, 2018). E contatar a coordenação da AAVT pelo endereço eletrônico - E-mail da AAVT: aavtvaledotaquari@gmail.com

Atualmente, o complexo transnacional do tabaco instalado na região, é composto por um conjunto de várias empresas fumageiras, sendo que todas operam com tabaco em folha e algumas produzem cigarros. E isso faz do Vale do Rio Pardo, um espaço diferenciado, pois consta nessa região fisicamente todo o complexo fumageiro instalado no Brasil, sendo a região (de)marcada por essa presença das empresas e todo seu conjunto constitutivo (Infraestrutura, executivos/as, empresas parceiras, trabalhadores/as...), gerando também uma dependência econômica em relação ao tabaco e todo seu circuito produtivo na região, o que é extremamente grave, pois o tabaco é uma cultura agrícola que, como qualquer outra, depende inexoravelmente dos conformes climáticos, o que deixa a região do Vale do Rio Pardo muito exposta econômica e socialmente a fatores aleatórios.

O Vale do Rio Pardo destaca-se com 19,92% de todo o tabaco em folha produzido no Brasil (no período de 2008 a 2012). [...]. No caso do Vale do Rio Pardo, pode-se destacar inicialmente a dependência econômica gerada por este sistema, na medida em que a economia dos municípios encontra-se amplamente alicerçada sobre a produção do tabaco. Prova disso é que a participação do tabaco no Valor Bruto da Produção agrícola dos municípios do Vale do Rio Pardo é, em média, de 61,5%. (GOMES, 2014, p.17).

Conforme aponta a figura 17, logo adiante, mostra o quanto a região é entrecortada e marcada pela presença física do complexo fumageiro, que hoje se resume basicamente a não mais que 15 empresas de maior expressão e todas associadas ao SINDITABACO – Sindicato Interestadual de Indústria do Tabaco, entidade importante na articulação e organização das empresas fumageiras no Vale do Rio Pardo, nos três estados do Sul e no Brasil como um todo. São elas: (Alliance One, ATC, Brasfumo, China Brasil, CTA, IBT, INTAB, JTI, Phillip Morris Brasil, Premium, Profigen, Souza Cruz, Marasca, Universal e UTC). Evidentemente não foi sempre assim, a estrutura geral dessa “disposição quase que natural da “região fumageira” do sul do país23”, pois a cultura do tabaco também sofreu influência direta do capital estrangeiro, especialmente pós década de 1960, como a aponta o minucioso trabalho do historiador Andrius Noronha.

O processo de desenvolvimento da economia brasileira esteve associado ao capital exterior. Em Santa Cruz do Sul esse processo não foi diferente. O desmantelamento das empresas de capital local trouxe grande impacto no campo social e político para a comunidade. A política econômica do governo

23 Para aprofundar na questão do “complexo fumageira” no Vale do Rio Pardo, com ênfase em Santa Cruz do Sul / RS, vale a leitura do trabalho minucioso do historiador Andrius Noronha, que segue em sua tese de doutorado os estudos que vinha fazendo já no mestrado, abordando a formação da elite industrial de Santa Cruz do Sul, fazendo um verdadeiro “raio x’ dessa composição e, evidentemente passando pelo desenho inicial do setor fumageiro, da entrada de capital estrangeiro com compras de empresas locais, fusões, incorporações e tudo mais. (NORONHA, 2012).

federal com a implantação do Regime Militar foi um divisor de águas para a transformação da economia de Santa Cruz do Sul. Até os anos de 1960, a maioria das empresas fumageiras de Santa Cruz do Sul era de capital local, e o desenvolvimento dessas empresas esteve associado à expansão do comércio local que lhes permitia autofinanciamento em função dos lucros que o tabaco proporcionava à região. O processo de modernização era projetado a longo prazo, e as melhorias produtivas normalmente eram trazidas pela BAT que, no período de 1918 até 1960, era a única empresa de capital estrangeiro instalada na região. A rápida penetração do capital estrangeiro na economia fumageira a partir de 1965, consolidou a hegemonia da indústria em relação à produção de tabaco, com grande capital introduziram uma nova relação de compra e venda do tabaco em detrimento dos comerciantes.

Quando o setor fumageiro passou a ser eixo na produção agrícola de Santa Cruz do Sul os comerciantes e os caixeiros viajantes exerciam um poderoso papel de intermediário entre o agricultor e o industriário, sendo inclusive uma das maiores forças políticas de Santa Cruz do Sul. Quem provoca a ruptura é o capital estrangeiro com maior capacidade de investimentos em pesquisa e desenvolvimento, e passa, aos poucos, a substituir os caixeiros – viajantes, que era comum até a década de 1930. A introdução do sistema integrado de produção foi uma dessas estratégias que possibilitou o controle sobre o produtor. (NORONHA, 2006, p.119-120).

Assim, na safra 2017/2018, basicamente o tabaco produzido no Brasil foi destinado a essas 15 empresas que respondem hoje pela produção do tabaco brasileiro, tanto para consumo interno, bem como para exportação a todos os continentes do globo. Nesse ano, foi produzido tabaco em 289 mil hectares, por 150 mil produtores integrados a estas fumageiras. Um universo de aproximadamente 600 mil pessoas participa desse ciclo produtivo no meio rural (SINDITABACO, 2018), tendo ainda os trabalhadores urbanos, que trabalham com o tabaco em folha e também nas cigarreiras na área urbana, onde está situada grande maioria dessas empresas (a exceção entre elas é a Industrial Boettcher de Tabacos Ltda, empresa que se situa na comunidade de Alto Sinimbu, interior de Sinimbu/RS). A seguir, na Figura 17, as empresas do setor fumageiro associadas ao Sinditabaco.

Figura 17 - Empresas Fumageiras atuando no Brasil.

Fonte: SINDITABACO, 2018 - Organizado pelo autor.

Não por coincidência, o Vale do Rio Pardo vai se caracterizar durante o século XX, enquanto região como a “terra do tabaco”, tendo especialmente Santa Cruz nessa liderança, sendo conhecida no Brasil e também no exterior, pois todas as empresas se localizam com suas sedes na região, basicamente em Santa Cruz do Sul com sete empresas (ATC, JTI, Phillip Morris Brasil, Premium, Profigen, Souza Cruz e Universal), e também em Venâncio Aires, com seis fumageiras (Alliance One, Brasfumo, China Brasil, CTA, Marasca e UTC), tendo ainda em Vale do Sol uma empresa (INTAB) e por fim em Sinimbu também uma unidade (IBT), conforme listamos na Figura 18.

Figura 18 - Complexo Fumageiro do Brasil do e no Vale do Rio Pardo.

Fonte: - Organizado pelo autor. SINDITABACO, 2018.

O Vale do Rio Pardo é uma das 28 regiões do Rio Grande do Sul (composto atualmente por 497 municípios), dividido assim pela premissa dos COREDEs24. A

24 Conselhos Regionais de Desenvolvimento (COREDEs) - criados pela Lei Estadual nº 10.283, de 17 de outubro de 1994. Os Coredes têm por objetivo a promoção do desenvolvimento regional, harmônico e sustentável, através da integração dos recursos e das ações do governo na região, visando à melhoria da qualidade de vida da população, à distribuição equitativa da riqueza produzida, estímulo à permanência do homem em sua região e a preservação e recuperação do meio ambiente. Competem aos Coredes as seguintes atribuições, dentre outras: promover a participação de todos os segmentos da sociedade regional no diagnóstico de suas necessidades e potencialidades, para a formulação e implantação das políticas de desenvolvimento integrado da região; elaborar planos estratégicos de

região localiza-se no centro-leste do estado do RS. Com 435.890 habitantes, morando distribuídos numa área de 13.171,7 km², apresenta densidade demográfica de 32,1 hab/km². A taxa de analfabetismo entre pessoas com 15 anos ou mais é de 6,35% e a expectativa de vida ao nascer é de 70,58 anos, com um coeficiente de mortalidade infantil de 12,77 por mil nascidos vivos. Quanto ao PIB, está em R$ mil 10.769.294, chegando a um PIB per capita de R$ 25.560, alcançando em exportações totais U$

FOB 1.983.842.493 (FEE, 2016).

No recorte regional do Conselho Regional de Desenvolvimento - COREDE que estamos fazendo, o Vale do Rio Pardo é composto atualmente por 23 municípios:

Arroio do Tigre, Boqueirão do Leão, Candelária, Encruzilhada do Sul, Estrela Velha, General Câmara, Herveiras, Ibarama, Lagoa Bonita do Sul, Mato Leitão, Pantano Grande, Passa Sete, Passo do Sobrado, Rio Pardo, Santa Cruz do Sul, Segredo, Sinimbu, Sobradinho, Tunas, Vale do Sol, Vale Verde, Venâncio Aires, Vera Cruz, conforme Figura 19.

Dentre esses municípios, Santa Cruz do Sul destaca-se como “polo regional”, concentrando boa parte dos órgãos de governo estadual e federal e liderando a indústria fumageira, que tem forte presença na economia e no cotidiano regional, além de ser o município com maior número de habitantes, ter o maior PIB justamente por concentrar boa parte das empresas fumageiras e cigarreiras e com isso concentra o protagonismo político na região, como se a região fosse feita basicamente de Santa Cruz do Sul.

Entretanto, o Vale do Rio Pardo se subdivide em três microrregiões: Norte (Centro Serra), Centro e Sul. No norte, os municípios são de base agrícola da Agricultura Familiar, com ênfase na fumicultura, tendo em Sobradinho sua referência regional. No centro, municípios que gravitam Santa Cruz do Sul, polo regional em função da pujança do setor fumageiro, acompanhado de Venâncio Aires que também tem certo protagonismo regional, como por exemplo o polo de proteína, com uma rede de SIP especialmente de frango, porco e leite. Por fim, os municípios do sul da região que já estão na área de transição com o bioma Pampa, com uma presença muito

desenvolvimento regional; manter espaço permanente de participação democrática, resgatando a cidadania, através da valorização da ação política; constituir-se em instância de regionalização do orçamento do Estado, conforme estabelece o art. 149, parágrafo 8º, da Constituição do Estado; orientar e acompanhar, de forma sistemática, o desempenho das ações dos Governos Estadual e Federal na região; e respaldar as ações do Governo do Estado na busca de maior participação nas decisões nacionais (FEE, 2016).

significativa de médias e grandes propriedades, tendo como referência o município de Rio Pardo, destaque pela importância histórica na região, sendo um dos maiores polos escravistas no RS no XIX. Essa composição faz a região ser diversa na composição territorial, étnica e na Agropecuária Familiar.

Figura 19 - Mapa Político do VRP.

Fonte: Observatório do Desenvolvimento Regional, 2015.

No documento João Paulo Reis Costa (páginas 102-109)